Por Cristina Padiglione | Saiba mais
Cristina Padiglione, ou Padi, é paga para ver TV desde 1990, da Folha da Tarde ao Estadão, passando por Jornal da Tarde e Folha de S.Paulo

‘Grande Sertão’ transportado para favela leva Guimarães Rosa ao rap

Guelo Arraes e Jorge Furtado no Roda Viva / Reprodução TV Cultura

Parceiros de telas e palcos há pelo menos 30 anos, Jorge Furtado e Guel Arraes começam a filmar dentro de um mês a versão de “Grande Sertão: Veredas” para o cinema, como relataram durante a entrevista dada nesta segunda-feira (20) ao Roda Viva, da TV Cultura. O enredo de Guimarães Rosa será transposto para o contexto da guerra urbana centrada nas favelas, por meio de uma comunidade batizada justamente como Grande Sertão.

Furtado e Arraes estiveram no programa da Cultura para falar de “O Debate”, livro que simula um suposto debate entre Lula e Jair Bolsonaro às vésperas de um hipotético segundo turno em outubro de 2022. Mas já adiantaram mais detalhes sobre “Grande Sertão”, que deveria ter sido filmado no ano passado, mas o set foi adiado pela pandemia.

Segundo Arraes, os dois sempre pensaram em tratar da violência urbana por um ponto de vista múltiplo, incluindo até o olhar do bandido. “O ‘Cidade de Deus’ é o ponto de vista da favela. O ‘Tropa de Elite’ tem o ponto de vista da polícia. A gente queria uma história que tivesse também o ponto de vista do bandido, mas é difícil pensar nisso de uma forma que não pareça estar defendendo o bandido”, disse o pernambucano.

Ao mesmo tempo, os dois pensam há muito tempo em adaptar “Grande Sertão” para as telas, e um projeto casou com o outro quando Heitor Dália lhes apresentou a oportunidade de levar o livro de Guimarães Rosa aos cinemas. “O Heitor tinha possibilidade de ter os direitos do livro e nos ofereceu”, relatou Arraes.

“O ‘Grande Sertão: Veredas’ é, na opinião de muita gente, e na minha também, o maior livro já escrito na língua portuguesa”, disse Furtado. “A sabedoria daquele livro não termina. Quem consegue ultrapassar o início e mergulhar na linguagem daquele livro nunca mais se livra dele”, avisou, torcendo para que o filme leve muita gente a devorar a obra.

A tarefa mais árdua dessa transposição é preservar a poética e a linguagem de Guimarães Rosa, “que é  absolutamebnte encantadora”, afirmou Arraes. A favela do filme não será uma comunidade realista, antecipou.

Embora o enredo parta da percepção de que “a perifeira é descoberta como verdadeiro centro”, a comunidade não é uma periferia realista, “a ideia era criar um universo onde coubesse essa prosódia de tom operístico do Guimarães”, disse Arraes.

“É uma favela quase distópica, gigantesca, cercada por um grande muro, que parte do real, mas desrealizam”, explica, “para que caiba essa linguagem no filme e pra que essa guerra urbana seja vista como uma Ilíada”, completa.

“E a gente então pensou em tratar a guerra urbana, que de certa forma o Guimarães fez com os jagunços, mas que são bem mais cangaceiros do que jagunços, e fez em vez de um tratamento sociolócigo, um ensaio político, ele fez um drama épico, que é de certa maneira da violência brasileira, do país que é considerado cordial, que a gente sabe que não é”, afirmou Arraes. “Ele fez isso transcendendo: em vez de dizer que é uma guerra rasteira, de pés de chinelo, ela é equivalente a uma guerra de Troia, uma guerra Civil Americana.”

Para Furtado, a linguagem das comunidades já rege a palavra da adaptação. “De tanto ler, sei muitos pedaços de cor, é um negócio que vai entranhando aquele poema na tua cabeça, mas na hora de pesquisar e escrever, eu e Guel visitamos muito sites sobre crimes, facções, e principalmente os comentários que as pessoas faziam, as frases, elas parecem Guimarães mesmo”, comenta o gaúcho. “É impressionante como a língua não para de ser reinventada, a gente misturou algumas coisas bem atuais, eu mesmo não sei mais o que é Guimarães e o que não é”,  avisa.

Os dois acabaram não falando sobre o elenco, mas sabe-se que Luísa Arraes, filha de Guel, e Caio Blat, marido dela, fariam Diadorim e Riobaldo, papéis que foram de Bruna Lombardi e Tony Ramos na minissérie exibida pela Globo nos anos 1980, com direção de Walter Avancini e adaptação de Walter George Durst. Rodrigo Lombardi, que recentemente gravou a minissérie “O Anjo de Hamburgo”, interpretando o próprio Guimarães Rosa, será Joca Ramiro, uma espécie de líder justiceiro da comunidade, que chefiava os jagunços no romance original.

 

 

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Cristina Padiglione

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