Por Cristina Padiglione | Saiba mais
Cristina Padiglione, ou Padi, é paga para ver TV desde 1990, da Folha da Tarde ao Estadão, passando por Jornal da Tarde e Folha de S.Paulo

Ao assumir relações com homens, Gianecchini contribui para evolução humana

Reynaldo Gianecchini como Régis, o cobiçado galã da novela das nove da vez, 'A dona do Pedaço' / Divulgação

Não, Reynaldo Gianecchini não “saiu do armário”, termo usual para designar quem admite ter relações ou orientação homossexuais. Ele “apenas” admite a possibilidade de namorar ou só transar com alguém do mesmo sexo, como já aconteceu ou pode ainda acontecer com o sexo oposto. Digo “apenas” porque isso deveria ser algo mais fácil a ser dito e mais simples de ser interpretado, mas não é. Ainda mais por alguém que usufrui das benesses do posto de galã na maior vitrine de entretenimento do país.

Ele pode não ter exatamente “saído do armário” porque talvez nunca tenha estado lá muito trancado, que bom, mas há de ajudar muita gente a botar a cabeça para fora e a ser feliz. De alguma forma, todo mundo tem lá os seus fantasmas, os seus receios, sexuais ou morais, reclusos em alguma fresta de armário ou gaveta.

“Sempre me cobraram muito: ‘quando é que você vai sair do armário?’ Acho essa expressão cafona, ultrapassada e preconceituosa”, disse ele à repórter Ruth de Aquino em uma bela entrevista ao jornal O Globo neste domingo (29).

A declaração de Giane é um feito inédito no showbiz brasileiro, considerando o ônus que o entrevistado em questão estaria, em tese, arriscado a ter. Nunca antes um ator no posto de um Gianecchini, com a cotação em alta na Globo, se posicionou tão claramente sobre essa questão desta forma, nem espontaneamente nem sob flagrante.

Houve outros atores que já se manifestaram nesse sentido, mas nenhum deles, em tese, teria tanto a perder como Giane teria neste momento.

Pois é justamente “este momento” que o encoraja a se posicionar, protagonizando uma cena que há de arrancar os maiores aplausos que ele já mereceu, sem demérito algum ao talento já comprovado no seu ofício por tantos trabalhos realizados até aqui.

“Já tive, sim, romances com homens e acho que é esse o momento de dizer isso. Mas nunca me senti obrigado a empunhar bandeira de homossexualidade. O desejo para mim não passa pelo gênero e nem pela idade. Demorei para falar porque isso esbarra sempre no tamanho do preconceito no Brasil. Mas agora é importante reafirmar a liberdade, por mim e por quem enfrenta repressão”, afirmou o ator na entrevista ao O Globo.

Há pouco tempo, Leonardo Vieira, flagrado com o namorado, abriu seu coração sobre isso em uma bela carta que aqui destacamos.

De Hollywood ao Projac, a indústria do entretenimento nunca facilitou a vida dos meninos. Sempre foi mais fácil às mulheres famosas assumirem sua homossexualidade ou bissexualidade (o que chega a ser até um bônus no caso delas, e não um ônus, considerando o fetiche masculino por duas mocinhas se pegando). Já dos rapazes, a cultura milenar ocidental tem exigido virilidade no nível máximo, felizmente com arrefecimento galopante na última década e uma prévia mais lenta nas duas décadas anteriores, quando eles começaram a usar inocentes brinquinhos, por exemplo, sem que isso lhes ferisse a testosterona.

Gianecchini contribui de modo inestimável para derrubar a ideia de que galã que assume gosto por homens não mais poderá viver um personagem hétero absoluto em obras de ficção, mas até os héteros absolutos da ficção já se perceberam frágeis nessa condição ou dispostos a experimentar outras modalidades de gênero.

Se fazer vilão ou mocinho não inviabiliza futuros papéis com outros valores éticos, se a própria questão de caráter não é inexorável para os personagens reservados àquele ator, por que a questão de gênero deveria ser algo tão proibitivo e irreversível na arte de seduzir quem quer que seja?

Giane liberta colegas de um mal que aflige muitos bonitões por todas as telas, homens reféns da falsa imagem de príncipe que lhes rende o ganha-pão. É tempo de humanizar príncipes e princesas. A quebra de estereótipos vem em boa hora, em um cenário social carente de uma pauta de costumes sem hipocrisia.

Ao ator, os nossos mais sinceros aplausos e o reconhecimento de alguém que sabe se bancar em cena para muito além da beleza, uma beleza que, afinal de contas, digna de deus grego, enche os olhos de meninas e meninos. A sedução vale para todos.

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Cristina Padiglione

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