Por Cristina Padiglione | Saiba mais
Cristina Padiglione, ou Padi, é paga para ver TV desde 1990, da Folha da Tarde ao Estadão, passando por Jornal da Tarde e Folha de S.Paulo

Bastidores da TV: quem já tomou um olé de Silvio Santos na casa da Hebe?

Silvio Santos e Hebe Camargo em uma das premiações do Troféu Imprensa / Divulgação TROFEU IMPRENSA FOTOS: JOÃO PASSOS, DIA: 27/03/09

Neste último dia da série “Hebe” na Globo, aproveito para contar uma história de quase 30 anos atrás que me serviu como eterno aprendizado.

Era o ano de 1991 e fazia sucesso no SBT uma novela mexicana chamada “Rosa Selvagem”, protagonizada por Verônica Castro, estrela mexicana que dançava, cantava, representava e apresentava, tudo ao mesmo tempo agora. O SBT a convidou para vir ao Brasil para promover a novela, e lá chegou dona Verônica, em uma manhã qualquer daquele ano, em Guarulhos, onde um punhado de jornalistas aguardava por ela. Sim, havia equipe suficiente na redação para fazer aglomeração no desembarque do aeroporto apenas pela chegada de uma estrela mexicana.

Vamos lembrar que não havia internet para antecipar os detalhes da reportagem que o jornal impresso contaria no dia seguinte.

Ainda na espera em Cumbica, uma colega me pergunta: “Vem  cá, você tá sabendo que a Hebe vai dar um jantar pra Veronica hoje à noite, na casa dela?”
“Não, não soube de nada”, assegurei. E não menti. Adilson Laranjeira, então diretor de redação da Folha da Tarde, onde trabalhava ainda como freelancer, me transformou em setorista da Hebe. Toda segunda-feira eu ia ao programa dela, me deliciava com aquele circo e me divertia muito, para compensar a baixa remuneração.

Mas eu sabia qual era o meu lugar, digamos assim. Não incomodava a estrela para além das informações de que eu precisava. Não me jogava na tietagem, por mais que tivesse vontade, e realmente não saí desesperada de Cumbica para saber se Hebe daria ou não o tal jantar para Verônica, para não invadir o que eu pensava ser parte da privacidade dela.

Verônica chegou a Guarulhos, e lá fomos nós cercá-la, bloquinho e caneta nas mãos, nada de celular, no máximo um gravador de fita K-7. A ocasião me rendeu uma foto minha na revista Contigo!, ao lado dela, com a legenda: “Verônica chegou e logo foi distribuindo autógrafos”, como se eu fosse a fã que o fotógrafo da revista não encontrou no momento em que o editor lhe cobrou uma imagem de tietagem.

A Folha da Tarde tinha colocado outra repórter para ficar no encalço de Verônica durante a tarde dela em São Paulo, e minha colega de faculdade, Alessandra Arvatti, a encontrou no Shopping Iguatemi. Ela mal conhecia sua fisionomia, mas ao ver uma mulher exuberante, de cílios posticos, muito brilho e maquiagem over em plena luz do dia, Alê logo arriscou: “Veronica?” Bingo. A mexicana voltou o pescoço e sorriu para ela.

Era uma segunda-feira, e como toda segunda à noite, lá fui eu até o Teatro Silvio Santos, no Carandiru, para cobrir o programa da Hebe, que naquele dia teria, é claro, a própria Verônica como atração.

A atenta produtora Regina Souza, fiel escudeira de Hebe, conduz Verônica Castro ao palco. Logo atrás, Chitãozinho e Xororó. Foto: Acervo pessoal

No primeiro intervalo, Hebe me localiza no cantinho do auditório, atrás da grua que movimentava uma das câmeras do programa, e me avisa: “Vou dar um jantarzinho para a Verônica lá em casa e queria que você fosse, agora mesmo, depois do programa. Estou te esperando lá”.

Lá fomos até o Morumbi, eu e Kiko Coelho, repórter fotográfico, que ainda outro dia nos pregou a peça de nos deixar tão cedo. Chegando à suntuosa casa da Hebe, uma sala acomodava Nair Bello, Verônica Castro, Chitãozinho, Xororó e outros tantos artistas e, congela a imagem: a um canto da sala, Jô Soares e Silvio Santos em plena conversa.

Cheios de mesura para não sermos inconvenientes e logo sermos expulsos do recinto, Kiko e eu aguardamos o melhor momento para abordá-los, mas o fotógrafo, que já se fazia notar com seu equipamento, tratou de garantir os seus clicks de onde estava.

Eu aguardei uma oportunidade. Foquinha de tudo, como chamamos profissionais de jornalismo em início de carreira, não quis parecer desagradável, não marquei posição em cima do Silvio, que tampouco teve chance de ficar sozinho, claro, sendo abordado a cada segundo por alguém que vinha lhe cumprimentar.

O Lélio me chama no terraço, e eu com aquela cara que denuncia não entender muito do assunto: “Minha filha, vem cá, você já provou caviar?” Não, não era a música do Zeca Pagodinho, que nem existia. Era só um milionário querendo me apresentar a luxos que, apostou ele, eu não conhecia. E estava certo.

Orgulhoso de seu conhecimento gastronômico, ele pediu que o garçom me servisse uma porção de ovas e ensinou: “isso tem que comer com champagne, viu?”, e chamou outro garçom para me oferecer uma taça.

Lélio guardava muito da performance gestual que Marco Ricca levou para o filme e a série “Hebe”, aliás, o Ricca guardou na sua atuação, brilhantemente, um Lélio que ele não conheceu, como me disse, a não ser por poucas imagens. Não falo na questão da agressividade exposta na ficção, porque isso realmente nunca extravasou dos bastidores domésticos, mas o tom de fanfarrão e o ciúme da loira, o jeito de falar e ostentar, sem se dar conta disso, são muito similares à performance do personagem real.

Agradeci ao Lélio, ri muito com ele e voltei de novo os olhos para o meu foco: os interlocutores de Senor Abravanel pareciam-me sempre intimidatórios a ponto de eu evitar interromper qualquer conversa para me apresentar.

Elaborei perguntas, ensaiei a aproximação, e ali permaneci no meu plantão, de longe, notando e anotando informações com a memória. Nessa hora, não convém puxar bloquinho e caneta para não ser discriminada pelos convidados. A maioria não me conhecia e por isso os acessórios de repórter poderiam fazer as pessoas filtrarem o que diriam ao meu lado.

“Vamos descer para o jantar?”, convida Hebe a certa altura, nos conduzindo à escada caracol que levava ao andar de baixo, onde as mesas estavam dispostas em um salão ao lado da piscina. Obedeci. Aguardei que alguém me dissesse onde deveria ficar. Enquanto isso, viro o pescoço para lá e para cá, e nada de Senor Abravanel. Pergunto à anfitriã: “Hebe, e o Silvio?” Ela solta aquela gargalhada e diz: “O Silvio? O Silvio é a Cinderela, você não sabe? Deu meia-noite, ele vai embora!” “Ele foi embora?”, pergunto, em pânico. “Ah, ele sempre faz isso”, resumiu ela, já sendo puxada por alguém que queria atenção.

Como explicaria à chefia do jornal que o Silvio Santos estava na mesma sala que eu sem que eu nada tivesse perguntado a ele? Corri até a Nair Bello, sempre muito generosa comigo, e fui direta: “Nair, preciso de umas aspas do Silvio, não consegui falar com ele e tenho que publicar ao menos alguma coisa que ele tenha dito. Você falou com ele? Me conta alguma coisa?”
“Ah, ele tá muito feliz, né”, me responde Nair. “Rosa Selvagem” concorria com “O Dono do Mundo”, novela de Gilberto Braga que sofreu rejeição da audiência e custou à Globo uma fatia de público migrada para a mexicana do SBT. “Ele tá muito feliz”, repetia a Nair. “Só isso? Que mais?”, insisto.

Vou até a Hebe, retomo a pergunta: “Preciso de umas aspas do Silvio, não vão entender que eu não tenha falado com ele”. “Ah, o Silvio é o Silvio, né? Ele parabenizou a Verônica e está bem feliz”, ela falou.

Em suma, eu não tinha nada do Silvio. Não sabia dar truque, como depois vi vários colegas de profissão fazer ao longo desses anos, sacando aspas e declarações a partir de um repertório já conhecido do entrevistado. Nem isso eu saberia fazer.

No dia seguinte, ao ver as fotos do jantar ao qual só a nossa reportagem estava presente, o secretário de redação da FT me esculachou publicamente, em alto e bom tom, ao alcance de todos os ouvidos. Eu disse: “mas ele foi embora sem que eu visse, eu não tive o que fazer.” “Fosse atrás dele, entrasse no carro dele”, me respondeu o chefe, sem noção sobre o deserto das ruas do Morumbi. Imagine eu me aboletando para dentro do carro do Silvio Santos e intimando: “agora você vai falar comigo!”

O carro da reportagem viria me buscar mais tarde. Não havia celular, não havia Uber, mal havia pontos de táxi naquele lugar.

Passei 20 anos jurando que entrevistaria o Silvio Santos para sanar aquela falha e há dez já entendi que não terei chance igual àquela, até porque o homem foi ficando cada vez mais recluso. Também nunca me sobrou tempo para dar plantão na porta do Jassa, o cabeleireiro onde o pessoal do Pânico o abordava e onde outros repórteres conseguiram dele divertidas entrevistas.

Aprendi desde cedo, e nem formada eu era ainda na minha querida Cásper Líbero, que nunca, jamais se deve tirar os olhos do seu alvo de interesse profissional nem se acanhar diante do papa, que seja, para interromper uma conversa com personalidades que não estarão disponíveis para agendamento de entrevistas.

Anos mais tarde, na época da fraude apontada no Banco Panamericano, um chefe no Estadão me chamou e, seriamente, disse: “você é a pessoa mais próxima dele que nós temos aqui, você tem que falar com ele”. Eu expliquei que não, que ele jamais me deu uma entrevista. “Mas você vai sempre ao Troféu Imprensa e ele te trata muito bem”. E eu: “pois é, e todo ano ele me vê, antes da gravação, e pergunta: ‘é sua primeira vez aqui?'”

Em um desses anos nos bastidores do SBT em dia de gravação do Troféu, Silvio se entusiasmou em nos mostrar suas esculturas de cera no mezanino da sede do SBT. Topamos na hora. “Mas eu só mostro se for pra sair na Caras”, avisou ele, consumidor voraz da revista. A editora de Caras, Cláudia Boechat, imediatamente topou: “Damos na capa”, prometeu ela. “No duro?”, respondeu Silvio. “Então vamos lá!”.

Eu e a representante da revista Contigo! pegamos carona na visitação. Ele se desculpou com a Contigo!, alegando que já tinha prometido as fotos para a Caras, o que nem era exatamente uma promessa, ele havia se oferecido para tanto havia poucos segundos. Eu, que estava mais interessada no que ele tinha a dizer, propus então que ele fizesse as fotos para a Caras, mas desse uma entrevista para mim e para a Contigo!

“Não, não, entrevista eu não dou”, respondeu. Então, entre um click e outro da Caras, fui fazendo perguntas sobre programação do SBT. E não é que ele foi respondendo? Mas após a terceira questão, ele já deu um basta: “ah, você está perguntando muito, já falei que não dou entrevista.”

E isso foi tudo. Todo ano, saímos dos bastidores do Troféu com algumas aspinhas espertas do homem, e ficamos por isso mesmo. Este ano, a premiação estava agendada para abril, e como tudo no mundo, foi suspensa. Em 70 anos de TV, nunca ficamos tanto tempo sem imagens inéditas de Silvio Santos, que se mantém em reprise nas noites de domingo.

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Cristina Padiglione

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