Por Cristina Padiglione | Saiba mais
Cristina Padiglione, ou Padi, é paga para ver TV desde 1990, da Folha da Tarde ao Estadão, passando por Jornal da Tarde e Folha de S.Paulo

‘Amor de Mãe’ chama atenção para a morte de negros na pandemia

Camila (Jéssica Ellen) em tela de aula a distância com os alunos de "Amor de Mãe" / Reprodução

Personagem de Jéssica Ellen em “Amor de Mãe”, a professora Camila continua sendo voz de grande relevância em uma novela das nove da Globo. No capítulo deste sábado (20), ela teve a chance de abordar um assunto muito caro a pais e alunos nessa pandemia: o ensino a distância e a precariedade da maioria dos estudantes do país, que não tem acesso a um bom sinal de internet.

Em um diálogo sucinto, Camila ouve os poucos alunos que lhe restam em uma aula-live explicarem que um deles se ausentou porque a família estava passando dificuldades e não tinha como bancar o pagamento por sinal de internet. Outro deixou a aula porque está ajudando a botar dinheiro em casa, tendo arrumado um serviço pelo aplicativo de entregas –outro assunto que motiva reflexões sobre a temporada e as condições de trabalho dos entregadores.

Uma das alunas repreende o pai, que passa atrás da câmera abraçado a uma garrafa de cachaça. É seu Nuno (Rodolfo Vaz), vizinho do restaurante de Thelma (Adriana Esteves) e Danilo (Chay Suede). “Meu pai não tem lidado bem com o fechamento do bar”, conta Joana (Cacá Ottoni).

Ao final da aula, Camila propõe um tema aos alunos: por que será que a pandemia tem matado mais negros do que brancos? Ainda neste sábado, um estudo publicado pela Folha de S.Paulo mostrou que morreram 25% a mais de negros do que era esperado para o período, ante 11,5% de brancos. Entre os mais jovens, essa desproporção cresce para o quádruplo de negros sobre brancos.

No jornal, o levantamento mostra que a doença atingiu sobretudo os mais vulneráveis. Na novela, a autora Manuela Dias convida o público a pensar sobre o assunto, em meio a um enredo de suspense.

O capítulo também trazia a tensão de um possível atentado contra a professora, encomenda da sogra querida, Thelma, que vem se mostrando o pior dos seres humanos. Nesse contexto, a tensão (e atenção) do público cresce ainda mais.

Na sequência, vemos Camila indo à escola para buscar alguns livros e lembrando, diante do ambiente vazio e silencioso desses dias, os momentos mais fortes que lá viveu, inclusive uma ocupação que ajudou a organizar com os alunos e a consequente invasão da polícia ao estabelecimento.

A cena mostra como assuntos pertinentes têm a chance de ganhar holofotes quando embalados, de modo orgânico, no meio de um produto de entretenimento de massa, como é a novela. Se a conversa se estendesse e a militância tomasse o primeiro plano da ação, o resultado sobre a plateia já perderia parte do efeito.

Quando a abordagem surge inserida em um contexto fictício, é maior a chance de encontrar do outro lado da tela alguém que se entrega emocionalmente àquela história, permitindo-se assimilar a narrativa de modo mais eficiente do que quando lê ou assiste a um jornal.

É por isso que os documentários também tentam fisgar o espectador pelo lado emocional, garantindo que a mensagem chegue de modo instintivo ao cérebro.

A cena completa é uma aula para o público e um gol da novela. Surgiu na ordem do dia e levantou assuntos que a gente já começa a banalizar, sem dar à desigualdade que atinge o ensino e a saúde a importância que a pandemia nos lembra implacavelmente existir.

E é um gol que vem logo após o pênalti tomado por um fora da mesma “Amor de Mãe”, erro cometido quanto à informação de que quem já teve Covid não pode ser reinfectado.

Para sanar esse equívoco, a Globo tem inserido ao final dos capítulos, desde sexta (19), um aviso informando que todo mundo pode se reinfectar, realidade que a ciência ainda desconhecia na época em que a novela foi gravada. O equívoco foi ter mostrado cenas entre Lídia (Malu Galli) e Magno (Juliano Cazarré) onde os dois derrubaram a barreira das máscaras, beijaram-se e engataram um romance, sob a justificativa de que ambos já tinham tido Covid.

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Cristina Padiglione

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