Raimundo Nonato, Ofélia e Alberto Roberto não teriam êxito sem ele: um adeus a Lúcio Mauro
Dentro do humor de bordão de qualidade, aquele em que o público já sabe o que esperar da piada e mesmo assim se espatifa de rir, raros são os talentos que se fazem aplaudir por tantos anos, por diferentes gerações, como foi o grandioso Lúcio Mauro.
Neste domingo, aos 92, anos, o ator e comediante saiu de cena, aos 92 anos, por falência orgânica múltipla.
Mais do que esbarrar no clichê de dizer que ele deixa um legado inestimável, convém reparar que ele deixa um repertório com todas as condições de fazer rir quem nasce hoje ou quem vai nascer amanhã, como fez rir quem nasceu há décadas.
É fascinante notar como é atemporal a graça desse sujeito, narrador de uma piada que não é datada, de um tom cínico no melhor senso de fina ironia, de um ritmo certeiro que não depende de texto, figurino ou make up. A risada provocada por Lúcio já partia daquele olhar de quem mira o interlocutor não só em linha reta, mas fazendo uma curva de baixo para cima, jogando a bola para o outro cortar.
Besteira tentar buscar palavras para explicar, e que bom que, num caso como o dele, temos tantas cenas a ver e a tratar como escola para quem quer pensar em saber fazer os outros rirem. Dizem que é mais difícil fazer o público rir do que chorar, e penso que cada vez está mais difícil de rir.
Como Aldemar Vigário, personagem que seu herdeiro, Lúcio Mauro, tão bem incorporou na nova sala da “Escolinha do Professor Raimundo”, Lúcio Mauro dava show para os demais alunos e surpreendia o próprio mestre, que frequentemente mostrava surpresa com os feitos que o outro lhe atribuía. Como acontece na versão atual, a “Escolinha” só distribuía a cada “aluno” o texto que lhe cabia, o que levava os demais a experimentarem a mesma sensação de frescor da risada do público, um dos pontos altos do próprio espetáculo promovido por aquela sala de aula.
A mesma dupla, se tivesse chegado aos cento e tantos anos, continuaria a nos fazer rir com os delírios ególatras de Alberto Roberto, que jamais teriam a graça que tinham se o seu diretor não tentasse elegantemente contê-lo.
Nem Ofélia faria dor no diafragma do telespectador, que aliviava sua ignorância ao ver alguém aparentemente mais idiota que ele. Mas, quando a plateia já zombava daquela pobre mulher, o marido, Fernandinho, na voz protetora de Lúcio Mauro, fazia lembrar que seu amor por ela estava acima de qualquer humilhação intelectual e expulsava a visita zombeteira, por mais ilustre que fosse.
Nesses duetos com Chico, Cláudia Rodrigues, Sônia Mamede e outras Ofélias, o personagem aparentemente central poderia até mudar de intérprete, sustentado que estava nos bordões do texto, mas seu coadjuvante, a aparente “escada” usada para fazer o protagonista do quadro brilhar, nem tanto.
Lúcio teve chance de ser homenageado, há pouco mais de um ano, no recente Prêmio de Humor criado por Fábio Porchat.
Também pode fazer uma breve participação especial na estreia da nova “Escolinha”, que já parte agora para sua quarta temporada, com êxito, sob o comando de Bruno Mazzeo. Ao lado de Lucinho, o atual professor Raimundo consagra a dupla formada pelos pais de ambos. Dá gosto de ver. Não é todo dia, afinal, que se tem herdeiros de grandes talentos fazendo jus ao DNA.
Paraense de Belém, Lúcio esteve também no set de novelas (Malhação”, “Pecado Capital”, “Meu Bem Querer”, “Paraíso Tropical”, “A Favorita” e “Gabriela”), filmes (“Terra sem Deus”, “007 1\2 no Carnaval”, “Redentor”, “Cleópatra”, “Muita calma nessa hora”) e minisséries (“O Pagador de Promessas”, “Dona Flor e seus Dois Maridos”).
No humor, além dos programas de Chico, esteve no “Sai de Baixo”, em “Os Normais”, “A Grande Família”, “A Diarista”, “Sob Nova Direção”, “Faça sua História” e “Zorra Total”.
No teatro, com a peça “Lúcio 80-30”, em homenagem aos 60 anos de carreira, dividiu o palco com os filhos Lúcio Mauro Filho, autor e diretor do espetáculo, e com outros dois filhos, Alexandre Barbalho e Luly Barbalho.
Que Alberto Roberto lhe receba de braços abertos, com aquela redinha que lhe modava a juba, em tempos de pré-botox capilar.
Lucinho (perdão, não sou íntima, mas sempre o fazem chamar pelo diminutivo que expressa o homônimo do pai) noticiou a morte com um testemunho sobre o testamento artístico deixado pelo pai. Eis o que ele diz:
Lucio Mauro teve uma vida linda, uma carreira vitoriosa, 5 filhos, 5 netos, dois casamentos, com Arlete e Lu, duas mulheres fantásticas que se tornaram amigas e mantiveram essa família unida.
Papai foi um pioneiro, saiu do teatro de estudante lá no Pará, foi pro Recife, fez rádio, inaugurou a televisão no Nordeste e de lá, veio para o Rio de Janeiro pra se tornar um dos maiores artistas deste país.
Me influenciou em tudo. O homem que sou, o artista, o pai de família, o amigo. Eu nada seria sem seus ensinamentos.
Tivemos o prazer de trabalhar juntos, na TV, no Teatro, no Cinema e na Publicidade.
Rodamos o Brasil colocando nossas vidas a serviço da arte, em “Lucio 80-30”, quando ele teve a chance de dividir o palco com os filhos.
Não faltou nada.
Há três anos ele sofreu um AVC. Foi forte e resistiu.
Mas já não era a mesma coisa. Preso a uma HomeCare, ele lutou até suas últimas forças. Ainda teve a alegria de conhecer Liz, a neta inesperada que chegou pra promover o ciclo da vida.
Estava internado há quase quatro meses. A esticada foi longa e sofrida. Agora só restava o descanso que ele tanto merece.
Meus agradecimentos á todos os funcionários da Clínica São Vicente, onde papai sempre foi cuidado com carinho e profissionalismo. Á Rede Globo pela parceria e lealdade.
Nós ficamos por aqui, celebrando sua existência e seguindo com seu legado.
Vai com Deus meu velho. Vai se juntar a Chico, Agildo, Silvino, Rogerio, Miele e tantos outros, para juntos fazerem cócegas nas estrelas.
Obrigado por tudo!
Viva Lucio Mauro!
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