Por Cristina Padiglione | Saiba mais
Cristina Padiglione, ou Padi, é paga para ver TV desde 1990, da Folha da Tarde ao Estadão, passando por Jornal da Tarde e Folha de S.Paulo

Caco Barcellos busca tribos e sotaques diversos para o ‘Profissão Repórter’: ‘Reportagem é paixão’

Caco Barcellos: 11 anos de 'Profissão Repórter' são bem mais do que ele imaginou. Foto de Ramón Vasconcellos/Divulgação

Uma equipe do “Profissão Repórter” percorreu várias capitais ao longo do mês de março, em uma parceria que já se repete pela segunda vez com o Globo Lab – laboratório desenvolvido pela Globo que envolve metodologia de troca de ideias e cocriação. Os olheiros, digamos assim, procuravam jovens estudantes interessados em jornalismo e no setor audiovisual, com o objetivo de fomentar a inovação de temáticas, linguagens e narrativas jornalísticas.

Caco Barcellos, piloto dessa nau que entra agora no seu 11º ano como programa solo na grade da Globo, sabe que a TV muitas vezes atrai gente interessada mais no glamour das bancadas do que na reportagem de fato, um expediente completamente distinto, para não dizer que é quase oposto ao do papel do apresentador. Lugar de repórter é na rua, longe do ar condicionado do estúdio, e longe de ter sript pronto, mas sim em processo de construção.

O negócio do “Profissão Repórter”, afinal, já diz o nome, é ser repórter. Apenas 20 eleitos desse tour pelo país terão a chance de fazer uma imersão na redação do programa em São Paulo, mas o investimento da Globo não é obra de caridade nem acontece apenas para que a emissora fique bem na foto.

Para o “Profissão”, o investimento aplicado nesse processo todo, da seleção que motiva uma excursão pelo país à logística de passagem e hospedagem em São Paulo por uma semana, tem lá o seu retorno. Quando alguma coisa acontecer na fronteira do Acre, por exemplo, é de grande valor que o “Profissão Repórter” tenha a quem recorrer. Ao investir na imersão de jovens profissionais e ensinar-lhes técnicas de filmagem e reportagem, assim como a linguagem que interessa ao programa – e não apenas ao dito jornalismo de hard news que entra em cena nos telejornais da casa – o programa passa a contar com uma rede de colaboradores valiosa. E no que depender de Caco, essa conexão vai além do espaço brasileiro.

“Esses jovens participam da reunião de pautas, trazem ideias”, conta Caco em entrevista exclusiva ao TelePadi. “O que a gente quer com isso? Que eles virem nossos correspondentes, ou até que venham passar um tempo aqui com a gente. Quando houve um terremoto no Equador, o garoto que a gente conhecia lá levantou da cama com a câmera, filmando do jeito que a gente faria. Quando chegamos lá, já tínhamos um material riquíssimo à nossa disposição”.

“Queremos fazer isso com Argentina, Colômbia, Venezuela, cada um com um olhar. Isso pluraliza a cara do jornalismo. Olhamos muito para o nosso umbigo e muito pouco para os vizinhos”, afirma.

Por enquanto, no planejamento traçado em março, a equipe do programa levou oficinas de reportagem a instituições de ensino parceiras e coletivos de comunicação em Belém, Fortaleza, Salvador, Porto Alegre, Curitiba, Campo Grande, Campinas e Santos. O roadshow, como chamou a Globo, passou por instituições como Unama, Unifor, UFRB, Unifacs, Unisinos, UFPR, UFMS, Unifra, Unisantos, além de Tela Firme, Rede Cuca, TV Pelourinho, TV OVO, CUFA RS, CUFA PR, entre outros coletivos.

Os participantes do ‘Globo Lab: Profissão Repórter’ tiveram aulas sobre o universo do programa, conhecimentos sobre jornalismo, as características das reportagens ali feitas e sua dinâmica de trabalho. Foi então proposto um desafio em duplas para a realização de reportagens e são os autores das dez melhores que agora terão a oportunidade de vivenciar essa imersão na redação do programa, em São Paulo, além de terem seus trabalhos exibidos na página do “Profissão Repórter” na internet.

Não é a primeira vez que o Globo Lab se junta ao “Profissão Repórter”, que já traz no seu DNA a proposta de buscar novos talentos. No ano passado, 20 estudantes de São Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte e Recife foram selecionados para a imersão na redação. O laboratório resultou em um programa especial, que mostrou como foi a interação e o aprendizado desses jovens com a equipe do programa para desenvolver suas reportagens. Também feitas em duplas, como se propôs agora, as matérias tiveram como foco problemas recorrentes no Brasil, como segurança pública, prostituição, sem-terra e agroflorestal, entre outros.

“Como a gente quer muito ir além do Sudeste, essa visão mais forte, dos moradores desses lugares, vai além do nosso olhar e traz sotaques novos. O Manoel Soares é da Cufa (Central Única das Favelas) de Porto Alegre e é uma autoridade nesse meio. Ele chega, os caras falam de outra maneira do que falariam comigo. Ele esteve com a gente por quatro ou cinco anos, fazendo uma matéria a cada dois meses, como colaborador. Agora está com [o programa da] a Fátima (Bernardes).”

Não há uma regra de prazo estabelecido para que os profissionais deixem a equipe. Cada um vai saindo à medida que encontra novos horizontes, em geral dentro da própria Globo, e assim a equipe vai se revezando.

Dentro dessa proposta de pluralizar as visões promovidas pelo programa – todo tema merece pelo menos três abordagens distintas -, Caco tem planos para inserir no time de colaboradores uma jornalista de 81 anos, Cecília Thompson, ex-“Estadão”.

 

Agressão lhe rendeu trauma ortopédico

Agredido em 2016, em manifestação na Alerj. Crédito: Alex Ribeiro

Agredido durante um protesto de servidores públicos em frente à Alerj – Assembleia Legislativa do Rio De Janeiro -, no final de 2016, Caco conta que ficou um ano sem poder virar a cabeça para o lado esquerdo. “O Choque batia nos manifestantes e eles próprios brigavam entre si, me chamavam para mostrar – ‘aí, colega tá jogando bomba’ e o cara com a cabeça sangrando. Eu já tinha sete horas de material, poderia ter ido embora. Depois das bombas, os coxinhas vão embora, e quem tá ali pela reivindicação momentânea vai embora por medo. Veio uma meia dúzia que me pegou, sem eu perceber, por trás, com chutes e pontapés, mas o que mais me machucou foi um cara que, tentando me salvar, me deu um mata leão por trás pra me tirar do meio da multidão.”

O episódio fez estrago físico no repórter, mas não era o primeiro do gênero. Durante as manifestações de insatisfação geral em 2013, iniciadas a partir do aumento de 20 centavos na passagem do transporte público em São Paulo, Caco foi hostilizado pelo simples motivo de ostentar um microfone da Globo.

O jornalista, no entanto, não se vitimiza e lembra que no mundo inteiro os jornalistas vêm apanhando em manifestações. “É que tudo o que é na Globo tem mais repercussão, mas quem morreu naquela ocasião foi um cinegrafista da Bandeirantes. Tá tudo polarizado, mas é difícil ter PM de esquerda. Eu lembro que discuti aqui, apanhando, ‘por que você está batendo em trabalhador?’ Na minha concepção, quem bate em trabalhador é a direita.” 2013, no mundo inteiro está acontecendo isso.

‘As ruas voltaram para os computadores’

Pergunto se ele acha que os gritos de 2013, que lhe renderam as primeiras agressões no contexto das manifestações urbanas, tiveram efeito: a situação melhorou ou piorou?

“Acho que deu uma esfriada, em geral, teve ali o final do governo Dilma, mas agora não tem muita gente pra proteger esse lado na rua. Você tem visto manifestação grande? As ruas voltaram para os computadores.”

Caco sabe que as pessoas hoje estão mais interessadas em opinião do que em informação. “É muito o momento da opinião, menos da reportagem, acho que nem sempre sabem diferencias o comentarista do repórter. O Arnaldo Jabor, por exemplo, é pago para opinar, e eu, para reportar.”

Reconhece que há uma larga parcela da população acreditando apenas nas versões que já endossam suas opiniões, o que gera polarização e muito ódio, alimentando o cenário das Fake News. “É uma pena”.

Gaúcho da periferia de Porto Alegre, Caco pagou a faculdade de Jornalismo com o trabalho de taxista, quando tinha entre 18 e 23 anos. Dono de um Fusca, tirou o banco da frente para dar mais espaço ao passageiro – o que era muito comum até 20 anos atrás – e como não se usava cinto de segurança na época, toda vez que freava o carro, o passageiro desabava para frente, muitas vezes amassando o próprio taxímetro em forma de capelinha, que ele guarda até hoje. Vem desse tempo o cacoete de estender o braço direito para proteger o passageiro, toda vez que pisa no freio.

E, afinal, há algum meio de fazer as pessoas valorizarem a informação perseguida por um bom repórter, em detrimento do diz-que-me-diz das redes sociais?

“Ah, eu acredito na qualidade do trabalho, com a esperança de que o público perceba se aqui tem credibilidade ou não: O  que esse indivíduo está escrevendo aqui? O que ele fez da vida? Como apurou? Mas não sei se as pessoas têm a capacidade de avaliar a qualidade de um trabalho jornalístico. A minha esperança é essa, não tem outra arma.”

Ainda que a internet multiplique torcidas e militâncias em detrimento da informação verdadeira, o jornalista fala que adora “olhar a existência das redes sociais, que é democracia pura, de acesso à informação e também de plataforma”. “Você pode fazer uma emissora de TV da sua casa, um rádio, o que você quiser, isso é maravilhoso.”

O “Profissão Repórter” volta ao ar no dia 25, ainda com tema sob sigilo, entrando agora no seu 11º como programa semanal. “Eu não imaginava que chegasse a tanto. Achei que ia acabar em uma semana. Chegariam para mim e diriam: ‘experimentamos, Caco, mas não deu’. ‘Ah, tem um discurso muito bonito aí, mas vamos ver se os outros também acham’, e acabou ficando.”

É claro que o programa agrega valor ao conteúdo produzido pela Globo, por contemplar temas de interesse público com um olhar mais plural e diferenciado do Jornalismo dito hard news dos telejornais, mas, sem audiência, o “Profissão” realmente não seria tão longevo, e é justamente o retorno do público que torna possível o espaço dado a esse discurso.

Curta nossa página no Facebook e siga-nos no Twitter

Cristina Padiglione

Cristina Padiglione