Por Cristina Padiglione | Saiba mais
Cristina Padiglione, ou Padi, é paga para ver TV desde 1990, da Folha da Tarde ao Estadão, passando por Jornal da Tarde e Folha de S.Paulo

Da banana de Marco Aurélio à fuga de Weintraub, Brasil de ‘Vale Tudo’ continua aí

Reginaldo Faria e a clássica banana de Marco Aurélio em 'Vale Tudo', ao som de 'Brasil, mostra tua cara...'

Em lembrança que não poderia ser mais precisa, Cristina Serra relata no artigo “Uma retumbante banana ao STF”, publicado nesta Folha,  que a fuga do ex-ministro Abraham Weintraub para Miami a fez lembrar da fuga do vilão Marco Aurélio (Reginaldo Faria) em “Vale Tudo” (1988), no último capítulo da novela criada por Gilberto Braga e escrita por ele, Aguinaldo Silva e Leonor Bassères.

A remissão é perfeita, e por isso tão melancólica.

Faz 31 anos que Marco Aurélio embarcou no seu jatinho particular e, lá de cima, deu uma banana ao Brasil, ilustrado na cena por imagens do Pão-de-Açúcar e da Baía de Guanabara. Pouco antes dessa sequência, vejam que ironia, Regina Duarte, ali dita Raquel Acioli e até outro dia colega de governo do então ministro da Educação, dizia em cena: “Vai ser feita justiça, podem falar o que for, mas vai ser feita justiça! Esse país não é a baderna que tá todo mundo falando, não, a justiça ainda existe”.

Corta. Ao som de Gal Costa cantando Cazuza (“Brasil, mostra a tua cara, quero ver quem paga pra gente ficar assim / Brasil, qual é o teu negócio, o nome do teu sócio, confia em mim”), agentes do andar debaixo da corrupção, em geral envolvidos no esquema dos grandes por acidente, vão para o camburão ou para trás das grades, incluindo a funcionária doméstica de Marco Aurélio e Leila (Cássia Kis), assassina de Odete Roitman (Beatriz Segall), que embarca no jatinho com Marco Aurélio, seu marido.

Regina já estava equivocada.

A melancolia de pensar nesse paralelo entre Weintraub e Marco Aurélio não é apenas que o Brasil tenha voltado algumas casas no tabuleiro: engatamos um flashback de três décadas, com o agravante de lampejos de esperança no meio desse trajeto.

Em 2011, o mesmo Gilberto Braga refez a cena do empresário vilão que embarcaria em seu jatinho para fugir do Brasil, então na novela “Insensato Coração”, por meio de Horácio, personagem de Herson Capri. Surpresa: quando pensa que o avião vai decolar e arma os braços para fazer a fatídica banana, um policial o algema e impede a decolagem.

“O Brasil não aceita mais a impunidade de vinte anos atrás”, disse o autor na ocasião, esperançoso por dias melhores. Afinal, havíamos atravessado o processo do Mensalão e vários políticos haviam enfim sido detidos, embora o empresariado, que compõe a outra ponta da corrupção, ainda fosse bastante blindado.

Herson Capri, o Cortez em ‘Insensato Coração’, algemado logo após imitar Marco Aurélio

Corta.

Em janeiro de 2018, quando o Viva estava prestes a repetir “Vale Tudo”, novela que já havia exibido em 2010, quando o canal pago estreou, muito se falou sobre o sucesso que o enredo ainda encontrava na audiência. O ano marcava 30 anos da produção, e Gilberto então concluiu que antes de ser tratada como uma história atemporal, “Vale Tudo” tinha êxito, mesmo duas ou três décadas depois, porque o Brasil “infelizmente, não mudou nada”. Assim disse-me ele em conversa por telefone na ocasião, como replico aqui.

A despeito da esperança que o motivou a impedir a fuga de Horácio em 2011, o dramaturgo constatou que Marco Aurélio, em 2018, ainda fugiria dando uma banana para o Brasil. “O que você mudaria na novela hoje?”, perguntei a ele em janeiro de 2018. “Nada. Tudo continua igual”, afirmou o autor, lacônico.

Bem que a ficção tentou acreditar que poderia inspirar uma vida diferente. Em 2017, ao fechar a novela “A Lei do Amor”, Maria Adelaide Amaral e Vincent Villari prestaram uma homenagem à cena da banana ao embarcar a vilã de Vera Holtz num jatinho de uma companhia batizada como “Banana Airlines”, mas, assim como Horário, ela foi detida pela polícia antes de decolar.

No ano seguinte, Reginaldo Faria, então em “Pega Pega”, de Cláudia Souto, voltou ao jatinho para tentar mais uma vez dar a banana e escapar da punição, sendo também detido.

No fim das contas, Gilberto Braga tinha razão em 89 e continua tendo razão hoje.

Ao ver a trajetória do nosso ex-ministro da Educação, o dançarino Weintraub, constatamos que a arte imita a vida mesmo quando a novela entra em reprise. Mas que se façam aí algumas ressalvas:
1) a superioridade de Reginaldo Faria e Herson Capri sobre o fugitivo da vez, física e intelectualmente falando.
2) a precisão gramatical do texto de Gilberto Braga, em detrimento do roteirista da vida real, dono de linguajar chulo e habituado a maltratar a língua.

 

‘O Brasil não mudou em 30 anos, por isso a novela continua atual’: Gilberto Braga sobre ‘Vale Tudo’

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Cristina Padiglione

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