Silvio Santos mantém bajulação da velha ‘Semana do Presidente’ e auditório obedece
Silvio Santos sempre foi muito gentil com os presidentes da República em exercício. Parece ser o único dono de TV no Brasil que teme a perda da concessão, privilégio que ele recebeu do governo de João Baptista Figueiredo, em 1980, graças à simpatia que a primeira-dama, dona Dulce, nutria pelo animador.
Mas, enquanto outros donos de TV usam seus holofotes para impor autoridade e botar medo no poder executivo e legislativo, Silvio prefere adular os que lá estão sentados.
A presença de Michel Temer no “Programa Silvio Santos” deste domingo, no SBT, para explicar a Reforma da Previdência, remeteu o público aos mais de 20 anos em que o patrão abria espaço no seu nobre horário de domingo para apresentar a bajuladora “Semana do Presidente”. Toda semana, o quadro, narrado pela tradicional voz de Lombardi (locutor oficial do programa até 2009, quando morreu), dava cabo das benfeitorias do chefe da nação. Todo gesto era ali visto como boa ação, mesmo quando o presidente mandava confiscar a poupança dos brasileiros. Tudo acontecia pelo bem da nação. Isso durou até o primeiro governo de Fernando Henrique.
O recado dado por Temer seguiu exatamente essa linha. O presidente não botou na mesa todos os pontos que têm contrariado muita gente, longe disso. Repetiu a ladainha de que o benefício terá de ser reduzido, caso uma mudança não seja feita agora. Não mencionou privilégios dados a magistrados, filhas de militares que não se casam e os próprios políticos, nada disso, deixou a conta a cargo do cidadão comum, aquele que mais rala para pagar pelo INSS e normalmente vê o programa do Silvio.
Mas não vamos aqui nos ater ao discurso, que sobre o conteúdo, deixo a palavra com Josias de Souza, preciso na análise sobre a cena toda e seu brilhante desfecho: o vício de apoio tanto persegue Temer, que ele se despediu do patrão dando-lhe uma nota de 50 Reais.
Tudo isso à parte, é impressionante a capacidade de Silvio Santos em dar um recado à massa. Com toda a cartilha que Temer tem decorado na longa campanha por essa reforma, foi o anfitrião da ocasião quem melhor soube traduzir para o público a mensagem que o presidente gostaria de passar, sobre os riscos que os cofres públicos correm, caso nada seja feito agora. Enquanto o presidente fala que vamos virar a Grécia, Silvio usa como exemplo um aposentado que ganha hoje 1 mil Reais e poderá vir a ganhar só 600 Reais. Explica que há mais gente envelhecendo e menos gente nascendo, para pagar a conta dos mais velhos. E por aí vai. Mestre em comunicação, o homem. Foi uma aula (na forma, bem entendido, não no conteúdo, que mais deformou do que informou a opinião pública).
Por fim, convém notar que Silvio é tão subserviente aos presidentes quanto suas colegas de trabalho o são naquele auditório. As mulheres que lá comparecem (o auditório do Silvio é exclusivamente feminino) respeitam sobretudo o dono da casa e seu ajudante de auditório, claque humana que puxa as reações da plateia, pedindo aplausos ao convidado Temer. Não importa se ali não há uma só representante dos 3% que consideram seu governo bom: elas batem palmas para o entrevistado, como lhes foi pedido.
A recepção a Temer passou longe da gritaria que seria provocada no local por um Luan Santana, mas ninguém foi descortês com o convidado do patrão.
Levados por sistemas chamados de “caravanas”, os espectadores que lotam esses auditórios de TV são sempre muito obedientes a quem os leva até lá (os caravanistas, organizadores dessas excursões) e às ordens dadas diante do palco. Quem sair da linha pode ter seu passe vetado para a auditoriolândia em futuras excursões, inclusive a outros programas da casa ou de outros canais.