Universo ficcional de ‘Game of Thrones’ é debatido como se fosse novela ou vida real
No elevador de edifício repleto de consultórios na Avenida Angélica, São Paulo, tarde de segunda-feira, dia seguinte à exibição (oficial, e não vazada) do 6º episódio da 7ª temporada de “Game of Thrones”, uma senhora e uma jovem, vestidas em trajes muito modestos, conversam:
_ O Paulo diz que esse episódio de “Game of Thrones” de ontem foi o que ele menos gostou – diz a mais velha.
_ Eu também não gostei – responde a jovem.
_ Porque ele falou: “Onde já se viu matarem um dragão com toda essa facilidade?
_ Isso é. Dragão tem pele grossa. Uma lança não fura assim o bicho. Morreu muito fácil.
_ E ele também falou que nunca viu um passarinho (na verdade, corvo) levar uma mensagem tão rápido de um lado para o outro, a uma distância daquelas, e um dragão voar tão rápido de lá para cá.
Na hora, lembrei-me do Manoel Carlos, autor de novela que, como os demais representantes do gênero, está bem habituado a ouvir do público a cantilena do “até parece que”.
A jornalista Patrícia Villalba, certa vez, fez uma bela crônica com esse tema, na coluna “Quanto Drama”, publicada no saudoso caderno de TV do Estadão. A prática consiste exatamente nisso: alguém se senta diante da TV e começa a contestar os recursos da história, do tipo: “até parece que alguém sobe no apartamento de um edifício desses sem ser anunciado pelo porteiro!”. Ou “até parece que ele ia acreditar na sogra megera antes de conversar com a mulher dele”.
Pois o Maneco, expert em escrever tramas contemporâneas realistas, sempre naquele dourado universo do Leblon, disse-me uma vez: “as pessoas cobram da obra de ficção uma verossimilhança que não existe na vida real: algumas coisas que acontecem na vida real são impensáveis, inacreditáveis, mas, como é vida real, ninguém contesta, apenas aceita.”
O que espanta, no caso desse diálogo, é a força da obra em questão. Achar que o corvo voou muito rápido para um lado e um dragão, muito veloz para o outro, é simplesmente acreditar em corvos mensageiros e dragões assustadores. É tentar dar a elementos absolutamente ficcionais alguma verossimilhança.
Como saber qual a espessura da pele de um dragão? Quantas vezes na vida tivemos contato com uma espécie semelhante? Ok, estamos vendo a imagem de uma carcaça aparentemente dura, grossa. Há dois episódios, quando o vivíssimo Bronn (Jerome Flinn) tentou alvejar um dos dragões e mamys Daenerys, em favor do massacrado exército de Jaime Lannister, nada conseguiu. E vem agora o morto vivo, Rei da Noite, com uma só lança, acertar o bichinho em cheio. Ninguém gostou, claro.
Essa tentativa de prever o que é possível ou não em um universo de mentirinha chega a ser divertida, mas faz sentido. O que o público cobra é a lógica da coisa, muito mais que o realismo. Harry Potter, por exemplo, não é real, tem poderes extra-humanos, voa em vassoura e que tais, mas tudo no enredo de J.K.Rowling tem lógica, tudo se encaixa.
“GoT”, até aqui, também arrebata multidões para muito além das caras assinaturas da HBO, com um enredo bastante lógico. E não é a espessura da pele do dragão nem a velocidade do corvo que vão azedar minha crença na saga de George R.R. Martin.
Que venha o sétimo e último episódio desta quase derradeira temporada pela HBO. Até 2019, o sofrimento da espera pelo desfecho será um martírio, e dará à plateia tempo de sobra para especular sobre todo tipo de “até parece que”.