Por Cristina Padiglione | Saiba mais
Cristina Padiglione, ou Padi, é paga para ver TV desde 1990, da Folha da Tarde ao Estadão, passando por Jornal da Tarde e Folha de S.Paulo

Anã de ‘O Outro Lado do Paraíso’ depõe contra o merchandising social

Poderia Estela, personagem de Juliana Caldas na novela “O Outro Lado do Paraíso”, fazer um bem à autoestima dos anões da vida real ou favorecer a convivência deles em sociedade?

Criada com tais intenções pelo autor Walcyr Carrasco, a personagem tem se mostrado o oposto de um merchandising social nesse contexto: sofre em cárcere quase privado pela ação da megera da mãe (Sophia/Marieta Severo), que a colocou em uma casa ao lado do garimpo da família, auxiliada por uma funcionária que é sua única amiga (Rosalinda/Vera Mancini), enquanto ela alimenta nas juras de amor do futuro noivo suas únicas manifestações de sorriso. Ainda assim, Estela suspeita de que ele esteja apenas interessado na herança da mina de diamantes que nem da mãe dela é – pertence ao neto, cuja guarda Sophia tentará arrastar até a maioridade.

Ou seja, além de ir contra qualquer incentivo aos portadores de nanismo, conspira também contra as conquistas femininas. Estela é literalmente uma espera-marido.

Pobre menina rica. Estudou anos na Europa, onde viveu até a novela começar, não por benemerência da mãe, mas porque a progenitora a queria bem longe dali. Mesmo tento crescido em sociedade tão mais avançada que a do Tocantins e estudado nas melhores escolas, como foi dito no início da história, a moça centra sua felicidade em um casamento, incapaz que é de criar sua independência financeira e viver com o mínimo de autossuficiência, como se fosse uma Rapunzel, presa à torre à espera do príncipe encantado.

Pode haver imagem pior para quem busca a sociabilização? Convivi com jornalista portador de nanismo, Pedro Henrique França, na redação do Estadão, um sujeito bom de texto e reportagem, descolado, bem enturmado, sem autopiedade ou em busca da vitimização, e que por isso se faz respeitar no ambiente por onde circula. Olhando para ele e vendo a pobre Estela, temo pela marcha à ré que o autor promove com seu enredo.

Oxalá Carrasco pudesse mirar Estela no exemplo do grande Tyrion Lannister, que rendeu a Peter Dinklage duas estatuetas do Emmy e uma do Globo de Ouro, por este seu personagem na série  “Game of Thrones”, da HBO, baseada no épico “As Crônicas de Gelo e Fogo”, de George R.R.Martin. Tyrion dispensa a autopiedade e a compaixão da plateia, mesmo tendo sido tão achincalhado pelo pai e pela irmã, Cersei, acusado de causar a morte da própria mãe (que não resistiu ao parto, em razão do “monstro” parido). Tyrion participa de orgias, é um tarado sem filtro, arma estratégias de alta inteligência para sobreviver e lá está, digno da torcida, jamais da piedade do público.

 

Depois de ter visto apontarem semelhanças entre sua novela e o romance “O Conde de Montecristo”, de Alexandre Dumas, Walcyr Carrasco foi às redes sociais para indicar o livro e até admitiu, durante uma edição do “Altas Horas”, na Globo, que sua obra tinha a outra como inspiração, mas isso se deu meses após a estreia do folhetim na Globo. O enredo de Elizabeth/Duda (Glória Pires) também é comparado passo a passo ao filme “Madame X”, em que alguém é dado como morto após uma explosão fraudada na lancha onde estaria.

Diante disso, seria melhor que Estela fosse minimamente referendada por Tyrion. Entre uma ideia original ruim e uma imitação (ou inspiração, que seja) de um bom material, a segunda opção parece mais interessante. Um tiquinho de Tyrion no comportamento de Estela seria uma ação mais benéfica à causa dos portadores de nanismo e a quem convive com eles.

 

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