Por Cristina Padiglione | Saiba mais
Cristina Padiglione, ou Padi, é paga para ver TV desde 1990, da Folha da Tarde ao Estadão, passando por Jornal da Tarde e Folha de S.Paulo

Bilheteria, por si só, não determina o sucesso ou o fracasso da obra

A Jove (Jesuíta Barbosa), Tadeu (José Loreto) dá aula sobre o mito da necessidade das queimadas no Pantanal: novela consegue unir qualidade e audiência, reprisando o fenômeno de 1990 / Reprodução

Muitos colegas que se dedicam ao ofício de analisar e criticar as obras televisivas tratam como “sucesso” tudo aquilo que dá boa audiência e como “fracasso” as produções que não batem números estratosféricos, sempre considerando o contexto de cada tempo: 40 pontos de ibope, hoje, é placar excepcional mesmo na faixa das nove da Globo, onde seria número flopado até os anos 2000.

Mas se quantidade fosse sinônimo de qualidade a ponto de ser chamada de “sucesso”, não precisaríamos de experts em dar pitaco sobre o conteúdo da TV. Bastaria entregar dados da medição de audiência a qualquer cidadão capaz de somar números e fazer regra de três para que ele mesmo concluísse o que seria fracasso ou não.

Vejo com gosto o crescimento da Globo na faixa das nove porque “Pantanal” tem se mostrado um primor na direção de Rogério Gomes, no texto de Bruno Luperi, no acabamento, no figurino, na lógica de cada personagem e nas atuações. Isso não significa que “Um Lugar ao Sol” tenha sido “um fracasso”, como alguns alardeiam. Tampouco significa que toda novela com registros acima dos 30 pontos, atualmente, seja um “sucesso”.

Por exemplo: quais legados deixam “A Dona do Pedaço” e “Do Outro Lado do Paraíso”, ambas de boa audiência, assinadas por Walcyr Carrasco? Nenhum. É diferente, muito distante até, de “Amor à Vida”, do mesmo autor, que bombou na audiência e trouxe uma habilidade nunca antes vista para que o público torcesse por um casal gay, com direito a beijo de boca aberta no último capítulo.

Carrasco soube manter o fôlego do público nos enredos protagonizados por Juliana Paes e Bianca Bin, sem no entanto deixar ali nada que pudesse ser aplaudido como legado para outras obras –ao contrário: tudo vinha mastigado e com alguma previsibilidade para dar ao telespectador o conforto de sequer pensar.

Com a história de Lícia Manzo, deu-se exatamente o contrário: “Um Lugar ao Sol” pisou em terrenos virgens no que diz respeito a temáticas femininas em telenovelas e, principalmente, na maneira como esses assuntos foram abordados. Não só no viéis feminino, aliás, como em tantos outros que por lá passaram, como adultos com deficiência, etarismo, adoção, fraude intelectual, aproveitamento de alimentos, etc. e etc.

Se houve discordâncias aqui e ali mesmo por parte do público mais fiel à novela, não significa que o conjunto da obra possa ser desprezado. Há mais gente parecida com as personagens de “Um Lugar ao Sol”, que se deixam trair por fraquezas de caráter diante de situações diversas, do que com as figuras de “A Dona do Pedaço” e “Do Outro Lado do Paraíso”, divididas entre boas ou más, quase incapazes de conjugar ações negativas e positivas diante de ocasiões desafiadoras.

Outro bom exemplo de que o valor da obra independe de bilheteria é “A Favorita”, novela de 2008 de João Emanuel Carneiro. Muito celebrada hoje, a trama está longe de ser uma das piores audiências do horário, mas ficou bem aquém do que um folhetim da faixa mais nobre costumava render na época. Houve revolta de espectadores que se sentiram traídos com a inversão dos estereótipos, quando se revelou que a angelical Patrícia Pillar era malvada e que a excêntrica Cláudia Raia era a mocinha.

Fazendo um paralelo com o cinema, não são os maiores blockbusters que levam o Oscar, muito menos a Palma de Ouro ou o Urso de Berlim, premiações mais ciosas da arte como essência dos filmes que lá desfilam. Não são os chocolates mais vendidos que têm os melhores sabores. Ok, a TV aberta deve prezar pela comunicação com o público e fugir do elitismo, ainda mais em um produto tão essencial para pagar as contas de tantos investimentos.

Sim, TV é brinquedo caro, mas também muito rentável quando alcança a massa. É evidente que a junção de qualidade e quantidade é sempre o ideal, mas essa combinação é jogo raro. Daí ser chamada de “fenômeno”, como “Pantanal” se mostrou há 32 anos e como de novo se mostra agora. A novela devolveu à Globo o patamar de 30 pontos de audiência no horário, estágio que já se pensava perdido para outras telas.

Daí a acreditar que qualquer enredo que rende mais de 30 pontos, hoje, é necessariamente um “sucesso”, e que o fracasso está no oposto disso, haja raciocínio tacanho.

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Cristina Padiglione

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