Por Cristina Padiglione | Saiba mais
Cristina Padiglione, ou Padi, é paga para ver TV desde 1990, da Folha da Tarde ao Estadão, passando por Jornal da Tarde e Folha de S.Paulo

Como toda diva que é diva, Tônia Carrero fez e disse o que quis

Com Fábio Júnior, em 'Água Viva', como a inesquecível Stela Simpson

O uso do termo “diva”, hoje em dia, infelizmente, está à beira do lugar comum. Mas diva que é diva é figura cada vez mais rara, até porque a indústria do entretenimento já foi muito mais condescendente com comportamentos excepcionais de grandes estrelas. Tônia Carrero era diva em nível master, e, como tal, tinha lá suas excentricidades.

O diretor Paulo Ubiratan, célebre pela competência, mas também pelo comportamento explosivo, batizou suas quatro pontes de safena por nomes de atores com quem trabalhou, e a primeira ponte atendia por Tônia Carrero. Ubiratan prestou tal “homenagem” por meio de uma rara entrevista, à época bombástica, para o “Jornal do Brasil”, em 1988. Na ocasião, ele estava retomando o expediente na Globo após um ano de restabelecimento pelo procedimento cardíaco a que foi submetido.  As outras pontes eram Carlos Eduardo Dolabella (pai de Dado Dolabella, atualmente preso por não pagar pensão alimentícia), Mário Gomes e Lúcia Veríssimo.

“A Tônia dizia que minhas reclamações eram problema sexual mal resolvido com ela, me deixou louco”, disse Ubiratan na ocasião. A ofensa era ainda maior para um homem normalmente muito requisitado pelas mulheres dentro da Globo. A atriz não se fez de rogada e respondeu a uma altura que parece ficcional para a falsa diplomacia que rege relações de trabalho hoje em dia: “Natália do Vale é a outra ponte de safena?”, rebateu a atriz, em referência à ex-mulher do diretor. Segundo Tônia, o autor Gilberto Braga criou um personagem malvado especialmente para ela em “Água Viva”, mas Ubiratan cismou que Tônia deveria ser a boa Stela Simpson. “Eu nem sabia que ele tinha essa amarração comigo”, debochou. “Será paixão? Eu acho Ubiratan muito engraçadinho, mas ele merecia mais quatro pontes de safena porque não tem cultura teatral para saber que eu faria bem um papel de má. A Natália era má em ‘O Outro’. Se uma principiante acerta, imagine uma veterana. Ainda assim, ele nunca tirou meu sono e não tenho nenhuma ponte de safena. Eu ficaria orgulhosa se o Drummond me responsabilizasse por um de seus enfartes, mas o Paulo é insignificante. Vai ver engoliu muito sapo e safenou!”

Entrevista de Paulo Uiratan ao ‘JB’ em 88

Na mesma entrevista, Ubiratan assegurou que não perseguia ninguém e até indicava suas safenas para novelas dirigidas por outros profissionais. De fato, Tônia fez mais algumas novelas na Globo entre “Água Viva” (1980) e a ríspida reação da atriz ao “JB”, mas depois de torcer publicamente para que Ubiratan tivesse mais quatro safenas e acusá-lo de inculto, coincidência ou não, Tônia não voltou a fazer trabalho algum na Globo enquanto o diretor esteve vivo – ele morreu em 1998, justamente de ataque cardíaco.

Depois de “Sassaricando”, de Silvio de Abreu, em 87, Tônia só voltaria à Globo para “Esplendor”, uma novela das seis, de Ana Maria Moretszohn, em 2000. Há coisa de três anos, quando entrevistei o autor Gilberto Braga para “Babilônia”, sua última novela, ele contou que “uma vez perguntaram ao Boni se a Tônia Carrero era nome vetado na Globo”. “O Boni disse: ‘vetado, não, mas podendo evitar, melhor…'”

Ainda assim o próprio Boni (José Bonifácio de Oliveira Sobrinho, ex-Vice-presidente de Operações da Globo), incluiu Tônia em uma extensa lista de atrizes que não deveriam faltar nas produções da TV, quando lançou sua autobiografia, “O Livro do Boni” (Casa da Palavra, 2011).

Em sua passagem pelo SBT, onde fez “Sangue do Meu Sangue”, em 1995, época em que a dramaturgia da emissora de Silvio Santos foi conduzida por Nilton Travesso, Tônia colecionou mais histórias nos bastidores. Certa vez, tanto insistiu com a atriz Magali Biff que uma bela camisola do figurino não lhe caíra bem, que a colega resolveu se livrar da peça e pedir outra à equipe da novela. Quando chegou ao set, para a surpresa de Bia, Tônia vestia exatamente a camisola que tanto achincalhara no corpo da outra.

Ainda nessa época, tudo o que tinha de ser combinado com a atriz deveria ser feito antes do meio-dia. Depois desse horário, ela se tornava mais dispersa e irascível.

Profissional nenhuma com esse comportamento teria feito história, mas é aí que mora a condição da diva. Com todas as questões de comportamento que pudessem vir à tona, a mulher foi um esplendor de beleza, visceral em interpretação, até o fim.

Em 2004, guardava ainda a mesma beleza dos dez anos anteriores, na pele de Madame Berth Legrand, dona do prostíbulo de onde saiu a pérfida Nazaré, então vivida por Adriana Esteves, na primeira fase de “Senhora do Destino”, de Aguinaldo Silva. Nesse mesmo ano, fez ainda uma participação como ela mesma na minissérie “Um Só Coração”, de Maria Adelaide Amaral e Alcides Nogueira.

Fez teatro e cinema por mais dois anos e depois se recolheu.

Nos últimos sete anos, reclusa à vida doméstica, chegava de cadeira de rodas a uma pracinha do Leblon para tomar seu breve banho de sol, sem que ninguém a reconhecesse, como contou a jornalista Eliane Trindade na coluna de Mônica Bergamo em agosto de 2013. Filho único da atriz, o ator Cecil Thiré não permitiu que ela fosse diretamente entrevistada ou fotografada. “Ela está lúcida e bem-humorada, embora, por ter dificuldades de andar, quase não ande; e, por ter dificuldades de falar, quase não fale”, ele disse então.

Ao buscar o sol da pracinha, permitia-se fazer o que Stela Simpson não fazia em “Água Viva”, quando mandava o mordomo ir até a praia buscar um balde de areia para que ela restringisse seu contato com aquilo apenas à beira de sua piscina particular, sob a sombra da super varanda de seu apartamento de luxo. E quando o mar se escancarava na tela, João Gilberto cantava “Wave”.

Eu amava “Água Viva” e Stela era minha personagem favorita, uma das boas memórias afetivas da minha infância e da existência de tanta gente que teve a sorte de vê-la em cena.

Leia também: As Divas morrem aos sábados, roubando a cena do fim de semana.

 

Nota da redação: Este post foi atualizado a respeito da informação sobre a atriz que teve sua camisola cobiçada por Tônia durante as gravações da novela “Sangue do Meu Sangue”, no SBT. Sempre ouvi essa história como se a atriz fosse Bia Seidl, e publiquei o original deste post atribuindo o fato a ela. Após a publicação deste texto, no entanto, Carmen Busana, uma das produtoras da novela, corrigiu-me: “A história da camisola eu presenciei. Era no cenário da Pola Renon (Bia Seidl), mas a atriz que trocou a camisola a conselho da Tônia foi a Magali Biff.
Prontamente corrigido, Carmen, obrigada!

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Cristina Padiglione

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