‘O Auto da Compadecida 2’ bate 3 milhões de espectadores no cinema
Extensão do clássico de Ariano Suassuna que vem seduzindo milhões de pessoas e diferentes gerações há mais de 20 anos, “O Auto da Compadecida 2” ultrapassou a marca de 3 milhões de espectadores nos cinemas em apenas três semanas em cartaz. A renda acumulada do spin-off já é de R$63 milhões, segundo dados da Filme B Box Office Brasil.
De alguma forma, ainda que o genuíno Chicó nada tenha a ver com o deputado Rubens Paiva, o sucesso de “Ainda Estou Aqui”, filme de Walter Saller Jr. em franca campanha pelas maiores premiações mundiais do cinema, inspira o público brasileiro a prestigiar produções nacionais nas nossas salas. Brademos: “Viva o cinema nacional!”
Mas vamos dar ao “Auto 2” o seu devido valor. Se Chicó e João Grilo não valessem o ingresso nessa noava empreitada, o entusiasmo pela brasilidade, por si só, não teria produzido toda essa bilheteria.
Produzido pela Conspiração e H2O Produções e distribuído pela H2O Films, o filme chegou aos cinemas no dia 25 de dezembro, com sessões de pré-estreia lotadas em todo o Brasil, e foi lançado oficialmente no dia 26 de dezembro, em 1.152 salas de cinema.
Dá gosto de ver, fora das telas, um quadro que a gente achava que mal testemunharia novamente após os anos de esvaziamento da cultura nacional e dos efeitos da pandemia da Covid-19. Vamos lembrar que até uma paródia de João Grilo e Chicó circulou com êxito na época do confinamento.
Com direção de Flávia Lacerda e Guel Arraes, “O Auto da Compadecida 2” se passa 20 anos depois da primeira história e mostra a pacata rotina de Chicó (Selton Mello) na mítica cidade de Taperoá, no sertão nordestino. Agora, ele vive da venda de santinhos esculpidos em madeira e conta a história da ressurreição de João Grilo (Matheus Nachtergaele). Seu grande amigo não dá notícias há duas décadas e Chicó acha que ele morreu novamente. Mas eis que João Grilo reaparece vivinho da silva e cheio de planos mirabolantes, que vão virar a cidade de cabeça para baixo.
Taís Araújo agora faz a Compadecida, missão que coube a Fernanda Montenegro no primeiro filme. Humberto Martins vive o Coronel Ernani, e Luis Miranda, o divertido Antônio do Amor.
Eduardo Sterblitch surge agora como o adversário do coronelismo que acaba por se unir a ele, e Fabiula Nascimento, uma graça, vive a fogosa Clarabela. Dona Rosinha traz Virgínia Cavendish de volta, paixão que Chicó julgava perdida, e Enrique Diaz se refaz como Joaquim Brejeiro.
A coprodução é da Claro, com patrocínios master do Instituto Cultural Vale e da Brahma, e patrocínios da Santa Helena, do Itaú Unibanco, TikTok, Nubank, Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro, Secretaria Municipal de Cultura e Emiliano. A distribuição é da H2O Films.
Ao entrevistar Matheus Nachtergaele, Pedro Bial sugeriu que ele contasse qual era a definição de Fernanda Montenegro para esta nova etapa do “Auto”. O ator contou que Fernandona, com quel contracenou no primeiro filme, disse que João 1 era um exemplo de esperança aos olhos do povo brasileiro, cabendo a este novo ato de João Grilo uma performance de resiliência. É uma síntese perfeita.
Integrante de uma tradicional família que era vizinha da de Suassuna no Recife, Guel Arraes teve trabalho para convencer o autor a autorizar a adaptação do “Auto” para as telas. No final de 2019, ao relançar a produção original remasterizada em uma edição da CCXP, o diretor contou que foi aos poucos persuadindo Suassuna a aceitar as mudanças que queria fazer para contar essa história no formato de audiovisual.
Quando a minissérie estreou, Suassuna não quis ninguém a testemunhar suas reações e viu o primeiro episódio sozinho. A cada capítulo, foi abrindo espaço para os familiares diante da TV que via, e já no quarta capítulo, permitiu-se rir e ser visto como um espectador que se divertiu com a própria história.
Guel certamente teria novamente a bênção do ex-vizinho neste spin-off, filmado sem locações externas, só dentro da cenografia fantasiosa de João Grilo e Chicó, nossos adoráveis anti-heróis. Peço licença à banalização adquirida por tantas citações ao termo “lúdico” para dizer que é autenticamente lúdica a narrativa deste segundo filme como meio de ilustrar o coronelismo, seus males e seus bravos combatentes nos rincões do Brasil mal iluminados pela mídia, onde toda barbárie costuma ser viável.
Por isso, é válido dizer que “O Auto da Compadecida 2”, assim como o original, são puro entretenimento com efeitos de utilidade pública para a conscientização política de quem mais precisa dela. Revisitar o universo de Chicó, João Grilo e Suassuna honra a necessidade de se falar mais de Brasil e menos de Brasília, como definiu Guel há cinco anos.