Lawrence Wahba acaricia tubarões no Nat Geo Wild
“Tubarão então é bonzinho?”, pergunto a Lawrence Wahba, vencedor de um Emmy em 2013 pelo documentário “América Indomável”, mergulhador com mais de 4,5 mil mergulhos, que agora volta ao ar com a série “Pelos Mares do Mundo”, pelo canal Nat Geo Wild. Seu propósito é desmitificar os animais marítimos, começando pelo bichinho injustamente tratado como monstro dos mares.
“Eu não gosto de adjetivos humanos, porque a natureza não é maniqueísta, isso seria muito simplório”, ele me responde, ao telefone, em entrevista a este TelePadi.
Lawrence nada na direção contrária à daquele típico repórter de TV aberta que, pronto para fazer audiência cultivando o pavor do telespectador, mergulha com tubarões e narra que está prestes a ser devorado. Balela. “Eu me sinto mais seguro mergulhando com tubarões nas Bahamas, tubarões de 4,5 metros cheirando minha nadadeira, do que num engarrafamento na Marginal”, disse.
Mergulhador que se inspirou no trabalho do gênio Jacques Cousteau, Lawrence costuma brincar que comprou uma câmera para mostrar as maravilhas do fundo do mar que ele testemunhava, mas nas quais ninguém acreditava. Assim, já tinha alguma intimidade com o fundo das águas quando decidiu cursar Cinema, na Faap. Neste sábado, 21 de janeiro, às 21h, ele está de volta ao ar pelo canal Nat Geo Wild, com a série “Pelos Mares do Mundo”.
“Na verdade, o tubarão é um predador eficiente que eventualmente pode vir a atacar o ser humano”, ele nos explica, “mas”, continua, “é um animal essencial para o equilíbrio dos oceanos”. “Ele é o predador de topo do ecossistema. Então, ele controla todo o ecossistema. Ele come a moreia, a moreia come o polvo. Se somem os tubarões, aumenta a população de moreias e diminui a de polvo. Só que o polvo come os pequenos crustáceos, que comem os plânctons, que comem oxigênio. Então, se essa cadeia se desequilibra, afeta todo o ecossistema marítimo e a produção de oxigênio.”
20 países em 5 episódios. Serão cinco episódios semanais de meia hora cada, traçando uma radiografia que poucos profissionais ao redor do mundo seriam capazes de fazer sem uma grande equipe, e com baixo orçamento, como é o caso da série da vez. Ali estão histórias e bichos que vivem em pelo menos 45 locações, em águas que banham 20 países, por imagens captadas ao longo de seis anos. Há ainda material anterior, de seu acervo, e outras feitas nos últimos dois anos.
Depois do sucesso da série “Todas as Manhãs do Mundo”, feita em coprodução com a França, para o Nat Geo, o canal quis mais. Lawrence sacou da gaveta produções inéditas do fundo do mar e propôs completar o material com Cuba, Brasil e Indonésia, o que foi feito nesses últimos dois anos. Em Cuba, graças à rede de conhecimentos na área, enfiou-se numa expedição que custou à Canal Azul, sua produtora, apenas um décimo do que gastaria. De lá vêm imagens raras de corais. Tanto em Havana como em Fernando de Noronha, desembarcou sozinho, no aeroporto, com 90 Kg de equipamento, e contratou um assistente no local.
O próprio Lawrence narra cada episódio, aberto sempre com duas perguntas sobre um tema específico. Além da edição sobre tubarões, ele aborda raias, e destrói a ideia de que são perigosas, golfinhos e baleias, polvos e corais.
Selo científico. “O mais bacana desse projeto é que eu trabalho com um nível de exigência absurdo. Como é coprodução com a Nat Geo, respondo para o canal sobre a parte editorial e o texto. Mas a parte de conteúdo, de ciência, eu trabalho sob a aprovação de uma pesquisadora sênior da National Geographic Society em Washingotn”, conta. Não foi fácil. Cada linha, cada número de pesquisa, cada parecer tinha de ser submetido a ela, que avalizava ou não os pareceres do apresentados em inglês. Mas Lawrence se entusiasma ao falar sobre a precisão de cada detalhe.
Uma das informações que a supervisora de Washington vetou foi que nunca houve outro acidente fatal com uma arraia (ou raia), senão aquele que vitimou o documentarista Steve Irwin, em 2006. Ao contrário da imagem que se criou sobre a experiência de Irwin, Lawrence explica que ele não era exatamente um profissional de mergulho, mas sim de répteis. “Esse é o grande erro que se espalhou. Se amanhã eu for puxar o rabo de um crocodilo e ele me matar, vão dizer que eu era super experiente, mas eu não sou super experiente em manusear crocodilo. Ele foi criado como zoólogo num parque de animais na Austrália e a grande experiência dele era com répteis. O grande erro dele e do câmera foi encurralar a raia. Tenho mais de 4.500 mergulhos, centenas deles com raias e nunca tive acidente com raia, é raríssimo. Fora a questão de encurralar a arraia, ele deu muito azar: o ferrão dá uma chicotada e fura, esse ferrão só é usado quando ela se sente atacada ou acuada, esse ferrão, se batesse lateralmente, ele ficaria com uma cicatriz e uma história pra contar, mas ele deu um azar absurdo, quase ganhou na loteria ao contrário, o ferrão entrou perpendicularmente no coração dele. Eu tenho duas pesquisas que dizem que esse foi o único acidente fatal com um mergulhador na história da humanidade e do mergulho. A Nat Geo não aceitou. Então, o que a gente fala é que são raríssimos, os acidentes. Daí, um bicho que não é agressivo e passou a ser estigmatizado.” Lawrence encontra até uma doutora da Nat Geo que fala sobre descobertas científicas recentes sobre a inteligência das arraias. “Elas adoram interagir e brincar”, garante.
Mas a restrição imposta pela Nat Geo à informação de que o acidente com Irwin é único demonstra o cuidado do canal com o tema. Não é porque mitificam esses animais que o programa vai incentivar todo mundo a brincar com arraias e tubarões. Quando menciono a Lawrence, por exemplo, que tenho receio de frequentar a praia de Recife, onde alguns surfistas e banhistas já foram atacados por tubarões, por exemplo, ele reconhece a necessidade de alguma precaução no local.
“Recife é um dos casos clássicos e isso é mencionado na série: aconteceu um grande desequilíbrio ecológico que fez com que ali se tornasse um lugar perigoso. Na linha da praia eu não nado, mas pra mergulhar a 20 metros de profundidade, onde tem os naufrágios, eu vou. Na praia, a água está suja, é um lugar em que tubarões de grande porte vêm para se reproduzir, acabou a comida e eles começam a patrulhar a região em busca de alimento.”
“Mas a chance de você morrer com um coco que cai na sua cabeça é maior do que a de um ataque de tubarão”, ele assegura. “Nos Estados Unidos, duas pessoas por ano morrem massacradas por máquina de refrigerante, quando estão transportando, por exemplo. É mais do que ataque de tubarão”, completa.
O objetivo da série “Pelos Mares do Mundo” honra com satisfação uma frase bastante clichê, admite o mergulhador e documentarista: “O que os olhos não veem o coração não sente, então vamos fazer os olhos verem para ver o coração sente”.
Sem glamour. Para quem inveja a vida aparentemente aventureira de Lawrence, ele avisa que viajar nessas condições implica não só mergulhar com os bichinhos, mas, como já foi dito, às vezes desembarcar sozinho com 90 Kg de equipamento num aeroporto, além de ter de chegar exausto ao hotel, à noite, e, em vez de se atirar no banho ou na cama, ter de descarregar cartão de memória no computador. Isso sem falar nos filhos, que moram com Lawrence desde que tinha 4 e 7 anos, quando ele se separou. Quando viaja, as crianças ficam com os avós, mas ele já se programa para ficar em São Paulo pelo menos pelos próximos seis meses. As crianças, de todo modo, adoram passar férias com um pai que as leva para passeios dignos de um Nat Geo Wild
PELOS MARES DO MUNDO
Sábados, às 21h, no Nat Geo Wild