Por Cristina Padiglione | Saiba mais
Cristina Padiglione, ou Padi, é paga para ver TV desde 1990, da Folha da Tarde ao Estadão, passando por Jornal da Tarde e Folha de S.Paulo

‘A gente já foi muito generosa com homem’: Renata Sorrah sobre ‘Filhas de Eva’

Giovanna Antonelli, Renata Sorrah e Vanessa Giácomo protagonizam 'Filhas de Eva' / Divulgação

“Filhas de Eva”, nova série brasileira que o GloboPlay põe no ar nesta segunda-feira, não estampa esse título por acaso, como endossa sua estreia no Dia Internacional da Mulher. O nome  já aponta para a herança carregada pelas representantes do sexo feminino. Desde que Eva mordeu o fruto proibido, tudo é culpa delas.

Renata Sorrah, Giovanna Antonelli e Vanessa Giácomo dão rosto às profundas transformações operadas de muito pouco tempo para cá, sem ignorar as muitas conquistas práticas, mas pouco morais, ocorridas no século passado.

Assinado por Adriana Falcão, Jô Abdu, Martha Mendonça e Nelito Fernandes, com colaboração de Maria Clara Mattos, o enredo tem direção artística de Leonardo Nogueira e escancara acima de tudo a invisibilidade da mulher para o homem, que só se dá conta de seu valor quando ela se ausenta.

A pergunta é: até que ponto os homens, a quem o recado é destinado, se dão conta de que a mensagem lhes é dirigida? Será que eles percebem nesse enredo a necessidade de mudar, ou acham sempre que o negócio não é com ele, um cara legal, mas sim com o vizinho?

“Os homens não têm mais como negar a força da mulher”, reage Giácomo.

“Nós já fomos tão gentis com o homem, né? O cara perde cabelo e a gente vem com esse negócio de que ‘é dos carecas que elas gostam mais’. Quando engorda, é ‘ah, que barriguinha charmosa’. É evidente que eu estou falando de uma relação que já é péssima, mas não tem mais lugar pra isso”, diz Sorrah, lembrando que o contrário, na concessão de elogios, nunca acontece: a mulher é eternamente cobrada pela perfeição estética.

Antonelli aumenta suas esperanças quando vê o filho, Pietro, de 16 anos [de sua união com Murilo Benício], ser criado para transformar esse cenário. “Ele é um príncipe! Ele é de uma gentileza, de uma generosidade com as pessoas e com o que a vida deve ter. Essa geração dos filhos, dos netos, já nasceu livre”, aposta.

Mas como nem todo mundo é criado por Giovanna Antonelli e Murilo Benício, e mesmo os pais mais semelhantes a ele nem sempre conseguem criar cabeças prontas para romper séculos de machismo, o entretenimento que nos traz novos conceitos dessa educação, como “Filhas de Eva”, é sempre bem-vindo.

Muito tempo depois de a mulher ter conquistado direito ao voto e ao divórcio, alguns cacoetes seguem com força inabalável nos pequenos gestos do dia a dia. Uma menina de 8 anos que assista a “Filhas de Eva”, hoje, já não há de demorar 50 anos, como a minha geração, para perceber que há uma profunda desigualdade na importância que lhe é dada diante do par masculino.

Para algumas meninas, isso felizmente já chega a beirar ficção científica. No primeiro episódio, veremos uma mulher que acorda para o fato de ter anulado todos os seus anseios e projetos durante meio século em detrimento do marido poderoso, poder este que ela aduba e faz crescer todos os dias, sob a pena de ficar em décimo quinto plano e sem o reconhecimento mínimo por parte dele, evidentemente, que se habituou a uma relação muito confortável. Esta é Renata Sorrah, em personagem que em plena festa de Bodas de Ouro decide anunciar, em alto e bom tom: “Eu quero o divórcio”.

Ele duvida. À primeira mala que a mulher carrega saindo de casa, claro, corta o cartão de crédito dela. Não alcança um milímetro à frente do umbigo que ela paparicou por tanto tempo.

A filha, vivida por Antonelli, vê no casamento dos pais um ideal de vida a seguir, e comete erros similares ou piores, ao lado de Dan Stulbach, cujo personagem da vez de bom moço só tem a carinha.

As atrizes avisam que suas três personagens sofrem profundas transformações ao longo da série, certamente uma síntese das mesmas transformações em discussão todos os dias para instigar reflexão e mudança sobre o papel da mulher e as injustiças cometidas contra ela em vários cantos do mundo.

A julgar pelo primeiro capítulo, a que assisti, os diálogos são muito bons, mas sofrem um pouco da síndrome de perfeição de falas que só a ficção tem, em que todo mundo tem o texto certo e seguro na ponta da língua.

Isso pode ser mais bem aceito quando o trio avisa se tratar de uma “comédia dramática” e não de um drama, propriamente dito, como alguns podem imaginar à primeira vista.

“As mulheres ocupam lugares de poder hoje na política, na ciência, em vários postos, mas ainda há muito  caminho a ser conquistado”, ressalta Sorrah.

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Cristina Padiglione

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