Próxima novela das nove quer alcançar a massa sem abrir mão de reflexão
Primeira novela solo de Manuela Dias, autora de duas boas séries de TV (“Justiça” e “Ligações Perigosas”), o próximo folhetim das nove da Globo, “Amor de Mãe”, tem a louvável pretensão de inserir assuntos de interesse público, provocando reflexão e somando repertório, sem perder relevância junto à audiência. Não é uma equação simples.
A direção é de José Luiz Villamarim, um dos diretores-gerais de “Avenida Brasil”, que assina as melhores minisséries exibidas pela Globo nos últimos anos, como “Amores Roubados”, “O Canto da Sereia”, a própria “Justiça” (da mesma autora de “Amor de Mãe”) e a mininovela “Onde Nascem os Fortes”, de George Moura e Sérgio Goldenberg.
Os créditos de Manu e Villa não deixam dúvidas sobre seus feitos, mas em se tratando de novela das nove, nem toda maestria tem sido prestigiada pela Globo. Profissionais de passado altamente qualificado se viram forçados a ceder à mastigação de texto que entrega ao povo o que o povo quer, sem novidades, sem frescor e, principalmente, sem pretensão de fazer o público pensar.
Em encontro promovido no Rio pela Globo, questionei Villamarim e Manuela sobre as condições vigentes hoje para alcançar a massa sem ter de ceder ao nível raso de discussão. Mais: querem romper com o maniqueísmo, o que já foi tentado no passado, mas tem sido premissa difícil de desafiar em produtos de massa nesses tempos de altíssima polarização política. Isso é possível?
Confira a seguir o que o diretor diz sobre os principais pontos de “Amor de Mãe”, folhetim que sucede a mastigada e maniqueísta “A Dona do Pedaço”, a partir de 25 de novembro.
TelePadi – É possível alcançar a massa sem abrir mão do pensamento e do repertório?
Villamarim – A sensação que eu tenho é que sim, eu espero que sim. Temos todos os ingredientes que uma novela tem, com algum avanço, com temas que são interessantes, como educação, despoluição da Baia de Guanabara, com personagens que não são maniqueístas, o espaço público do Rio. E a Lurdes, personagem da Regina Casé, é uma feliz criação de Manuela, muito fascinante. A gente está cercado de Lurdes nesse país e a gente não fala delas, essas mulheres vão se identificar muito, essa mulher que não tem nem tempo de ter crise existencial, que não reclama, que parte para dentro da vida… E tem melodrama. Costumo dizer que eu estou fazendo novela, vou respeitar o gênero, tem que respeitar o folhetim.”
TelePadi – Como atender à massa sem cair nas nossas bolhas, adotando critérios em que a gente acredita, mas que não necessariamente atraem a massa?
Villamarim – Acho que a pesquisa ajuda, mas você não pode pensar assim. Parece piegas, mas tudo o que você vai fazer na vida tem que fazer com a alma. Tem que ser uma coisa que lhe emocione, ou que afete, no sentido de afetar. Tudo o que afeta, para o bem ou para o mal, mexe com a massa, atravessa a tela. Você vai fazer uma cena, está dentro do estúdio. O audiovisual é fascinante porque qualquer coisa que você fizer tem 100 pessoas em volta, e dali você já tem uma ideia da reação do público. As pessoas no Brasil são escolas de novela. Em um group discussion, as pessoas sabem muito mais que todo mundo. Para o bem ou para o mal, a novela educou e deseducou os brasileiros. Ela tem essa função, então é bom que você arrisque um pouco . E as pessoas são inteligentes no nosso país, apesar de algumas coisas, mas são.
TelePadi – É possível, para o diretor, ser artesanal numa novela, como ele consegue em uma série, em que o ritmo é menos intenso e o prazo de entrega, maior?
Villamarim – Novela é uma coisa tão grande, tão trabalhosa, acontece que você também tem um desejo, quer algo que signifique alguma coias. Eu filmei agora enlouquecidamente por três mês, como eu faço com série, só que a novela é uma coisa muito maior. Eu fico brincando que não para de ter estreia: estreia ator, estreia participação, estreia estúdio, estreei tudo e agora vou começar a montar. São 50 minutos diários, é puxado. Mas os números que eu fiz, a partir do G4 (novo complexo de estúdios da Globo, inaugurado com a gravação de “Amor de Mãe”), eu consegui ter uma distribuição, e contando com a parceria da Manuela de páginas entregues, eu estou tentando fazer uma novela com menos câmeras, sem boca de cena, estou tentando levar um pouco do aprendizado e experiência que eu tive com as séries e está dando certo.
TelePadi – Vocês terão uma abordagem de educação (por meio da personagem de Jéssica Ellen, que se forma em pedagogia e será vista em sala de aula) e de meio-ambiente (pelo personagem de Vladmir Brichta, que luta pela despoluição da Baía de Guabanara) na novela. Há outras questões sociais?
Villamarim – Eu não posso falar do arco dramático. As personagens são menos maniqueístas, muitas vão repensar a ética: ‘Isso vale a pena?’ A discussão ética é importante para a novela e é importante pra gente. É muito importante que a gente acorde com esse desejo. Qual o sentido de vir aqui se não for desejar para transformar? E tem essa coisa de acreditar… A pessoa que nunca conseguiu ter filho e vai conseguir. Despoluir a Baia de Guanabara não é tão difícil, é um desejo, a novela trata de desejos. Como diz o Freud, se você não realiza o seu desejo, vira uma angústia completa. E de educação a gente tem que falar. No Brasil, em novela, a gente fala com 65 milhões de pessoas.
Obs.: A jornalista viajou ao Rio a convite da Globo.
Abaixo, um clipão da novela.