Por Cristina Padiglione | Saiba mais
Cristina Padiglione, ou Padi, é paga para ver TV desde 1990, da Folha da Tarde ao Estadão, passando por Jornal da Tarde e Folha de S.Paulo

CNN trata como ‘liberdade’ a contestação de Coppola à demissão de Narloch

O comentarista Caio Coppola resolveu manifestar solidariedade ao ex-colega Leandro Narloch, demitido da CNN Brasil, na tela da própria CNN Brasil. Não se sabe se teria sido um teste de seus limites de expressão dentro da empresa onde trabalha ou se ele de fato goza de liberdade irrestrita para contestar uma decisão da casa não apenas na esfera pública, mas usando sua própria vitrine para fazê-lo.

O canal, no entanto, não dará a ele o mesmo destino dado a Narloch, justificando sua permanência como parte da “liberdade de opinião” garantida pela CNN Brasil, que se manifestou sobre o episódio com a seguinte nota:

“O comentário feito por Caio Coppolla na edição desta terça-feira (18), do quadro O Grande Debate, no telejornal Expresso CNN, reflete a liberdade que garantimos a nossos debatedores para levarem suas opiniões ao público. É mais uma prova da transparência com que a CNN lida com os debates e entrevistas. Acreditamos que todas as opiniões devem ser ouvidas na execução de um jornalismo isento e independente. Sobre demissões ou contratações de profissionais, elas são decididas em ambiente corporativo da CNN Brasil, de forma rotineira e técnica, levando em conta necessidades e interesses corporativos, como é comum em qualquer companhia.”

Narloch foi dispensado após usar o termo “opção sexual” em vez de “orientação”, nominação correta para designar o público LGBT, e ser atacado nas redes sociais, mas não só isso. Ao comentar sobre a decisão do STF (Superior Tribunal Federal) que proíbe o veto aos homossexuais para doação de sangue, aprovou a resolução alegando que o veto anterior era injusto com gays não promíscuos.

Para tanto, embasou seu comentário em dados de um estudo que justificaria a ideia de que os gays são grupo de risco, estatísticas repetidas por Coppola em sua defesa. Para Narloch e Coppola, isso ofendeu a militância LGBT.

Ora ora, o caso naturalmente não é esse. O veto anterior não encontra qualquer fundamento, antes de mais nada, porque a lei não contempla outros grupos de riscos de outras doenças e anomalias. Cabe aos bancos de sangue avaliar quais as doações que estão aptas a serem aceitas ou não. Todo sangue deve ser examinado antes de servir à transfusão, e se esse teste é feito, por que restringir doações a determinados perfis?

É comum, por exemplo, em descendentes de negros miscigenados com brancos, grande maioria da nossa população, a incidência de anemia falciforme. Eu, de pele branquela, sou portadora desta doença, embora não a tenha, e estou proibida de doar sangue para evitar a perpetuação do traço, que gera uma vida inteira de transfusões a quem tem a doença.

No passado, já doei sangue. De uns anos para cá, em São Paulo, portadores do traço S estão vetados pelos bancos de sangue, o que só soube após a última tentativa de doação, há alguns anos. Um portador do traço S tem 25% de chance de ter um filho com a doença, caso seu parceiro ou parceira também seja portador da anemia falciforme.

Imagine se por isso vetaríamos a doação de sangue aos miscigenados, num país de miscigenados?

Esse é um mísero exemplo entre tantos outros que médicos poderiam dar para louvar a decisão do STF sem restringir seus argumentos ao HIV entre homens gays.

O argumento da CNN Brasil sobre liberdade de expressão, convém notar, não contemplou as razões de Narloch. Nesse contexto, o mais coerente seria trazê-lo de volta aos seus quadros.

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Cristina Padiglione

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