Saída de Mauro Cézar da ESPN reforça novos modelos de negócios no esporte
Após 16 anos de casa, o comentarista Mauro Cézar deu adeus à grife da Disney, certo de que a exclusividade requerida pela contratante não compensaria os ganhos que ele já pode alcançar fora dali, via YouTube. Dono de um canal que cobra assinaturas com diferentes preços dos seguidores interessados em ganhar mais atenção do jornalista, Mauro tem ainda uma coluna no UOL Esportes.
Nesta terça (5), Flávio Ricco, colunista do R7, informou que Globo e Band agora disputam o seu passe. A diferença é que a Band o quer na TV e no rádio, sem exigir que ele abra mão de seu canal no YouTube. Já a Globo teria de oferecer algo que a ESPN não lhe ofereceu, ou abrir também mão de exclusividade, o que criaria um precedente importante para os demais profissionais do grupo.
Contratantes e contratados nunca viveram tantas oportunidades de negociação, ao mesmo tempo em que supersalários e contratos milionários se tornam ainda mais escassos. A Globo encontrou na abertura de publicidade aos seus contratados um meio de continuar a seduzi-los, sem ter de onerar seus cofres, hoje bem mais tímidos, a ponto de abrir mão dos direitos de transmissão da Libertadores, da Fórmula 1 (agora em fase de renegociação) e da renegociação da Copa do Mundo.
A Globo, assim como a ESPN, também enxerga no YouTube um concorrente, e não se dobra aos encantos de seus contratados diante das possibilidades de monetização paralela que agora conseguem abocanhar por meio de views, engajamentos e, no caso de Mauro, até assinaturas.
A redução de cifras de todos os lados está vinculada à fragmentação da distribuição da grana. A publicidade programática, aquela que direciona anúncios de acordo com os algorítimos, levando a cada consumidor aquilo que supostamente ele procura, faz com que o bolo da propaganda já não se concentre apenas em meia-dúzia de veículos. É um modelo que faz chover até na horta do que hoje se trata como “influenciador”, alguém que não necessariamente tem um ofício, mas consegue falar com milhões de pessoas.
No caso de Mauro e de outros nomes do esporte, isso se potencializa pela experiência acumulada no ramo em que eles atuam, especialmente em função da credibilidade conquistada ao longo de bons anos de trabalho e, por que não, com grande ajuda da vitrine que construiu seus nomes -no caso dele, a própria ESPN.
Em seu anúncio sobre a saída do canal, na virada do ano, Mauro explicou que a exclusividade requerida pela ESPN já não compensa as perdas que ele teria, de modo que aceitar algo nesses moldes, atualmente, seria um retrocesso.
Benjamin Back, o Benja, ídolo da FOX Sports, canal que desde 2019 pertence ao mesmo conglomerado Disney, também deixou o grupo há pouco tempo, em razão da mesma exigência de exclusividade, mas então pelo SBT, o que já parece até mais incompreensível do que a competição com o YouTube.
A Disney, afinal, promete para breve um streaming de esportes, o Star+, que abrigará conteúdos de seus canais de esportes. A ESPN nega que vá extinguir o FOX Sports, mas o acordo feito com o Cade impõe que a Disney mantenha o canal ativo ao menos até 31 de dezembro deste ano. Depois desta data, tudo pode acontecer, lembrando que a FOX vinha operando no vermelho e pagava salários até três vezes maiores do que os vencimentos das estrelas da ESPN.
Também se espera que a Disney não junte os talentos dos dois canais na mesma panela, como se esporte fosse uma coisa só, mas essa misturinha já vem se desenhando desde a junção. É uma pena.
A ESPN no Brasil tem um DNA muito particular, construído por José Trajano, Juca Kfouri e uns poucos mais. É um canal que, com perdão pelo trocadilho, não joga para a torcida, fazendo-se notar pela capacidade crítica que falta à maioria dos profissionais da área, especialmente na TV, mais ocupados em bajular os ídolos do esporte do que em lhe cobrar resultados e responsabilidades.
A ESPN, enfim, passa longe da profundidade de pires que acomete boa parte das mesas redondas de outros canais e é isso que se espera da imagem construída pelo canal.
Ao TelePadi, por meio de sua assessoria de comunicação, a ESPN informou que gostaria de ter mantido Mauro em seu quadro de talentos, mas não criará uma exceção à regra da casa.
É preciso que cada um calcule, no entanto, quanto vale o seu passe para aceitar ou não esses termos.
O canal informa ainda que a cláusula de exclusividade contratual tem sido determinante para a renovação de contratos em fase de encerramento. A empresa norte americana entende que o profissional que quiser permanecer no grupo terá de se adequar ao modelo de contrato multimídia que também é adotado pela ESPN nos Estados Unidos e nos mais de 60 países em que a marca possui operação no mundo.
No Brasil, a Globo também adota a prática para seus profissionais do jornalismo, que não podem atuar em veículos concorrentes na TV, sites, veículos impressos ou canais no Youtube.
As exigências dos grandes grupos de mídia aí estão, como sempre estiveram, mas ganham alguma flexibilidade na mesma medida em que os profissionais, hoje, já não precisam aceitar imposições muito rígidas, sob a pena de ficarem no dito olho da rua. As possibilidades de escolha, de modo geral, se ampliam, que bom.