Por Cristina Padiglione | Saiba mais
Cristina Padiglione, ou Padi, é paga para ver TV desde 1990, da Folha da Tarde ao Estadão, passando por Jornal da Tarde e Folha de S.Paulo

Após afastar Rubens Ewald no último Oscar, TNT homenageia crítico

O crítico Rubens Ewald Filho, homenageado pelo TNT, que há dois anos decidiu repensar sua participação no Oscar por suspeita de transfobia. / Divulgação

Foi bem naquele momento em que o Oscar homenageia os mortos do último ano que o TNT emendou um break à transmissão para exibir uma homenagem a Rubens Ewald Filho.

Desde que me entendo por gente, nunca houve, até ontem, transmissão do Oscar sem ele, fosse na Globo, no SBT ou na TNT, onde passou seus últimos anos.

Mas, no ano passado, quando o canal teria a última chance de colocar Rubens Ewald em cena, ele já não fez parte da cena ao vivo.

Sua presença no Oscar 2019 foi restrita a comentários gravados sobre os filmes concorrentes.

No ano anterior, uma fala dele durante a cerimônia ganhou má repercussão nas redes sociais, com foco sobre o Twitter, esse lugar que traduz sentimentos à flor da pele em tempo real, sem dar chance à reflexão ou mesmo a um tira-teima, ainda mais quando os pitacos são sobre a programação igualmente em tempo real da TV.

O “pecado” de Rubens foi apresentar a transgênero Daniela Vega, primeira transexual a pisar no palco do Oscar, mencionando que ela,”na verdade, era ele”: “Essa moça, na verdade, é um rapaz”, disse ele. Foi o que bastou para que o mundo lhe despencasse na cabeça.

O texto foi tratado como manifestação “transfóbica” e o episódio, de alguma forma, atropelou décadas de conhecimento sobre o seu ofício. Se o fato novo sobre Daniela Vega era sua condição como trans, era pertinente explicar que ela nasceu ele, mas o uso das palavras não foi feliz e fez-se de uma informação técnica todo um arsenal de teorias.

Ocupado com a transmissão de um evento em que mal é possível beber água para hidratar a garganta, Ewald não foi avisado sobre o incêndio que se formou no Twitter a partir de sua frase e, quando a festa acabou, o estrago estava feito. O TNT endossou o eco negativo em um comunicado no qual repudiava o preconceito e, mesmo com pedido de desculpas assinado pelo crítico, prometeu que repensaria sua posição nas transmissões a partir dali.

“A TNT repudia toda ação e/ou manifestação preconceituosa de qualquer natureza. A marca valoriza, incentiva a respeita a inclusão, a diversidade em todas suas iniciativas para levar o melhor conteúdo e entretenimento para seus fãs”, dizia o comunicado. “Alinhado a esse propósito, a direção da TNT já conversou com o comentarista Rubens Ewald Filho para evitar que episódios como os comentários feitos durante a transmissão do Oscar no último domingo se repitam, e decidirá nas, próximas semanas, o futuro de sua participação nas transmissões e conteúdos digitais da marca”, continua o texto.

“Rubens Ewald Filho é um dos mais respeitados e conceituados críticos de cinema do país, e há anos leva informação, conhecimento e sua paixão na cobertura das premiações pela TNT. Rubens se desculpa pelos termos que possam ter ofendido ou provocado mal-estar. Em nenhum momento houve a intenção de endossar qualquer posicionamento preconceituoso.”

Há quem tenha tentado justificar o afastamento com um histórico de falas politicamente incorretas dos anos anteriores.

Da minha parte, digo que abastecia-me do conhecimento dele sobre cinema e aproveitava sua língua ferina, sincera, não necessariamente ofensiva a quem quer que fosse, sobre as intocáveis figuras de Hollywood, com um humor que poucos têm.

Michel Arouca e Aline Diniz (ex-Omelete) foram exemplares na transmissão deste domingo (9). Ela, estreante na função, esteve muito à vontade, como ele, que já havia assumido o comando no ano passado, em razão do afastamento de Ewald. Aqui comentei que embora ele tenha se saído muito bem na ocasião, teria sido de bom tom que o TNT tivesse mantido o veterano junto com o novato na função.

Justamente naquele momento em que o Oscar homenageia os mortos do ano, dessa vez com extensão para a perda do próprio Rubens Ewald, ninguém, como ele, é capaz de comentar brevemente quem são as celebridades, produtores, roteiristas e outros profissionais do cinema que rapidamente vão pipocando na tela.

Fora isso, vale sempre repetir, Aline e Michel em nada deixam a desejar, mas, se resta aos dois um humor ácido como o de Rubens Ewald, já ficou claro que seria um risco colocá-lo em cena neste momento de tanta suscetibilidade, sensibilidade e controvérsia das redes nem sempre sociais.

Aline emendou à homenagem previamente gravada pelo TNT que ela e Michel estavam muito honrados de suceder o crítico naquela função. O vídeo do TNT tratou Rubens Ewald como “amigo”, numa demonstração de afeto que transborda a questão profissional.

Mas, com todo o respeito aos ofendidos, que falta faz o humor dele.

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Cristina Padiglione

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