‘Sob Pressão’ não faz concessões ao tal ‘gosto médio’ da audiência e marca posição na TV aberta
Não aguenta ver sangue? Mude de canal.
“Sob pressão”, a série que a Globo colocou no ar nesta terça, não só joga holofotes sobre o bisturi, como dá close no corte e no fio de sangue que vaza. É provavelmente bem menos sangue do que uma cena real de cirurgia, mas já é alguma coisa. Até bem pouco tempo atrás, as raras séries brasileiras dedicadas ao ambiente hospitalar mal disfarçavam o ketchup que, quando muito, borrava os uniformes dos médicos-personagens. Aqui, Dr. Evandro, o profissional de jaleco vivido por Júlio Andrade, tem a tensão de um profissional que vive sob efeito de calmantes, muitos calmantes.
No dia a dia de um pronto socorro brasileiro onde falta tudo, sobra uma pitada de Dr. House ao nosso herói. Sem alternativas para realizar uma drenagem, ele manda buscar no jardim um pedaço da mangueira de água. Um telefone celular é usado para iluminar a cavidade abdominal de uma criança que, sem saber, engoliu “bala com papel”, só que não: o garoto, que chegara lá com a tal bala entalada na garganta, na verdade havia ingerido cocaína embalada para ser transportada pelo tráfico em “mulas” (pessoas que se sujeitam a viajar com aquilo no estômago).
Drª Carolina, na voz de Marjorie Estiano, uma fofa com quem dificilmente temos o prazer de cruzar, mesmo nos hospitais mais abastados, seguiu o simples propósito de impedir o sufocamento do garoto e fez com que ele engolisse a “bala”. Quando se dá conta de que aquilo pode não ser uma bala qualquer, alertada pelo colega Evandro, leva o garoto à mesa de cirurgia, abre seu abdômen e é então que um outro colega empresta o celular “novo” (que ele acabou de retirar na troca de pontos do plano de fidelidade*), para ser inserido na cavidade onde buscam retirar as embalagens de pó, sem furá-las. Em meio a toda a tensão sobre o salvamento ou não da criança, celular dentro de um saquinho inserido na cavidade aberta no pequeno paciente, o aparelho toca “Melô do Piripiri”, com Gretchen gemendo “oh, mon amour”.
Entre assustados e aliviados pelo ridículo da situação, os médicos se permitem um suspiro. E você, do sofá, consegue respirar e gritar, incrédulo: “Nããão!”.
(*) Detalhes como esse do telefone trocado por pontos de fidelidade parecem ser algo completamente desnecessário para a finalidade da cena, mas faz parte do rico acervo de minúcias que a vida real a todo momento coloca nos nossos diálogos de verdade e que a ficção brasileira mal sabe usar a seu favor. “Sob pressão” faz excelente uso dos ditos detalhes que só aparentam ser inúteis e no fundo são puro combustível para a cena funcionar com realismo, permitindo que a gente respire, em algum momento de uma longa sequência hard.
Some a isso o acerto na escalação dessa equipe médica, dos protagonistas, fisicamente frágeis, tão fortes em suas ações, aos coadjuvantes: o doutor que recebe ligações da namorada com hit da Gretchen é interpretado por Orã Figueiredo, normalmente visto em programas humorísticos, o que só garante o respiro do público.
O espectador que de fato tem aversão a sangue e bisturis rasgando a pele e quer fugir dali só precisa ser rápido no controle remoto. O enredo envolve o sujeito da poltrona nos primeiros segundos e logo vence sua resistência a todo o resto. Há boas histórias nas ações de pacientes e médicos, e histórias bem contadas.
Terça que vem tem mais.
Bem que poderiam fazer uma espécie de “Carga Pesada” ou “Plantão de Polícia” dos velhos tempos, com aquele ritmo seriado que toma pelo menos uns dois anos inteiros da programação. Mas já não fazem mais temporadas tão longas como antigamente, até pela complexidade de produção adquirida pelas séries de hoje.
A direção é de Andrucha Waddington e Mini kerti, com adaptação feita por Jorge Furtado a partir do livro “Sob Pressão – A Rotina de Guerra de um Médico Brasileiro”, do médico Márcio Maranhão, com relatos reais. Furtado assina o texto com Márcio Alemão, Antonio Prata e Lucas Paraízo, um time e tanto.