Por Cristina Padiglione | Saiba mais
Cristina Padiglione, ou Padi, é paga para ver TV desde 1990, da Folha da Tarde ao Estadão, passando por Jornal da Tarde e Folha de S.Paulo

Até quando a felicidade das mocinhas dependerá de um casamento?

A mocinha Clara (Bianca Bin), tão empoderada e tão defasada no conceito real de empoderamento

Único personagem que parecia dúbio em “O Outro Lado do Paraíso”, Renato, interpretado por Rafael Cardoso, acaba de se revelar malvado, muito malvado. Nuance para quê? A audiência vem respondendo loucamente ao maniqueísmo traçado por Walcyr Carrasco na novela das nove da Globo, jogando ladeira abaixo a certeza de que ninguém é completamente mau ou completamente bom.

Mas a pergunta é: por que a mocinha Clara (Bianca Bin) quis se casar com ele? Em um diálogo com Patrick (Tiago Fragoso), ela menciona: “O Renato tem me ajudado muito”. Ajudar vale casamento? Falta alguma coisa a essa mulher que perdeu uma fortuna em esmeraldas e ganhou outra fortuna em obras de arte herdadas da vizinha de quarto no hospício? Falta, sim. Falta a guarda do filho, falta paixão, falta o brilho no olhar de quem nunca teve a chance de lamber a própria cria. Mas, um marido, definitivamente, não lhe faz falta.

Não houve romance que prenunciasse qualquer paixão entre os dois. O rapaz vive colado nela desde que a heroína voltou ao Tocantins, e isso foi tudo. Em que momento os dois teriam enganado o telespectador e desenvolvido um romance que ninguém viu? Não houve beijos, abraços, arroubos, declarações de amor, nada. De onde essa relação insípida e inodora tirou inspiração para um casamento?

Apesar de um figurino que com frequência faz vazar os belos seios da atriz, dispensando sutiã, Clara é uma mocinha assexuada desde que tomou as primeiras porradas do marido, Gael (Sérgio Guizé). É de uma frieza que desanima, mas bem capaz de despertar o interesse de Patrick e do próprio Gael. Ao quase se casar com o malvado Renato, ela seria novamente enganada por um homem.

Empoderada, dona de um guarda-roupas que não dá trégua à informalidade, Clara está permanentemente montada para a foto e continua uma completa idiota. A intenção de se casar embutiu a ideia de que já era hora de ela ser feliz de novo. Até quando as mocinhas das novelas dependerão de um casamento para encontrar a felicidade? A essa altura, o folhetim não só presta mais um desserviço à mulher, como se mostra defasado na proposta de refletir o comportamento da vida real.

Acorda, menina! Acorda, Walcyr!

O melhor paradoxo para Clara tem se apresentado nas chamadas de “Orgulho e Paixão”, a próxima novela das seis, que anuncia a personagem de Natália Dill como a única mulher da história, passada no início do século 20, que nem pensa em se casar. Busca a felicidade na liberdade de desbravar o mundo, viajar e ampliar seu conhecimento. É certo que esse discurso logo seja interrompido pelo conflito de encontrar alguém que lhe interesse (Thiago Lacerda), mas, ao menos no discurso, a mocinha da novela das seis, de 100 anos atrás, é muito mais moderna que a heroína contemporânea do Tocantins.

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Cristina Padiglione

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