Por Cristina Padiglione | Saiba mais
Cristina Padiglione, ou Padi, é paga para ver TV desde 1990, da Folha da Tarde ao Estadão, passando por Jornal da Tarde e Folha de S.Paulo

Série feita para o Instagram exibe inventividade em dias de exceção

Tom Karabahian é Pietro, um dos 12 personagens em cena: tudo filmado na vertical. Foto: Ale Catan/Divulgação

Preste atenção nesse título: “No Fim Eu Tava Sozinha”. São 12 episódios de uma série totalmente criada, elaborada e produzida para o Instagram, sob todas as restrições impostas pelo isolamento social do momento. Estreia nesta terça-feira, 11 de agosto, às 21h, com exibições diárias a partir desta data e horário, no perfil criado no Instagram para a produção, @nofimeutavasozinha.

Em cena, 12 personagens se revezam solitariamente, cada um na sua casa, em tom de uma comédia, sim, mas com um enredo que não estará datado pela atual pandemia, como outras propostas de dramaturgia encenadas nesses últimos meses. Aqui, o contexto é o de fim de mundo que se aproxima, e um dos episódios se encarregará de coletar algumas sensações que o planeta já atravessou e tem atravessado de esgotamento em sua história.

É bem possível, e até compreensível, que ao ouvir falar de uma série feita para o Instagram, toda filmada por celular e no sentido vertical, você espere encontrar uma produção empírica, intuitiva e pouco identificada com conceitos profissionais. Não se engane. Só quem não consegue se ver fora da caixinha poderia tropeçar em tal equívoco, e sorte de quem foge da curva nesse mundo em que se impõe o tal do novo normal.

Não é à toa que uma proposta como esta chegue ao ar pelas mãos de um time tão jovem. Ali estão roteiristas, diretores, músicos e produtores (alguns conjugando todas essas habilidades e todos com formação profissional relacionada a elas), todos inquietos e inconformados com a ideia de que isolamento social signifique paralisia criativa e ativa.

Em uma reunião no Zoom, tive o prazer de conversar longamente com elenco e equipe sobre toda a concepção da produção, que inclui até uma especialista em marketing e conhece planejamentos específicos para contemplar os algorítimos do Instagram.

Daí a certeza de que a produção não é apenas profissional, mas muito bem embasada em critérios técnicos e criativos, com o bônus de ser  uma realização artesanal, já que foi capaz de abraçar na obra coletiva a sensibilidade e alguma criação individual de cada um, do elenco à ficha técnica.

Thainá Duarte, que faz parte do elenco da série “Aruanas”, produção da Maria Farinha Filmes para a Globo, enumera as diferenças entre trabalhar com toda a estrutura de uma grande equipe e filmar a si mesmo, com direção remota, uma nova experiência para todos. A atriz, assim como Bernardo Bibancos, um dos atores e roteiristas de “No Fim Eu Tava Sozinha”, esteve ainda na ótima minissérie “Se eu Fechar os Olhos Agora”, adaptação de Ricardo Linhares sobre o livro de Edney Silvestre, obra também disponível no GloboPlay.

@NoFimEuTavaSozinha tem episódios de dois a cinco minutos cada que tiveram como premissa a meta de reter a atenção do espectador nos primeiros segundos. Luz, figurino, enquadramento, áudio, tudo isso foi monitorado a distância pelas diretoras.

A lista de ocupações de cada um denuncia o profissionalismo da coisa, e desculpe martelar tanto nessa tecla, mas fiquei de fato impressionada com o resultado.

Camila Carneiro assina a ideia original, direção e roteiro, que se divide entre vários nomes.
Gabriella Potye também faz direção, direção de arte e roteiro.
Angelo Ricca é o produtor.
Bernardo Bibancos assina roteiro e direção musical.
Pedro Meirelles integra as mãos do roteiro e atua como produtor assistente.
Amanda Antonon fez a direção criativa e cuidou da estratégia de conteúdo.
João Falsztyn assina a trilha sonora.
Lucas kosinski faz a montagem.
Isabella Potye cuidou do motion design.
Guilherme Delamuta trabalhou a finalização de imagem e som.

Vários nomes da ficha técnica são também elenco, que nominamos a seguir, com o personagem de cada um:

Leyllah Diva Black é Tina Jackson
Gabriella Potye  é Dagmar
Bernardo Bibancos é Mário
Camila Carneiro é Sara Gabriela
Pedro Meirelles é Lucas
Juliano Veríssimo é Jorge
Camila Lemes é Renata
Barroso é José
Thainá Duarte é Adriana Bacana
Leona Jhovs é Lilith
Tom Karabachian é Pietro
Julianna Gerais é Helena

“A premissa da série é que a gente queria falar de sensação de solidão, mas não queria que fosse no momento presente, a agente queria mais sobre o que está dentro de casa do que sobre o que está fora, até porque é uma comédia e seria muito problemático fazer comédia com o que está acontecendo, 100 mil mortos, situação de pandemia, desgoverno, com a política talvez mais escalabrosa da historia desse pais.”
Então a gente pegou essa quarentena e pôs num futuro, aliás, é um dado engraçado, é muito louco como estão produzindo materiais ficcionais sobre distopia e o quanto elas estão fazendo sucesso. Acho que tem muito a ver com a nossa incapacidade de enxergar um mundo melhor. A gente está produzindo cada vez mais obras ficcionais sobre um mundo pior e o quanto ele vai piorando, ‘Black Mirror’, ‘Handmaid’s Tail’, ‘Boca Boca’, todas tratam de futuros tenebrosos, caóticos”.

Bernardo Bibancos

“Qual a esperança que a gente está construindo? É obrigação da arte mostrar alguma esperança. A gente traz um futuro, mesmo com cenário que dá medo, a gente ainda consegue rir, a gente está falando do humano e até onde ele vai.”

Thainá Duarte 

“Mal eu sabia que ia ficar um mês inteiro se encontrando por isso [Zoom] em reuniões de uma hora, duas horas, cinco horas, o dia todo, e todo mundo tinha que ler, tinha que ver o que estava acontecendo. Enquanto a gente estava fazendo a nossa série, começou uma enxurrada de gente fazendo outras coisas no próprio Instagram, de uma forma muito diferente da nossa. Então, a gente queria entender por onde a gente ia. Foi um trabalho muito desgastante e muito incrível. A gente teve que escrever baseado no algorítimo de um aplicativo.”

Pedro Meirelles

“Sou atriz, sou uma mulher trans, multiativista, e tive o convite genuíno pra participar do roteiro porque eles identificaram a importância da representatividade. Eu, em particular, sou uma artista que não tenho condição de entrar num trabalho sem que tenha uma consciência política. Antes de ser uma atriz, quando meu corpo entra em cena, eu sou uma mulher trans, sou uma travesti, e trouxe todas as problemáticas a eles. Esse isolamento, pra pessoas trans e travestis como eu, sempre aconteceu. Eu trouxe informações sobre a solidão do corpo trans e acabei aceitando ser a narradora. E é muito poderoso esse trabalho ser dirigido por duas mulheres, temos pessoas pretas, temos um artista que traz a linguagem da drag queen.”

Leona Jhovs 

 

Confira abaixo a minha conversa com o time quase completo.

 

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