Sherman cultivou o humor sexista, mas também descobriu muita gente boa
Afastado da TV há pelo menos cinco anos, Maurício Sherman foi celebrado nesta quinta-feira (17) como se estivesse na ativa, por muita gente.
Roteiristas e atores se apressaram em agradecê-lo pelo espaço dado na televisão. Diretor de programas que até hoje servem de referencial para o humor, como “Faça Humor, Não Faça Guerra”, “Chico City” e o próprio “Zorra Total”, um apanhado de tudo o que foi feito no passado, Sherman abasteceu com louvor aquele humor sexista e misógino que perdeu espaço na TV e, em especial, na Globo.
Como eu disse em análise feita para a Folha, não vai aí nenhum julgamento, até porque as mudanças em andamento para adaptar o riso às premissas de um mundo menos machista estão calçadas nos referenciais que vieram antes. Na essência, Sherman deixa uma obra de grandes alicerces.
Importante dizer ainda que ele não era apenas o sujeito certo no lugar certo, tendo lançado “por acidente” alguns dos talentos que vieram para ficar e que hoje inclusive ajudam a operar as transformações necessárias de um mundo que se pretende mais justo e menos preconceituoso.
Era habitué de peças de teatro de circuitos alternativos, gostava de trazer para a equipe de roteiristas sujeitos simplesmente engraçados, inclusive de classes sociais e formação nada soberana, para alcançar a massa que a televisão atinge.
Xuxa escreveu textão no Instagram, lamentando que ele não tivesse recebido em vida a celebração que merecia. Foi ele quem lhe abriu portas na Manchete, em 1983.
Rosana Hermann, roteirista de humor de mão cheia e crédito presente em alguns dos programa mais ousados do riso inovador da TV, testemunhou na mesma linha.
Fábio Porchat estreou como roteirista na TV pelas mãos de Sherman, que foi vê-lo em um teatro sem visibilidade, ao lado de Paulo Gustavo, anos e anos atrás.
Fabiana Karla, conhecida figura do antigo “Zorra Total”, nem foi trabalhar em razão do luto.
Diretores de TV em geral não têm toda essa disposição. São muito dependentes dos agentes que lhes trazem currículos e books de pretensos talentos, e nisso Sherman deve ser imitado também: não se contentava com o que lhe despachavam na mesa, não se portava como burocrata.
Hoje, os diretores de TV se ocupam demais dos possíveis fenômenos de redes sociais, conferindo quem tem o maior número de clicks, gente que já chega à TV com potencial de trazer sua plateia virtual. O risco é que em breve tenhamos um elenco pouco heterogêneo, como se a TV fosse um grande Big Brother em que os talentos se resumem à faixa “I wanna be famous”.