Por Cristina Padiglione | Saiba mais
Cristina Padiglione, ou Padi, é paga para ver TV desde 1990, da Folha da Tarde ao Estadão, passando por Jornal da Tarde e Folha de S.Paulo

Bial conseguiu reabrir espaço para o debate na TV aberta diária

Casagrande e Paulo Cézar Caju

Passados quase dois meses de “Conversa com Bial”, pode-se dizer que o programa é hoje um dos espaços de maior relevância da TV aberta brasileira. Ouso dizer que não há, na grade diária, nada mais interessante e capaz de alimentar o repertório tão raso de uma nação que se informa pelas correntes do Whatsapp e do Facebook. Pena que vá ao ar tão tarde. O ideal seria trocar o Bial pela Fátima Bernardes, abrindo o dia com um debate parrudo e um entrevistador que sabe provocar, sem despencar para o constrangimento: ao contrário. Bial põe dedos em aparentes feridas de um modo que convida o “paciente”/entrevistado a querer se abrir, a contar mais, a desabafar.

A primeira conquista dessa condição é ter de fato criado um programa bem distinto do palco consagrado por Jô Soares, e não só pela troca de comando entre duas figuras tão diferentes. Bial dispensou as amarras do dito talk show, gênero que pede mais talento para o riso, o tal timing, item tão precioso diante dos entrevistados. Trouxe a banda, vá lá, mas gerou desconfiança inicial justamente pela ausência desse humor que marca bons duelos entre entrevistadores e entrevistados no mundo todo, como cá.

Para compensar, chegou com a herança bem resolvida de curtas temporadas do semanal “Na Moral”. A proposta de unir mais de um entrevistado para um mesmo tema subverte o formatinho poltrona-mesa-caneca de talk show e acaba por abrir espaço para o debate de modo muito orgânico.

Mas, diferentemente do “Na Moral” e dos antigos programas de debate da TV aberta, espécie extinta desde os idos do “Programa Ferreira Netto” e “Vamos Sair da Crise?”, não há aqui a necessidade de entrevistados com posições divergentes. E, grata surpresa, nem por isso eles são redundantes como os participantes dos vários programas de “debate” da GloboNews, por exemplo, alvo de piadas desde os tempos do “Casseta & Planeta” na Globo. Na maior parte das vezes, o que se viu até aqui é entrevistado complementando a posição do outro, ampliando o horizonte da “Conversa”, como aconteceu de novo na edição de ontem, quarta-feira (madrugada de quinta), com os ex-jogadores Walter Casagrande e Paulo Cézar Caju. Perdeu quem não viu. Ambos falaram sobre cocaína e dependência química de modo geral, em universos de grandes badalações, como o esporte e o showbizz.

Em uma semana em que Fábio Assunção foi novamente colocado sob holofotes, detido pela polícia após descontrole emocional, o assunto não poderia ganhar abordagem mais útil e delicada, com o testemunho de vítimas da dependência. Bial e Casagrande falaram de Sócrates, grande amigo de Casa, que morreu em função do alcoolismo. Lembraram de Garrincha, e Casão até se permitiu dar nos jogadores da atual geração um puxão de orelha que já havia dado em uma entrevista à ESPN, sobre a omissão deles em relação ao momento político atual.

“Não tô falando que todo mundo tem que dar opinião, mas é importante se posicionar, não ficar só assistindo ao que está acontecendo, com o país pegando fogo”, disse. Bial ponderou se a geração de Casagrande e Sócrates não tinha uma facilidade que hoje falta ao cenário atual: era mais fácil ser pró Diretas Já e contra a ditadura naquele momento em que ele e o doutor Sócrates eram ídolos da nação corintiana. “Hoje, tá uma bagunça geral”, justificou o apresentador, “é mais difícil tomar uma posição”, completou. “Mas não dá pra ficar só olhando”, rebateu Casa.

Perguntado por Bial o que ficou da Democracia Corintiana, movimento encabeçado por ele e Sócrates naquele período de Diretas-Já, pelo fim da ditadura, Casagrande não dourou a pílula: “não sobrou nada, Bial, nada”.

Caju lamentou o silêncio de Pelé sobre questões como o preconceito, lembrando que cresceu e ganhou confiança ouvindo o posicionamento de figuras como Martin Luther King e Muhamed Ali. O ex-jogador disse ainda que há anos não torce mais pela seleção brasileira no futebol,.

Você assiste a entrevistas como essas, a conversas como a de Ney Matogrosso, Gilberto Gil, Serginho Groisman, Nando Reis, entre outros tantos, e tem a certeza de que todas serão anexadas à essência dos retratos biográficos de cada um. Quando os entrevistados são desconhecidos do grande público, o tema se faz protagonista, como aconteceu com dois mobilizadores por engajamento político nesse momento de descrença na categoria.

Não há conversa jogada fora, ainda que aparentemente o entrevistador disfarce momentos de descontração, como engatar um (ótimo) dueto com Anitta, nossa popstar em maior evidência no exterior hoje.

 

 

Curta nossa página no Facebook e siga-nos no Twitter

Cristina Padiglione

Cristina Padiglione