Por Cristina Padiglione | Saiba mais
Cristina Padiglione, ou Padi, é paga para ver TV desde 1990, da Folha da Tarde ao Estadão, passando por Jornal da Tarde e Folha de S.Paulo

De volta, ‘Roda de Fogo’ e ‘Salvador da Pátria’ flertam bem com o Brasil atual

Sassá Mutema, personagem que causou furor em 1989 / Divulgação

O Viva enfim confirma para 12 de abril a estreia de “O Salvador da Pátria” (1989), que terá sua primeira exibição pelo canal.

No mesmo período, está previsto para chegar ao GloboPlay outra novela de Lauro César Muniz, “Roda de Fogo” (1986/87), lembrando que sua sinopse era, na verdade, de Marcílio Moraes, que escreveu o folhetim com Muniz.

As duas flertam fortemente com o Brasil atual. “O Salvador da Pátria” espelhou um subestimado Lula em Sassá Mutema (Lima Duarte), em um tempo em que tratavam o ex-presidente, então candidato à presidência pela primeira vez, como analfabeto, porém honesto. Na ficção, ele era usado como laranja do  inescrupuloso político Severo (Francisco Cuoco).

Mas se aquele Sassá acabou por se tornar tão distante do histórico que conhecemos hoje de Lula, que jamais foi analfabeto e cumpriu uma trajetória política ciente de seu propósito, e não por acidente, é triste pensar como o país continua a procurar um salvador, um herói, muitas vezes projetado em figuras pouco expressivas no campo da política.

Hoje, conhecendo a trajetória de Lula à frente da nação, temos um longo enredo de inegáveis benfeitorias ao país, mas também de controvérsias envolvendo velhas práticas da pior política vigente no país, aquela mesma que vitimou Sassá.

De toda forma, o ex-boia-fria da novela de Muniz ressurge ao mesmo tempo em que alguma chance de novo julgamento é oferecida ao ex-presidente, que no momento tem de volta seus direitos de se candidatar a cargo eletivo.

Assim como ele, Sassá também alegava inocência sobre crimes que lhe foram atribuídos.

Corta para “Roda de Fogo”, novela protagonizada por Tarcísio Meira, onde, como bem disse o especialista Fábio Costa, jornalista e pesquisador do universo da telenovela e autor do livro “Novela – A Obra Aberta e seus Problemas”(Giostri Editora), os autores quiseram mostrar “um Brasil que havia saído da ditadura, mas a ditadura não havia saído do Brasil”.

Tarcísio Meira e Bruna Lombardi em “Roda de Fogo” / Divulgação

Reencontrar Renato Vilar (Tarcísio Meira) e seu possível aneurisma -a bolha estouraria a qualquer momento e ele se contorcia de dores de cabeça- é trafegar, infelizmente, pelo Brasil atual.

“Renato era um virtual presidenciável. Isso depois é jogado meio fora porque não demora muito para ele ter a guinada de querer ser gente, diante da perspectiva da morte”, lembra Fábio Costa.

Assim, a projeção de presidenciável é um elemento que acabou não levantando voo. “Até porque no momento da novela”, lembra Costa, “a questão da sucessão em si não era uma coisa tão flagrante, o pessoal estava numa certa instabilidade: queríamos tirar o Sarney, mas o Cruzado atravessava um momento de êxito, e o Sarney legitimou-se”.

“Mas o link de 1986 para hoje no enredo da novela é que o Renato é um [similar  de ] Oderbrecht: ele tem ramificações na política, para a defesa dos seus interesses, ele tem banqueiros na mão, até por lavar muito dinheiro, e todos ganharem com isso, ele é casado com uma sobrinha de um general da Ditadura, que é o general Hélio Dávila (Percy Aires). A ‘Roda de Fogo’, que é composta por eles –o Hugo Carvana, que é o político, o banqueiro, que é o (Carlos) Kroeber, o próprio Renato, que é a força empresarial, tem o Mário (Cecil Thiré), que é o advogado, futuro ministro do STF, e ele emprega esse ex-torturador, que foi torturador da Maura (Eva Wilma), paixão ou caso do Renato.”

O ex-torturador, papel de Cláudio Curi, trazia no personagem e nas relações com o chefe uma abordagem gay até então inédita na TV brasileira. O assunto nunca fora abordado de modo tão explícito. Evidentemente, não havia beijo na boca, mas as cenas deixavam clara a insinuação sexual entre eles, feito heroico para a época.

“Roda de Fogo” também inspirou uma das melhores paródias que conhecíamos até então, por meio do brilhante trabalho da turma do “TV Pirata”. Luiz Fernando Guimarães vivia o protagonista de “Fogo no Rabo”, ao lado de Regina Casé e Débora Bloch, com Diogo Villela, Louise Cardoso e Ney Latorraca, o Barbosa. A TV, naquele tempo, não sabia rir de si, daí o vanguardismo dessa sátira.

Que venham as duas tramas. Conhecer o passado, em ficção tão engajada como são os casos de “O Salvador da Pátria” e “Roda de Fogo”, sempre ajuda a iluminar os passos a seguir. Como costumo dizer,  visitar o ontem favorece uma reflexão sobre o amanhã.

Curta nossa página no Facebook e siga-nos no Twitter

Cristina Padiglione

Cristina Padiglione