Por Cristina Padiglione | Saiba mais
Cristina Padiglione, ou Padi, é paga para ver TV desde 1990, da Folha da Tarde ao Estadão, passando por Jornal da Tarde e Folha de S.Paulo

Autores de grandes dramas na Globo assinam comédia romântica no cinema

Nathalia Dill e Marcos Veras em 'Um Casal Inseparável' / Divulgação

Quem se habituou a ver a assinatura de George Moura e Sérgio Goldenberg em grandes dramas exibidos pela Globo, como “Amores Roubados”, “O Rebu” (o remake), “Onde Nascem os Fortes” e “Onde Está o Meu Coração?”, entre outras séries, há de se surpreender com a habilidade da dupla em “Um Casal Inseparável”, filme em coprodução com a Globo Filmes e a rede Telecine, que chega aos cinemas nesta quinta-feira (9), com Nathalia Dill, Marcos Veras, Totia Meirelles e Stepan Nercessian.

Classificada como “comédia romântica”, mas distante do estereótipo do gênero –que pressupõe algum pastelão e sequências para gargalhar de bobagens–, a história se destaca pelo fato de não tratar o espectador como alguém que se submete a enfiar sorvete na testa.

O longa é uma ideia de Goldenberg, responsável pela direção, que convidou Moura para fazer o roteiro, um texto feito de diálogos despretensiosos, e por isso mesmo mais eficientes, prontos para destruir clichês sociais, especialmente de gêneros.

Manu (Nathalia) é uma jogadora de vôlei que vive de dar aulas na praia. Carrega a fama de “brava” pelo simples fato de não levar desaforo para casa e de não se enquadrar no perfil da moça que procura um príncipe encantado –e nem por isso é lésbica.

Léo (Veras), um pediatra que trabalha no hospital bem em frente ao ponto de aulas de Manu, há de seduzir a atleta, sem apelar para galanteios baratos. O elenco conta ainda com Dani Suzuki. Nesse jogo, há ainda o empurrão fundamental de Esther, a mãe de Manu (Totia), outra personagem que subverte o estereótipo da sogra, e do pai de Manu (Stepan), que apoia a filha em uma eventual solteirice.

Tudo se dá ligeiramente do avesso, sem que as cores trocadas sejam muito sublinhadas.

Em conversa com esta jornalista por videochamada, Goldenberg conta de onde tirou a história do casal. “Eu conheço Manu e Léo faz tempo”, admite. “Eu sei quem são, mas não posso falar”, diz Moura. “Eles já sabem que estarão em um filme?”, pergunta Moura ao parceiro. “Não”, reage Goldenberg: “Vou esperar que eles se reconheçam no filme”, arremata, sorrindo.

“Eu convivo há muitos anos com Léo e Manuela, eles existem. Eu gosto que eles competem, se desafiam e se divertem com isso, uma característica, principalmente da Manuela, e acho que o Léo dá a volta com humor, ajuda a não levar a sério. A gente quer fazer uma comédia da graça”, avisa Goldenberg.

Moura conta que nunca havia feito comédia, e topou a missão pelo fato de ter sido convidado pelo parceiro de trabalho de longa data. Tampouco havia escrito algo que se passasse 100% no Rio.

“A história fala por si mesma”, acredita Gondengerg, “sem precisar adjetivar”. “Ela [Manu] tem personalidade forte, é o motor daquela relação, ela é que pega o Léo. No mundo em que a gente vive hoje, não tem muito o lugar do homem ou da mulher, é espalhado. Isso tudo está espalhado pela história.”

Convém fazer aqui um parêntese de um elemento aparentemente bobo, mas que não passa despercebido do espectador: quem é pago para cuidar das tarefas domésticas na casa de Manu e Léo é um homem, veja só.

Sergio Goldenberg (em pé), com Totia Meirelles e Stepan Nercessian / Divulgação

Diretor de “Bendito Fruto”, comédia de 2004 disponível no GloboPlay, Goldenberg se diverte ao falar de seu “judaísmo dramático”, que de tão dramático, não passa longe de um “judaísmo cômico”. “E o George é quase um judeu de coração”, brinca.

Embora os dois estejam mais vinculados ao drama na trajetória em dupla, o ambiente em que convivem no processo de criação, por trás das câmeras, tem mais a leveza da comédia do que a tensão do drama, avisa Moura.

Ainda bem, digo eu.

A engenharia de “Um Casal Inseparável” segue, no entanto, a mesma premissa do restante da obra do par: uma dramaturgia que dispensa bandeiras e receitas prontas, “no sentido de manual”. “É legal quando fica um certo tom dissonante, mesmo sendo numa comédia de costumes”, argumenta Moura.

“Molière, nosso grande mestre, dizia que a boa comédia faz rir e faz escorrer uma lágrima”, continua. E conta que quando viu “Bendito Fruto”, ficou muito tocado justamente por não ser uma comédia brasileira que ambiciona “o esculacho, a gargalhada”: “tinha sutileza”.

“A graça é mais veloz e mais sutil que tudo, como dizia o poeta alagoano Jorge de Lima, ela comunica.”

O enredo percorre todas as etapas de uma relação amorosa, do encontro ao reencontro após o desgaste, passando pela sedução, pela conquista da confiança, assim como a perda dessa e seu resgate, quando possível, o que de alguma forma gera identidade no espectador.

A relevância da trilha sonora é outro ponto convergente com a obra da dupla. Não há George Moura e Sérgio Goldenberg sem um bom repertório, sempre em sintonia com a história contada. Martinho da Vila e sua “Disritmia” têm papel essencial no filme, que nos leva ainda aos acordes afetivos –no sentido de sermos afetados e também de nos enternecer– de Mart’nália e Arnaldo Antunes, num convite ao entendimento do casal central e, por que não, ao espectador: “A casa é sua. por que não chega logo?”.

Nesses tempos ainda pandêmicos, em que tantas relações têm sido postas à prova, vale a pena mirar em Manu e Léo, e encontrar a leveza que sempre dá samba.

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