Por Cristina Padiglione | Saiba mais
Cristina Padiglione, ou Padi, é paga para ver TV desde 1990, da Folha da Tarde ao Estadão, passando por Jornal da Tarde e Folha de S.Paulo

Celebrada como Aurora, Elizangela torce pela redenção de Bibi: ‘A Força do Querer’

Elizangela como Aurora em 'A Força do Querer' / Divulgação

Qual mãe teria a tolerância de dona Aurora, personagem de Elizangela na novela “A Força do Querer”, para não se intrometer com mais veemência na vida da filha única, Bibi (Juliana Paes)? Mãe do doce Dedé (João Bravo) e quase formada em Direito, Bibi afinal se desvia de seu foco e chega a colocar o filho em segundo plano para honrar o amor e a parceria com um marido seduzido pelo rentável negócio do tráfico de drogas.

Muito do que a gente gostaria que estivesse no texto que a autora Glória Perez destina a Elizangela, no entanto,  toma forma na tela só pela alta capacidade de expressão da atriz. Basta um olhar, uma sobrancelha que se move ou um comprimir de lábios para denunciar a contrariedade daquela mãe que tanto se esforça para respeitar a individualidade da filha. E como sofre, essa Aurora, ao titubear em denunciar a localização do casal no morro, em nome da possível salvação de Bibi.

A impressionante expressividade de Elizangela, diz ela a mim em entrevista por telefone, é fruto de mais de 50 anos no set, o que lhe assegura também uma cumplicidade com a câmera, capaz de capturar cada traço de reação estampado no seu rosto, todos executados sob medida para a tela da TV. Mas isso não vale para todo mundo com meio século de TV. Certa vez, ouvi o diretor Del Rangel atestar que apenas duas atrizes são capazes de chorar com um olho só, se for preciso, mirando a câmera que há de registrar a lágrima: Elizangela e Regina Duarte.

Eis aqui a minha conversa com essa atriz que nunca passa despercebida e desfila com maestria por grandes sucessos. Só nesta temporada, ela está também no fenômeno de audiência do “Vale a Pena Ver de Novo”, como Dejenane, uma das vítimas de Nazaré na fatídica escadaria de “Senhora do Destino”, de Aguinaldo Silva, e no Canal Viva, na novela de Manoel Carlos, “Por Amor”. Foi cafetina em “A Favorita”, de João Emanuel Carneiro, e esteve na histórica “Roque Santeiro”, de Aguinaldo Silva e Dias Gomes.

TelePadi – Como transformar em olhar o que você não pode dizer? Às vezes, vendo a novela, temos vontade de ouvir mais dela, e você consegue entregar só pela expressividade o que faltou em palavras.
Elizangela – Muitas vezes a gente não fala, né? A gente só pensa. Às vezes, a gente pergunta uma coisa no pensamento e acha melhor não falar. Eu não faço nada além do que a versão normal e natural de qualquer pessoa, eu coloco isso nas minhas personagens. No caso da Aurora, acho que está ficando muito evidente, porque como ela, durante toda a novela, tem uma coisa de estar sempre cobrando a filha, fazendo colocações, botando ela contra a parede, questionando, ponderando, às vezes ficando quieta, só observando, ficou muito evidente: é aquilo que você não fala, mas pensa. Tem muito isso nessa personagem.

TP – E a impressão que nos causa é que a câmera captura 100% do que você entrega nesse olhar. Isso é fruto de planejamento, ensaio, ou só da experiência acumulada em set? Lembro de ouvir o Del Rangel comentar uma vez que só você e Regina Duarte são capazes de chorar de um olho só, de acordo com o ângulo da câmera.
Elizangela – (risos) O Del, é? Que coisa! É que é verdade mesmo porque a gente já fez uma cena assim. É, Cristina, mas são 50, 52 anos fazendo isso.

TP – Mas não é todo mundo que consegue alcançar esse nível.
Elizangela – São 52 anos fazendo isso, então, eu conheço um pouquinho de câmera, né? O meu objetivo sempre é atingir exatamente quem está do outro lado da lente, faço tudo absolutamente direcionado e na intenção de me fazer entender e tento passar pra quem tá lá do outro lado o sentimento daquela personagem.

TP – Também há nessa relação entre personagem e espectador uma medida muito certa do tamanho da tela da TV, nem mais nem menos. Em geral, os atores se policiam para não exagerar no gestual da TV nem para ficar aquém da expressividade necessária. É possível calcular essa medida?
Elizangela – Quando eu fico fazendo muito teatro e vou fazer novela, eu tenho que me policiar muito, porque teatro é tudo muito grande. Eu já sou careteira. Tem personagens  que você tem que segurar tudo, o máximo possível, é bem difícil, ainda mais pra mim, que sou uma pessoa muito expressiva, meu olho fala muito, meu olhar fala muito. Eu seguro, ou procuro segurar, porque me entrega, falar com o olho é uma característica minha. Eu busco me colocar como a personagem funciona. Claro que tem a experiência. Ao longo dos anos, você vai percebendo como isso funciona.

TP – Mas a Aurora é bastante contida, e isso está já é apontado pelo texto dela. Eu seria uma mãe mais intrometida. Do lado de cá da tela, tenho vontade de intervir e falar mais coisas a Bibi.
Elizangela – É interessante porque eu percebi isso no desenho do texto logo nos primeiros capítulos, e busquei levar exatamente dessa forma, é uma pessoa mais séria.  A Aurora não é muito de tititi, de risadinha, não é de riso mito fácil, mais contida. Eu, não. Já sou aquela que ri à toa, ri de tudo, estou sempre rindo. A maioria das pessoas não é assim. A personagem que eu fiz na “Favorita”, mãe do Cauã (Reymond), ela era uma cafetina, mas era séria, muito distinta, ninguém dizia que ela tinha um prostíbulo dentro de casa, era até mais séria que a Aurora, até carrancuda. São personagens que me fazem exercitar a interpretação, porque pra quem tem tanta expressão e tantas mãos, eu procuro me segurar. O teatro faz isso com a gente, com comédia, principalmente, e eu sempre fiz muita comédia, também na TV, o corpo ocupa espaço. Tem que segurar.

Elizangela e Juliana Paes como mãe, Aurora, e filha, Bibi. Foto de Estevam Avellar/Divulgação

TP – Você, como mãe, se se visse nessa situação, interferiria mais do que dona Aurora? Essa mãe tem um profundo respeito pela individualidade da filha, mas vai atropelando isso à medida que vê o neto sofrer e a própria filha sofrer. O que espera para o desfecho?
Elizangela – Eu não sei te dizer, já me perguntaram isso, Cris, e eu continuo sem saber dizer, não tenho a menor ideia qual a reação que eu teria, Deus me livre, numa situação dessas. Eu não sei se eu ia paralisar, se eu ia dar uma coça… Coça eu não daria porque não está em mim: fui fazer a cena da cadeia, e como foi difícil! Quando você pensa para fazer, na hora sai. Eu não julgo a Aurora, em nada , simplesmente me deixo levar. Inclusive ontem (dia 5/10) tive um encontro emocionante no estúdio com a Fátima, que é a Aurora verdadeira, e foi uma coisa emocionante. Ela foi lá pra gente se conhecer e assistir um pouco da gravação. Fiquei um tanto paralisada, em princípio, é estranho. A gente lida com a ficção, e de repente tem a realidade na tua frente, você está representando uma coisa que alguém vivenciou. Olhar para aquela mulher e pensar que aquilo tudo que eu estou presenciando aqui ela presenciou de verdade, dá vontade de sentar e chorar junto. Ela falou do quanto ela está revivendo a situação, é até estranho isso, e os sentimentos dela, que ela viu retratados por mim na tela. Dá até um treco, dá um sentimento muito esquisito, de dor, sei lá, muito estranho.

TP – Você tem torcida por um final de Bibi?
Elizangela – Ah, eu tenho sim. Acho que ela teria que assumir a responsabilidade pelo que fez, cumprir pena, sair com pena menor por bom comportamento e tal, e ter sua redenção, voltar com a cabeça no lugar, pensar em tudo o que perdeu e tudo mais. Acho até que talvez haja a possibilidade de recuperar o Caio. Eu adoraria, como Aurora, mas se ela ficar com ele, acho que teria que sair do país, pegar o menino e voltar para os EUA, porque é uma vida que foi muito massacrada aqui.

TP – E você torce pela desgraça do genro (Rubinho/Emílio Dantas)?
Elizangela – Ah, eu quero que ele fique bem preso, lá e não saia nunca mais, fiquei muito contente quando ele foi preso. E o que ele fez com o filho dele? Com o menino no telefone? Caramba, o Emílio se sai na rua… Se fosse nos anos 70, ele apanharia na rua.

TP – Você já apanhou?
Elizangela – Apanhei, levei um tapão na cara em plena (avenida) Nossa Senhora de Copacabana, foi durante “Pecado Capital”. Eu fazia a irmã da Betty (Faria), ela era apaixonada pelo namorado da irmã, que era o (Francisco)  Cuoco, eu fazia uma adolescente. Levei um tapão de uma senhora na rua.

TP – O fato de estar nas duas novelas de audiência mais surpreendentes da Globo, no momento, é um golpe de sorte? É possível escolher entre os convites recebidos ou você é do tipo que se joga nas propostas que lhe chegam?
Elizangela – Eu me jogo. Porque eu aposto sempre que vai dar certo. Pra tudo na minha vida, não vou pra dar errado ou pra dar mais ou menos, eu vou pra dar certo. Se vai ser assim ou não, não depende só de mim, tenho sorte de ter entrado em muitos sucessos ao longo de quase 40 novelas. A primeira novela que eu fiz foi “O Cafona”, que foi um espetáculo, a segunda foi “Bandeira 2”, um sucesso absurdo na época, fiz “Roque Santeiro”, “Locomotivas”, “Paraíso”, “Pedra Sobre Pedra”, “Império”…

TP – Já tem planos para depois de Aurora?
Elizangela – Ah, vou descansar um pouquinho. Emendei “Império”, “A Terra Prometida” (sua única novela na Record) e “A Força do Querer”, que foi um presentaço da Glória e do Papinha (o diretor Rogério Gomes). Não esperava esse sucesso estrondoso, estou muito feliz.

Elizangela e João Bravo, o fofo Dedé. Foto de Estevam Avellar/Divulgação,

 

FIM

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