Por Cristina Padiglione | Saiba mais
Cristina Padiglione, ou Padi, é paga para ver TV desde 1990, da Folha da Tarde ao Estadão, passando por Jornal da Tarde e Folha de S.Paulo

Cigana Dara lembra que conexões como chat eram ‘inimagináveis’ na época de ‘Explode Coração’

Tereza Seiblitz como Dara, na frente de seu computador "de tubo"

Na era da banda larga e de conexões em 4G, por mais que a gente rogue pragas quando o sinal falha, é sempre bom lembrar o tempo da internet discada e a gigantesca frustração que tínhamos com tantas quedas de conexão, diante da promessa de uma rede mundial de computadores que nos colocaria todos em contato, por maiores que fossem as distâncias.

Lá está “Explode Coração”, há uma semana no ar pelo canal Viva, e a eterna disposição de Glória Perez em abordar universos ainda mal explorados nas novelas. Em 1996, quando a história foi ao ar originalmente na Globo, ainda na faixa das 20h30-21h, a internet era tratada, em vários cantos do país, como ficção científica. Causa comoção ver as cenas entre Edson Celulari e Tereza Seiblitz, o político Júlio Falcão e a cigana Dara, conversando numa espécie de chat, na pré-história das redes sociais.

À época responsável pela direção de núcleo da novela, o saudoso diretor Paulo Ubiratan me falou sobre o desafio de colocar no ar uma novela que mexia com temas novos para o público. E naquele tempo, veja só, a Globo nem tinha as trocentas telas que hoje lhe fazem concorrência. Mesmo assim, alcançar a massa era prioridade, com pouquíssimo espaço para experiências inéditas, e a temática de “Explode Coração” era uma delas.

A própria Tereza Seiblitz conta hoje ao TelePadi que não tinha computador nessa época e era pouco ligada à tecnologia. Atualmente mãe de quatro filhos e cursando mestrado de Letras na PUC-RJ, a atriz já não tem como abrir mão das conexões que lhe permitem resolver muitas coisas a distância.

Mais do que a questão da internet, foi uma campanha pela busca de crianças desaparecidas encampada pela autora que deu visibilidade histórica a “Explode Coração” e colocou o título na prateleira das grandes referências do entretenimento a serviço da utilidade pública. A audiência respondeu muito bem, para além do patamar sólido que a Globo acumulava na ocasião.

O único aspecto negativo deixado por “Explode Coração” é uma outra referência: a estreia do modelo Ricardo Macchi o nome do personagem, Cigano Igor, como exemplo da pior performance do ofício, até hoje. Sempre que alguém se mostra péssimo ator ou atriz, lá vem a remissão ao Cigano Igor, uma peça da novela agora em reapresentação no Viva e jamais vista no “Vale a Pena Ver de Novo”.

Como toda reprise de mais de 20 anos, “Explode Coração” é também uma diversão para revelar as transformações físicas vividas pelo elenco, a começar pelo ainda franzino Rodrigo Santoro, novinho de tudo.

Confira um resumo da conversa, por telefone, com Tereza, que só agora, com o distanciamento, consegue enxergar Dara como alguém contestadora das tradições de sua família.

TelePadi – A internet ainda era tratada na época como ficção científica por uma parte do país?
Tereza Seibliz – Eu não era muito ligada em computador, nem tinha computador em casa. Era raro, também, que as pessoas tivessem computador em casa na época. Mas a gente já tratava aquela comunicação – o que seria aquilo, um chat? – como uma cosia que poderia acontecer. Sempre gostei de escrever carta. Quando eu viajava, gostava de telefonar. Morei na França um tempo, depois da novela, e ligava sempre para os meus pais.

TP – Como as pessoas lidavam com as possibilidades da internet na época?
Tereza – Essa comunicação era inimaginável, e até muito pouco tempo atrás era uma coisa ainda segmentada pela questão geopolítica. Em 2013, na África, foi dificílimo falar com as pessoas aqui em casa. Claro que para a maioria das pessoas, a internet encurtou distâncias e aumentou outras – como essa coisa de ficar conversando com telas e não ter mais a prática de estar com o outro pessoalmente ou de viva voz.

Tela fake do chat entre Dara e Júlio Falcão

TP – Como você espera que as pessoas revisitem aquele contexto do início da rede? Os jovens não têm dimensão do que era a internet discada.
Tereza – É, eles nem imaginam o que é, é estranhíssimo. Tem várias releituras aí. O Júlio Falcão é um político, cientista, que pensava em desenvolvimento, ele é um herói, não um vilão. Hoje em dia, com quantidade de rios e índios morrendo e toda a importância que se dá a questões do meio ambiente, talvez a figura de um político herói fosse diferente daquela. Não tenho visto muito novela, estou fazendo mestrado de Literatura. Quatro filhos e um mestrado é muita coisa.

TP – Você tem gostado de se rever na novela?
Tereza – A Glória é muito sagaz e continua sendo. Eu tô achando o maior barato, muito interessante e mais até do que na época. Na época eu era mais crítica. Tô vendo que a Dara era diferente da família, na época eu não pensava nisso, agora é muito claro pra mim. Ela tem paradoxos entre a ligação com a tradição dos ciganos, do povo livre e o não pertencimento que ela sente em relação a alguns dogmas da tradição, é um personagem muito partido. Eu não via isso.

TP – As pessoas devem te cobrar, como eu vou fazer aqui, por que não tem feito TV? A última novela foi na Record?
Tereza – Eu nunca fiz novela na Record, fiz participação naquela série de Jesus lá (Milagres de Jesus), fiz uma Maria bem rápido. Estou fazendo teatro, fiz o filme sobre a Cora Coralina, que ganhou em 2016 o prêmio de júri popular em Brasília. Eu estava fazendo graduação nos últimos quatro anos, tenho feito teatro bastante experimental, mais ligado a performances.

TP – E cobram sua presença na TV?
Tereza – A televisão foi desaquecendo pra mim, eu comecei a não ter convites, e então comecei a fazer coisas que estavam no meu cotidiano. Sempre fui bailarina, atriz, e a televisão é um lugar meio misterioso. Eu fiz só quatro novelas (além de “Explode Coração”, fez “Barriga de Aluguel”, “Renascer” e “Pedra Sobre Pedra”, mas esteve também nas minissérie “Hilda Furacão”, “Amazônia – De Galvez a Chico Mendes” e o seriado “Donas de Casa Desesperadas”, além de participações especiais).
São coisas marcantes e eu sou grata a isso, fico muito feliz. Eu não consigo ver televisão, nem posso te dizer o que está acontecendo, estou num outro nicho, mas continuo sendo atriz, também gosto muito de cinema, que é mais concentrado.

 

Leia aqui texto do expert em telenovelas Nilson Xavier: ele observa o nível de vanguarda de Hans Donner, que se permitiu mostrar tela plana e touch screen na abertura, antevendo o futuro.

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Cristina Padiglione

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