Por Cristina Padiglione | Saiba mais
Cristina Padiglione, ou Padi, é paga para ver TV desde 1990, da Folha da Tarde ao Estadão, passando por Jornal da Tarde e Folha de S.Paulo

‘A gente tremia o tempo todo, imaginando que aquilo é real’: Drica Moraes sobre ‘Sob Pressão’

Drica Moraes viverá drama com filho. Foto: João Cotta/Divulgação

Na próxima quinta (12), a Globo lança a 4ª temporada de “Sob Pressão”, uma de suas séries mais bem-sucedidas, uma parceria com a produtora Conspiração. Se os novos episódios vão ao ar neste momento em que as pessoas começam a ensaiar o retorno a atividades presenciais, com responsabilidade, convém lembrar que tudo foi gravado no auge da pandemia, sob muitas restrições, o que só aumentou a tensão de um elenco que convive com um roteiro plenamente inspirado na vida real da saúde pública no Brasil.

A equipe, capitaneada pelo texto final de Lucas Paraízo, com direção artística de Andrucha Waddington, optou por não focar os novos episódios na Covid, até porque o vírus foi alvo de dois capítulios muito especiais exibidos no ano passado, quando a vacinação nem havia começado no país.

Mas o novo coronavírus faz parte desse universo ainda, evidentemente, e a pandemia é citada como pano de fundo do momento vivido agora por Evandro (Júlio Andrade), Carolina (Marjorie Estiano), Décio (Bruno Garcia), Vera (Drica Moraes) e Charles (Pablo Sanádio), além de Mauro (Davi Júnior), que se juntou ao time no “Plantão Covid” de 2020.

Os médicos estão agora em um hospital maior, onde não há atendimento de Covid, também para lembrar que muita gente que vem sofrendo de outros tantos males deixou de cuidar de outras doenças, crônicas ou novas, desde o início do confinamento social.

“A sensação era de tensão porque a gente filmou ainda com a vacinação muito atrasada, protocolos muito rígidos e o medo real de contágio, de baixa, de ficar doente, de falecer”, contou Drica Moraes em entrevista virtual. “Então, a gente estava realmente impregnado dessa nuvem. Isso nos deu um peso maior na relação com os personagens, os casos dos pacientes, de doentes, era realmente de uma sociedade adoecida, adoecida na sua perspectiva de cura, na sua esperança, politicamente e como projeto de cura. A gente tremia literalmente o tempo todo trabalhando e imaginando que aquilo tudo é real. Tem a esperança, mas tem essa dor, de estar aqui falando as mesmas coisas, um país que não se solidifica na sua base, nas suas questões essenciais.”

Drica cita a esperança, palavra sublinhada pelo roteirista Lucas Paraízo para definir a temporada da vez. “Quando a gente criou esta temporada, a gente queria que a esperança fosse o motor dela, a esperança com relação à vida, a melhora da saúde no nosso país”, explica ele.

“No nosso exercício, essa coisa de lidar com uma questão social profunda dentro do entretenimento, a gente acaba fazendo uma crônica cotidiana e a realidade muitas vezes imita o que a gente coloca na tela”, completa Andrucha. “Isso se deve de uma maneira muito forte à qualidade do roteiro e à entrega da equipe a pesquisas na saúde”.

Paraízo emenda: “Infelizmente, nossa criação é pautada pelo noticiário. E é nesse diálogo que a gente avança tentando trazer alguma esperança”.

Até por isso, temas que já passaram pela série, como racismo e HIV, voltam a entrar em cena, agora sob novas perspectivas. No caso da Aids, as pesquisas que norteiam a busca por novos argumentos apontaram o aumento de 600% dos casos de soropositivo na terceira idade. O assunto será protagonizado por Arlete Salles e Ary Fontoura.

“Sob Pressão” tanto exerce um papel de utilidade pública na embalagem do entretenimento, que a abordagem a doação de órgãos, em temporada passada, fez saltar de 300 para 8 mil procuras diárias a busca por informações sobre o assunto. Até por isso, a safra de novos episódios voltará a estampar campanhas de verdade pela saúde, com a exibição de cartelas que auxiliam o telespectador com informações diversas, começando pelo incentivo à doação de sangue.

Protagonista do título, ao lado de Marjorie Estiano, Júlio Andrade lembra que “no início, no primeiro piloto, a gente percebeu que este era um universo totalmente diferente do nosso, do que a gente estava acostumado a fazer”.

“Acho que não tinha nenhuma série brasileira  sobre saúde pública e fomos ganhando conhecimento, graças ao doutor Márcio Maranhão [autor do livro que deu origem à franquia, ainda no cinema, e consultor da equipe da série], mas as duas últimas [temporadas] foram diferentes por estarmos à flor da pele”, diz o ator.

Drica traça outra questão das gravações nesse momento. “Mesmo quando o trabalho é tenso, a gente tem uma criancice: acaba o trabalho, vem o abraço, e a gente estava muito recrudescido na nossa explosão”.

A tudo isso, soma-se o fato, essencial para os atores, de não se verem por completo em suas expressões de dor ou alegria durante a representação, em função do uso mais frequente de máscaras –item que eles antes só usavam nas salas de cirurgia.

“Abrir mão dessa fisicalidade, abrir mão da conexão com o colega, foi um esforço a mais para suprir essa falta de conexão ainda dentro dessa realidade. É claro que a questão da pandemia sobrecarregou tudo, mas ‘Sob Pressão’ fica o tempo todo lembrando a gente o que realmente é essencial, quais são os valores de fato, esse limita entre vida e morte, e entrar em contato com realidades diferentes da nossa.”

REFERÊNCIAS

Crescido em comunidade que dependia essencialmente da saúde pública, David Júnior lembra que no seu caso, a distância entre a realidade e o enredo não é tão grande assim. Mas menciona a raridade que é encontrar um doutor negro, a ponto de ele mesmo já ter se flagrado em situação que apontava seu preconceito, quando, ao ser atendido por alguém preto, pensou estar diante de algum auxliar ou enfermeiro, mas não do médico.

Para ele, a perspectiva de esperança se estende ao fato de desejar que sua figura, na tela de uma série de TV, possa levar às crianças negras o sonho real de se tornar médico, sendo um exemplo de referência que fez muita falta à sua geração, que não se via na TV em papéis que não fossem de serviçais ou escravizados.

O mesmo se aplica à imagem do homossexual, que na série ganha a leitura de um profissional dito “normal”, sem nada que o distingua dos héteros, por meio de Décio. Quando seu personagem confessou sua orientação, duas temporadas atrás, o colega de elenco, Pablo Sanábio, agradeceu pela chance de se ver representado como alguém que em nada se diferencia de outras pessoas, não só no campo profissional, mas também social e afetivamente.

“Sob Pressão” estreia nesta quinta (12), após “Império”.

Curta nossa página no Facebook e siga-nos no Twitter

Cristina Padiglione

Cristina Padiglione