Roteiristas querem ser pagos pelo número de exibições na TV e no streaming
Está no ar o manifesto Palavra de Roteirista, reivindicação por uma remuneração que faça jus a uma parcela, ainda que pequena, para cada exibição de uma mesma obra ao bolso de quem conta todas as histórias que encantam, entretêm, amedrontam, afagam ou até irritam você, nobre leitor, diante de qualquer tela –e hoje são muitas.
Diferentemente dos músicos, que são remunerados por cada execução de suas canções, mesmo quando essas têm apenas uma fração de trecho utilizada –como acontece em uma edição de reportagem, documentário ou comercial–, os roteiristas e atores que trabalham em determinado filme, novela ou série de TV no Brasil são pagos uma única vez pelo trabalho realizado.
Não importa se “Tropa de Elite” foi visto mais de cem vezes na TV e outras 200 em um serviço de streaming, que Bráulio Mantovani, o roteirista, e Wagner Moura, o protagonista, não serão pagos pelo número de exibições do filme, algo capaz de atrair anunciantes e assinantes, gerando lucro ao dono da tela e, no máximo, ao produtor da obra.
Já há casos em que o diretor assina contratos requerendo parte desses rendimentos, especialmente com a expansão do streaming, e de protagonistas e criadores que acumulam o papel de produtor-executivo, garantindo outros meios de remuneração pelo sucesso do produto, mas, em geral, quem escreve a história e atua nela não terá previsão de faturamento sobre suas replicações.
O manifesto aqui apresentado foi elaborado pela Gedar (Gestão de Direito de Autores Roteiristas) – entidade autônoma habilitada pela Secretaria Especial de Cultura para a arrecadação e gestão dos direitos autorais de roteiristas brasileiros do audiovisual, que lançou também uma campanha para a valorização da autoria, do roteiro e do roteirista junto aos streamings, com a participação de grifes como Anna Muylaert, Thelma Guedes, David França Mendes, Di Moretti, Duca Rachid, Fábio Danesi, João Ximenes Braga, Maria Adelaide Amaral, Melanie Dimantas, Paula Richard, Paulo Halm, Ricardo Linhares, Ricardo Hofstetter, Rosane Svartman e LG Bayão, entre outros.
A campanha, que está sendo divulgada em vídeos nas redes sociais dos realizadores e parceiros, traz a visão de diversos profissionais do roteiro sobre a profissão no Brasil e dá voz a esses carpinteiros de script que recebem uma remuneração fixa, mesmo tendo sua obra muitas vezes exibida e reexibida em todo o mundo, gerando lucros incalculáveis apenas para os exibidores.
A briga por essa causa não é nova, mas tomou proporções mais injustas com o advento do streaming. Antes da era das plataformas sob demanda, já se viam casos de grande distorção para autores e atores. Desde que “Escrava Isaura” (1976) abriu as fronteiras das novelas brasileiras para o mundo todo, a Globo propõe a atores, diretores e autores um percentual sobre reprise e exportação da produção.
Mas os modelos de distribuição mudaram muito ao longo dos anos. Houve muitos casos, e não só na Globo, em que um único distribuidor internacional comprou uma obra e a revendeu a outras dezenas de canais, o que resultou no pagamento de percentuais à equipe original referente a apenas uma venda para o exterior, sem considerar as reventas a seguir.
Há ainda o constante desconforto de dramaturgos e elenco com as exibições do Canal Viva, especialmente de produções anteriores a 2011, quando o canal nem existia. Os contratos dessas obras previam reprises, mas uma exibição no Viva não é considerada como tal porque trata-se de outra janela de exibição. Embora o Viva seja do Grupo Globo, a sintonia funciona como um canal independente, com anúncios vendidos à parte, por um custo bem menor do que valeria uma exibição na TV aberta dos Marinhos, é verdade, mas de um canal acessado por meio de assinaturas pagas.
O próprio Marcílio Moraes já manifestou que não recebe um centavo do Viva pela exibição de suas obras no canal, assim como tampouco é pago pela disponibilização de novelas suas no GloboPlay, outro meio que não existia quando o autor foi remunerado por folhetins como “Roda de Fogo” (1986), um dos hits recentes oferecidos pela plataforma de streaming, e “Sonho Meu” (1994).
Há pouco mais de dois anos, Sônia Braga, inconformada por não receber nada do Viva, processou a Globo e perdeu a ação, segundo informou a emissora, que sempre, diante de casos como este, informa que paga a autores e atores todos os direitos cabíveis. A questão é saber o que caberia a esses artistas sobre produções combinadas na era pré-streaming.
“É a partir do roteiro que a máquina audiovisual se movimenta”, diz o manifesto. É com base nele que diretores, produtores, intérpretes, fotógrafos, cenógrafos, figurinistas e demais técnicos erigem o filme, a série, a novela.”