Por Cristina Padiglione | Saiba mais
Cristina Padiglione, ou Padi, é paga para ver TV desde 1990, da Folha da Tarde ao Estadão, passando por Jornal da Tarde e Folha de S.Paulo

Copa da Rússia: monopólio da Globo na TV aberta prevê estrago menor que em 2006

Neymar, contratado pela Globo em sigilo na última Copa. Foto de Lucas Figueiredo/CBF

A ausência da Bandeirantes nesta Copa do Mundo mais uma vez há de restringir as opções do público, que tanto esperneia contra Galvão Bueno, mas que quase sempre acaba na própria Globo. Nesta quinta, o site “Notícias da TV” confirmou o que a Band ainda tentava disfarçar: a emissora não fechou negócio para transmitir metade dos jogos da Rússia (32 partidas). A crise financeira e a falta de garantias junto a anunciantes minaram as esperanças de honrar a tradição de “canal do esporte”.

Na contramão da gritaria, a Globo invariavelmente se apresenta com larga vantagem de audiência durante as transmissões. No último mundial, uma partida com seleção brasileira produzia normalmente quatro vezes mais audiência que o mesmo jogo na Band. Nessa conta, há pelo menos 10 pontos de audiência que vão migrar para outros canais, lembrando que 2/3 do Brasil não assina nenhum serviço de TV paga.

Dito assim, o fato de a Band ficar de fora da Copa parece uma tragédia sem antecedentes a quem foge do plim-plim. Mas a situação é infinitamente melhor que em 2002 e 2006, quando a TV dos Saad também ficou sem acesso às transmissões, então compradas pela Globo por custos gigantescos. Basta dizer que o país tinha 3,5 milhões de assinantes em 2002 e 4,8 milhões em 2006. Hoje, são 18 milhões de domicílios com TV paga (sem contar a pirataria, que também cresceu). Os dados são da Anatel.

O problema é que na TV paga, o assinante só encontrará duas opções: Fox Sports e SporTV, que, tirando o Galvão, tem os mesmos cacoetes de interesses da Globo. Ou seja, se quiser fugir da família Marinho durante a Copa, o torcedor só encontrará abrigo na seara dos Murdoch.

A ESPN, que normalmente não torce antes de puxar orelhas em campo, infelizmente não estará jogando desta vez. O canal transmitiu todas as Copas desde 98 e, diante do custo do evento e da crise econômica, concluiu que seria muito alto o preço a pagar pelas migalhas de audiência que sobram da Globo.

Na semana passada, a Folha revelou que Neymar foi contratado pela Globo durante a Copa de 2014, o que assegurava vantagens à Globo na hora de conseguir entrevistas exclusivas. Mas não só isso: como contratado da casa, o craque evidentemente esteve menos sujeito a críticas e perguntas que pudessem lhe parecer incômodas diante dos profissionais com microfones do Grupo Globo.

Durante a Copa de 2006, quando fez pela última vez a festa sozinha na TV aberta, a Globo incensou ao máximo a atuação dos jogadores em campo. Na época, o quadro de Denise Fraga no “Fantástico”, “Copas de Mel”, conseguia ser mais crítico ao time do que as mesas redondas pilotadas por Galvão. Avaliações negativas da equipe de narradores e comentaristas só vieram após a derrota fatal.

No último mundial, a Globo também havia contratado Ronaldo Nazário – este, como comentarista. Foi mais um fator que conspirou contra a isenção jornalística da emissora. Por mais que o diretor-geral da casa, Carlos Henrique Schroder, tenha descartado conflito de interesses nesse caso, Ronaldo tinha tudo para não estar naquela função: ele era então sócio de uma empresa de agenciamento que tinha jogadores (incluindo Neymar) como clientes em campo, participava do comitê organizador da Copa, pelo lado da Fifa, e anunciava produtos de patrocinadores nos intervalos comerciais.

Por todo esse histórico, quem quiser escolher o locutor do jogo terá, para cada partida, três opções neste mundial da Rússia, o que pode se estender ao rádio (muita gente jura que prefere ver a Globo, para aproveitar a tal câmera exclusiva, e baixar o volume da TV em troca de alguma transmissão radiofônica). Mas não restará muita opção a quem busca algum senso crítico durante a partida, longe daquela torcida ufanista dos que precisam usufruir das vantagens adquiridas junto ao staff da seleção.

A ESPN, assim como Esporte Interativo e Band, vai viver de mesas redondas e repercussão a distância dos melhores lances em campo, agora com muito mais eco do que alcançava em 2014 nas redes sociais, amplamente multiplicadas nos últimos quatro anos. Ironicamente, talvez venham desses canais, que dispensam reverenciamento aos donos da bola, as informações e análises mais equilibradas.

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Cristina Padiglione

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