Por Cristina Padiglione | Saiba mais
Cristina Padiglione, ou Padi, é paga para ver TV desde 1990, da Folha da Tarde ao Estadão, passando por Jornal da Tarde e Folha de S.Paulo

Boni relembra histórias da TV e aponta erro no remake de ‘Gabriela’

Washington Olivetto entrevista Boni par o W/Cast / Reprodução

Em conversa com o amigo Washington Olivetto para o pod/videocast W/Cast, José Bonifácio de Oliveira Sobrinho, o Boni, que foi o todo-poderoso da Globo por mais de três décadas, relembrou em detalhes toda a sua trajetória profissional, desde que sonhava com o rádio, ainda em Osasco (SP), onde nasceu. Ao longo de duas horas, Boni conta ótimas histórias de bastidores e, como de costume, não se esquiva de criticar o que considera ruim ou falho.

Perfeccionista, Boni lembrou como Edwaldo Pacote, que foi seu secretário pessoal por anos a fio, sugeriu a adaptação da “Gabriela” para uma telenovela, em 1975. E explicou por que o conceito da personagem trai os princípios da obra original de Jorge Amado na segunda versão para a TV, produzida em 2012, com adaptação de Walcyr Carrasco e direção de Mauro Mendonça Filho e Roberto Talma.

Gabriela, de Sonia Braga e Juliana Paes

Em meados dos anos 1970, Pacote levou Sônia Braga e Walter Avancini ao encontro do escritor para que ele aprovasse a protagonista e o diretor responsável por levar seu livro à TV em capítulos, conta Boni. Amado impôs uma única condição para a adaptação: que fosse mantida na TV a essência da personagem.

“O Edwaldo tinha uma sensibilidade muito grande, e tinha uma relação de amigos no mundo cultural e artístico inacreditável. Foi por causa do Edwaldo que nós compramos ‘Gabriela’. Porque os direitos pertenciam à Metro-Goldwyn-Mayer mas quando o Jorge Amado assinou contrato com a Metro, ele excluiu o Brasil, e no Brasil, os direitos não eram da Metro”, conta Boni.

“Mas também, a gente produzir ‘Gabriela’ e não exportar seria uma besteira. Então o Edwaldo foi na casa do Jorge, que era amigo dele, conseguiu convencê-lo a nos vender os direitos para fazermos ‘Gabriela’, e eu, por acaso, era amigo do presidente da Metro, e falei pra ele: ‘olha aqui, eu vou produzir Gabriela como novela para o Brasil, e se você me ajudar, eu faço dela uma produçãozinha um pouquinho melhor, e você distribui para a Argentina, França, Itália, mercados onde se consome esse tipo de produto. E nós assinamos um contrato. A Globo produziu a novela ‘Gabriela’, foi para o ar aqui no Brasil e foi distribuída pela Metro para o resto do mundo. Isso se deve ao Edwaldo Pacote.”

O executivo, hoje também conhecido como pai de Boninho, o big boss do BBB, relatou então os bastidores da negociação com Amado.

“Ele [Pacote] foi levar o Walter Avancini e a Sônia Braga lá na Bahia para o Jorge Amado aprovar a direção e a Sônia. Ele me ligou e disse: ‘Olha, o Jorge quer falar com você’. Aí eu atendi o telefone e ele [Amado] disse: ‘Olha, eu estou dizendo aqui para o Avancini que a coisa fundamental de ‘Gabriela’ é que a Gabriela não é uma sedutora, ela não pode ser uma sedutora. Gabriela é uma sedução. As pessoas se apaixonam por ela sem que ela faça nada pra isso, estou dizendo para o Walter Avancini que se não fizer isso, não é o meu personagem. O resto, vocês podem fazer a besteira que vocês quiserem, mas essa característica eu faço questão, e vocês vão assumir esse compromisso comigo: ela não vai fazer caras e bocas, e ela não vai ser sedutora, ela vai se apaixonante.”

Combinado, concordou Boni. Na sequência do relato a Olivetto, o diretor observa: “Na segunda versão da ‘Gabriela’, não perceberam isso. Aquela menina, que é uma excelente atriz, a Juliana Paes, acabou fazendo uma Gabriela oposta a isso, fazia caras e bocas, e ela é uma excelente atriz, é linda demais. Erro de direção”, concluiu.

‘ESTÁ DEMITIDA’

Boni conta ainda como se livrou de Glória Magadan, cubana que era responsável por comprar novelas em outros países para adaptações feitas no Brasil, pela Globo, nos primeiros anos da emissora. Quando ele chegou à Globo, ela já estava em um posto que lhe permitia decidir sobre tudo o que era comprado e produzido na emissora, tendo também poder de decisão sobre a escalação de elenco.

Ele então mapeou todo o contrato de Magadan nas entrelinhas e constatou que não havia cláusula alguma que obrigasse a Globo em manter as novelas dela no ar. “Ela botava a novela no ar e eu tirava no dia seguinte”. Magadan foi chorar mágoas com Renato Pacote, irmão de Edwaldo, outro assessor de Boni. “O que eu falo pra ela?”, perguntou ao chefe. “Faz um favor pra televisão brasileira: vai lá e fala pra ela pedir demissão. Ela caiu como um patinho.”

Mas o próprio Boni formalizou a demissão de Magadan ao final da conversa, quando o relógio bateu 17h: “Cinco horas: você está demitida. O diretor de novelas a partir de hoje é o Daniel Filho”.

Como início de sua gestão, Daniel levou Janete Clair para a Globo, e ela disse: “Eu vou, mas o Dias [Gomes] está desempregado”. “Como eu tinha uma ligação antiga com o Dias”, lembrou Boni, que fala muito sobre a fase em que foi discípulo do dramaturgo ainda em seu primeiro emprego no rádio, “trouxemos o Dias”.

Boni lembra que a censura, na época, não permitia que Dias escrevesse nada. “Ele era visto como comunista”, intervém Olivetto. “Ele era um intelectual de esquerda, mas não era comunista”, explica Boni. “Claro que não”, reage o publicitário.

Na verdade, sim, Dias Gomes era comunista, orgulhava-se disso e foi membro do Partido Comunista Brasileiro, sem no entanto submeter suas obras à aprovação do partido, como a jornalista Laura Mattos mostra no ótimo livro “Herói Mutilado — Roque Santeiro e os bastidores da censura à TV na ditadura” (Cia. das Letras).

A primeira novela de Dias para a Globo foi “A Ponte de Suspiros” (1969), mas sob o pseudônimo de Stela Calderón, justamente para driblar a censura. O nome foi criado por Walter Clark, então diretor-geral da Globo e responsável pela ida de Boni para a emissora, como responsável pela área artística.

Mas a carreira de Calderón começou e terminou com essa novela, conta Boni. O autor se recusava a se apresentar com outros créditos. E foi justamente sobre uma obra sua que a tesoura da censura foi mais cruel, ao suspender a estreia de “Roque Santeiro”, em 1975, quase às vésperas de a novela entrar no ar.

Dez anos depois, como conta Boni, com a ditadura militar já encerrada, Otto Lara Resende foi quem sugeriu a retomada do projeto, que ganhou novos atores e é até hoje um dos maiores sucessos da história da Globo.

Vale a pena ouvir a conversa toda. O W/Cast com Boni é o último de uma série com grandes nomes entrevistados por Olivetto em seu apartamento na zona sul do Rio, como denunciam as imagens. Estão todos disponíveis no canal W/Cast no YouTube em nas principais plataformas digitais.

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