Record segue Jovem Pan e dispensa Rodrigo Constantino em razão do caso Ferrer
Dispensado pela Jovem Pan na quarta-feira (4), Rodrigo Constantino foi igualmente retirado do quadro de assinaturas do portal R7 e do canal Record News nesta quinta-feira (5), e dispensado também pelo jornal Correio do Povo e pela Rádio Guaíba.
Mais do que discordar do que ele falou sobre o caso Mariana Ferrer, as empresas devem zelar pela imagem de veículo de comunicação que não relativiza qualquer espécie de violência e segregação, principalmente contra segmentos historicamente fragilizados socialmente, como a mulher e o negro. No mundo atual, que busca corrigir injustiças estruturais, essas moedas nunca valeram tanto para o respeito da audiência e, por consequência, do anunciante.
Em uma conversa ao vivo pela internet, Constantino comentou o caso Mariana Ferrer e disse que se a sua filha fosse estuprada enquanto estivesse alcoolizada, ele a castigaria e não acusaria ninguém de estupro.
“Se minha filha chegar em casa, isola [bate na madeira]… Mas se a minha filha chegar em casa —e eu dou boa educação para que isso não aconteça, mas a gente nunca controla tudo—, se ela chegar em casa um dia dizendo: ‘Pai, fui para uma festinha, ah, fui estuprada’. ‘Me dá as circunstâncias’. ‘Ah, fui para uma festinha, eu e três amigas, tinha 18 homens, nós bebemos muito e eu estava ficando com dois caras, e eu acabei dormindo lá e eu fui abusada’. Ela vai ficar de castigo feio e eu não vou denunciar um cara desses para a polícia. É um comportamento absolutamente condenável. Só que a gente não pode mais falar essas coisas hoje em dia. Que existe mulher decente também ou piranha. Porque eu acabei de falar que o homem que faz uma coisa dessas não é decente, mas não existe também a ideia de mulher decente? As feministas querem que não. Por quê? Porque feminista é tudo recalcada, ressentida e normalmente mocreia, vadia, odeia homem, odeia união estável, casamento… odeia tudo isso.”
Constantino não estava no ar nem pela Record nem pela Pan enquanto proferia tal posicionamento, algo que ele diz ter sido retirado de contexto. Mas a posição foi exatamente esta, e o contexto, no caso, uma ação judicial em que o estupro de vítima vulnerável foi tratado como ação “sem intenção” de cometer crime, só piora o que o referido comentarista disse.
A Pan e a Record entenderam, portanto, que não é possível manter em seus quadros um comentarista que pensa desta forma.
O caso Mariana Ferrer tem despertado revolta nas redes sociais de segmentos diversos, e não apenas de movimentos feministas, em razão das alegações do promotor Tiago Carriço de Oliveira, acolhidas pelo juiz Rudson Marcos, e de cenas de humilhação a que Cláudio Gastão, advogado do réu, André Camargo Aranha, submeteu a vítima.
“Como não foi prevista a modalidade culposa do estupro de vulnerável, o fato é atípico”, escreveu ele em sua argumentação, o que vem sendo chamado de “estupro culposo” desde a publicação do caso pelo site noticioso The Intercept. “Não restou comprovada a consciência do acusado acerca de tal incapacidade, tendo-se, juridicamente, por não comprovado o dolo do acusado no tocante a tal estado psíquico alegado pela ofendida. Pelo que consta no processo, não restou comprovado que o acusado tinha conhecimento da suposta incapacidade da vítima”, definiu o promotor. “A instrução criminal não indicou a presença de dolo na conduta do acusado, não restando configurado o fato típico e antijurídico a ele imputado, qual seja, o delito de estupro de vulnerável.”
Na Globo, a apresentadora Fernanda Gentil, que vem substituindo Fátima Bernardes no comando do Encontro, protestou contra a tese de “estupro culposo”, termo inexistente. Não há estupro que possa ser crime sem intenção de cometer crime.
Eis o posicionamento da Record sobre a saída de Constantino:
“O Grupo Record vem a público informar que dispensou o jornalista Rodrigo Constantino de suas funções no portal R7 e na Record News.
A decisão foi tomada em virtude das posições que o profissional assumiu publicamente sobre violência contra a mulher, em canais que não têm nenhuma vinculação com nossas plataformas.
O jornalismo dos veículos do Grupo Record tem acompanhado com muita atenção o caso de Mariana Ferrer e o Grupo não poderia, neste momento, deixar qualquer dúvida de que justiça não se faz responsabilizando ou acusando aqueles que foram vítimas de um crime.
Apesar de ter garantias de liberdade editorial e de opinião, julgamos que o posicionamento adotado por Constantino não compactuou com o nosso princípio de não aceitar nenhum tipo de agressão, violência, abuso, discriminação por questões de gênero, raça, religião ou condição econômica.
Este é o compromisso do jornalismo do Grupo Record.”
E o posicionamento da Jovem Pan sobre seu ex-colaborador:
“O Grupo Jovem Pan tem como premissa a liberdade de expressão e o amplo debate entre seus comentaristas. Diante do ocorrido nesta quarta-feira, 4, em uma live independente, promovida fora de nossas plataformas, por um de nossos comentaristas, a Jovem Pan esclarece que desaprova veementemente todo o conteúdo publicado nos canais pessoais e apresentado nessa live. Reafirmamos que as opiniões de nossos comentaristas são independentes e necessariamente não representam a opinião do Grupo Jovem Pan. No caso de Mariana Ferrer, defendemos que a vítima não deve ser responsabilizada pelos atos de seu agressor, apesar do respeito que todos nós devemos ter às decisões judiciais. Em consequência do episódio, na tarde desta quarta-feira, Rodrigo Constantino foi desligado de nosso quadro de comentaristas.”