Vem aí ‘ A Culpa é da Carlota’: foi-se o tempo em que mulher engraçada era só uma ‘louca’
O canal Comedy Central, que neste sábado (28) realiza o seu primeiro festival de comédia com um grande elenco de humoristas, põe à prova no palco do evento uma de suas novas atrações, ainda sem data de estreia: o quinteto feminino “A Culpa é da Carlota”, uma versão Luluzinha de “A Culpa é do Cabral”. O time é formado por Cris Wersom, de São Paulo, Arianna Nutt, de Alagoas, Bruna Louise, do Paraná, Carol Zoccoli, do Mato Grosso, e Dadá Coelho, do Piauí.
Assim como os meninos, elas se encarregam de fazer o próprio texto, dando ao humor feito por mulheres uma chance a mais no potencial de gerar identidade em uma plateia acostumada a ver, desde cedo, os garotos como engraçados e as garotas como “loucas”.
Meninos que desde cedo descobriam-se bons contadores de piadas eram tratados como os divertidos da turma, num adjetivo leve e atraente, mas as meninas sempre estiveram tradicionalmente longe dessa condição, primeiro porque nem todos os temas eram “adequados” ao repertório feminino, e, segundo, porque o tom do escracho tampouco era bem visto em uma representante de Eva.
Aqui e ali, uma nova geração vem rompendo esse conceito, como vimos nos trabalhos de Ingrid Guimarães e Tatá Werneck, por exemplo, mas “A Culpa é da Carlota” nos faz lembrar que, diferentemente de “Os Trapalhões” e “Casseta e Planeta”, nunca houve um programa 100% protagonizado por mulheres. Até houve, em curta temporada, uma tentativa anterior. Eram “As Garotas do Programa”, feito pelo pessoal do Grelo Falante, com supervisão do Casseta & Planeta na Globo, mas durou pouco e faltou insistência no formato, como acontece nos programas masculinos.
Em cena, as meninas da “Culpa é da Carlota” fazem piadas de sexo, e não do sexo atrelado ao compromisso do matrimônio, como sempre se esperou da mulher, mas não do homem. Afinal, mulher também curte sexo sem compromisso, ué. Foi-se o tempo em que piada sobre o assunto era logo vista como desespero para casar. Xô, rótulos de quem quer que a gente vista rosa.
“Quando eu era adolescente, sempre tive muito amigo homem e eles me justificavam para as outras pessoas como ‘ah, ela faz teatro’, tentavam sempre me justificar porque eu não era normal, e não precisava falar isso”, lembra Bruna.
Arianna endossa, com o agravante de ser nordestina: “Eu sempre gostei de brincar com os meninos e meu pai morria de medo que eu fosse gay. Quando eu cresci e fiz tatuagem, minha mãe falava que tatuagem é coisa de sapatão. Meus pais vivem em 1920. Hoje sou humorista e pra minha mãe, isso não é um trabalho. É um lazer que já já passa e eu volto a ser normal.”
Do Piauí, Dadá completa: “Nordestina é pior. Mulher e nordestina precisa provar tudo em dobro”. “O machismo é o medo do homem da mulher sem medo, é isso que a gente está querendo discutir, a gente não tem medo mesmo”, completa ela, que não poupa nem seu companheiro, Paulo Betti, de suas piadas.
E, sendo mulheres, podem até fazer piadas que soariam “machistas” na boca dos homens, como reivindicar ter o seu Haggen Daas na geladeira sem ter de pagar por ele, com sustento do parceiro. “As coisas hoje são menos binárias, cada uma aqui traz sua história, cada uma traz a sua persona, nós já passamos por tanta coisa, é claro que eu posso fazer uma piada pedindo que alguém me dê um conforto, sem que isso pareça machismo”, defende Cris, uma espécie de âncora do quinteto.
O que não cabe no repertório, nem para meninos nem para meninas, são piadas sem graça, dizem elas. “É preciso ver em que condição está alguém que vira chacota: A pessoa pode se defender? É minoria? Essas são as perguntas que a gente se faz”, diz Arianne.
“Eu não vou mais fazer piada de ‘crioula’, por exemplo, porque não é meu lugar de fala e se mulher, negra, é enfrentar muitas dificuldades que a gente não conhece”, diz Dadá.
Bruna também conta ter revisitado piadas que não mais faria, sem enxerga onde estava a graça de um repertório criado nem faz tanto tempo assim.
“A Culpa é da Carlota” é uma coprodução da Formata Produções. Inspirado no nome de Carlota Joaquina, mulher do rei D. João 6º, a nova série do Comedy Central tem 13 episódios nesta primeira temporada, com uma hora de duração cada, e aproveita as origens distintas deas integrantes do elenco para abordar particularidades regionais do Brasil, seus problemas, costumes e características.
O cenário é mais colorido que “A Culpa é do Cabral” e o programa soma 40 quadros, com jogos e interação com a plateia.
As gravações aconteceram no Teatro Gazeta, em São Paulo.