Por Cristina Padiglione | Saiba mais
Cristina Padiglione, ou Padi, é paga para ver TV desde 1990, da Folha da Tarde ao Estadão, passando por Jornal da Tarde e Folha de S.Paulo

Vivemos para ver a Banheira do Gugu no Jornal Nacional

Rede social que ocupa a tela com comentários em tempo real, o Twitter se movimentou, como era esperado, com a notícia sobre a morte de Gugu Liberato na noite desta sexta-feira (22). Menos de um mês atrás, o próprio apresentador desmentiu um boato sobre sua morte, lamentando que notícias como esta pudessem abalar sua mãe, dona Maria do Céu, que tem 90 anos e mora em Portugal.

Ao longo de todo o dia de ontem, as redações receberam informações não muito desencontradas sobre a morte cerebral do apresentador. Como acontece nessas ocasiões, muita gente de fora das redações recorre a jornalistas conhecidos para perguntar se aquilo seria mesmo verdade ou fake news.

Ao noticiar o fato, o Jornal Nacional acabou com a dúvida. Ainda vale aquela máxima defendida pela Globo, que diz que por mais informações que um sujeito receba ao longo do dia, ele só saberá de fato o que é relevante e verdadeiro quando ouvir o relato do JN. O Twitter respondeu prontamente à comoção de William Bonner na maneira de relatar o fato.

Houve espanto pelo respeito com que o apresentador foi tratado pela Globo, que ainda guarda resquícios de um longo período em que fingia ignorar profissionais da concorrência. Além de esse pudor em falar de outras emissoras ser uma tendência em franca queda nos últimos cinco anos, a Globo, como foi dito na edição do JN, chegou a contratar Gugu em 1987, acordo logo desfeito por Silvio Santos. E chegou a colocar Gugu em cena na sua tela em mais de uma ocasião: quando realizou especiais em tributo aos 50 anos da TV, no ano 2000, e quando Gugu protagonizou, com Fausto Silva, seu grande concorrente aos domingos, uma campanha da Nestlè.

A Globo só não se curvaria ao histórico do apresentador se fosse para fazer picuinha à Record, atual contratante de Gugu, que se comporta não como adversária da Globo, mas como inimiga mesmo. Se a rixa empresarial tomasse volume maior que a meritocracia de Gugu, no entanto, a Globo só estaria expondo uma faceta mesquinha que nem lhe cai bem.

A edição do JN, podem reparar, é toda recheada de imagens e referências do SBT, assunto que ocupa 95% da matéria. É como se Gugu nunca tivesse saído de lá. Em menos de um minuto, o texto informa que ele se mudou para a Record em 2009, onde apresentava reality shows. Foi uma menção curtíssima e rasa.

A amiga Alline Dauroiz, companheira dos bons tempos de Estadão, fez o melhor comentário sobre a edição da Globo: “E dizer que eu vivi pra ver a Banheira do Gugu no Jornal Nacional”. Perfeito. Essa é a imagem que define toda a dimensão do apresentador, um comunicador de mão cheia, ícone daqueles anos 1990 conduzidos como um carro alegórico desgovernado. Na década que sucedeu o fim da censura do governo federal, muitas foram as ideias que hoje soam absurdas testadas, com êxito, na televisão aberta, e Gugu fez bom uso da sua imaginação para divertir a plateia.

O apresentador, convém reconhecer, tem o mérito de tornar palatável o que parecia tão freak.

Na TV, todo obituário vira homenagem, e não houve quem ousasse se lembrar da grande mácula de sua carreira: a falsa entrevista com o PCC, onde dois encapuzados, um figurante e um produtor do SBT, se faziam passar por membros da facção, proferindo ameaças de morte contra apresentadores de outras emissoras.

A grande lacuna desse episódio, de novo, é o próprio SBT, dono do acervo mais rico de imagens e conteúdo do apresentador, que sequer teve coragem de saltar a reprise de uma novela (“Cúmplices de Um Resgate”) para exibir prontamente o seu tributo. Globo, Band e Record imediatamente levaram ao ar uma edição sobre Gugu. A RedeTV! foi além, explorando o assunto por mais de uma hora, como se nada mais importasse na programação antes prevista para o horário.

Enquanto isso, o SBT anunciava para “domingo”, veja bem, dentro de dois dias, uma homenagem a Gugu, resumindo seu tributo momentâneo a uma vinheta.

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