Por Cristina Padiglione | Saiba mais
Cristina Padiglione, ou Padi, é paga para ver TV desde 1990, da Folha da Tarde ao Estadão, passando por Jornal da Tarde e Folha de S.Paulo

Debates da Band e da Cultura expõem falta de empenho das grandes redes de TV

Encontro promovido pela TV Cultura no Memorial da América Latina, em São Paulo / Reprodução

Finado o debate promovido pela TV Cultura entre todos os candidatos à prefeitura de São Paulo, há pouco, no Memorial da América Latina, podemos dizer que faltou empenho e disposição das grandes redes de TV em realizar os seus tradicionais encontros entre postulantes a cargos públicos executivos.

A Band foi a primeira rede a realizar debate neste pleito municipal, mostrando que, sim, era possível trabalhar no formato de um confronto de ideias com os devidos cuidados impostos pela pandemia. Cada candidato só pode levar consigo dois assessores e a tradicional plateia no estúdio, em geral formada pelo exército de assessores, esposas, maridos e afins, foi suspensa. Os fotógrafos se revezavam para clicar os candidatos no estúdio e as máscaras foram adotadas para todos, inclusive os aspirantes à prefeitura, sendo retiradas só durante as falas de cada um.

Mesmo assim, Globo, Record e SBT, as três maiores redes de TV aberta, e portanto donas das maiores plateias do país, declinaram da iniciativa, alegando questão de segurança.

Ora, a Globo e a Record gravam até novelas desde agosto. A Globo faz competição de dança que aboliu até o uso de máscaras em cena. Por que não seria possível promover um debate em um espaço grande, com divisórias, como fez na noite desta quinta-feira a TV Cultura?

A Globo chegou a propor um encontro apenas entre os quatro candidatos mais bem colocados nas pesquisas, mas os partidos dos demais concorrentes não teriam concordado com isso e a legislação eleitoral não permite que uma estação de rádio ou TV deixe de convidar algum dos candidatos.

O UOL e a Folha de S.Paulo realizaram debate em São Paulo na quarta-feira (11) justamente com os quatro candidatos mais bem colocados nas pesquisas, prerrogativa da legislação eleitoral fora de rádio e TV. O encontro lançou uma novidade, a primeira em anos capaz de desamarrar o formato engessado que vem dominando os debates ao longo dos últimos 20 anos: os candidatos dispunham de um banco de minutos para apresentarem suas explanações, sem ficarem atrelados a tempo determinado para perguntas, réplicas e tréplicas. É uma ideia a ser considerada para os debates a seguir, inclusive na TV.

Na véspera, terça (10), o jornal O Estado de S.Paulo promoveu debate também em São Paulo com os seis postulantes à prefeitura mais bem posicionados.

É de se perguntar o que houve com Globo, Record e SBT, se o encontro funcionou para outras empresas de comunicação?

A Cultura saiu de seus estúdios e usou o grande auditório Simon Bolivar, no Memorial da América Latina, vizinho, aliás, da sede da TV Record, na Barra Funda, para montar o cenário do debate. A engenharia para tanto é infinitamente mais simples do que gravar cenas de beijos em novelas, por exemplo, o que vem acontecendo nos estúdios do Rio de Globo e Record.

Diretor de Jornalismo da TV Cultura, Leão Serva mediou o encontro desta quinta, último antes do primeiro turno, e avisou, ao final, que havendo segundo turno em São Paulo, os dois concorrentes participarão de um Roda Viva no próximo dia 23, tendo metade da edição para cada um. Os possíveis adversários em 2º turno já concordaram com a data e as condições, segundo Serva.

Globo, Record e SBT preveem debates em segundo turno. O primeiro encontro em São Paulo e Rio será promovido pela CNN Brasil, canal pago, mas com transmissão gratuita pela internet, nesta segunda-feira (16) e terça (17), respectivamente. Na quinta (19), a Band realiza o seu debate de segundo turno.

Relembre aqui o comunicado da Globo sobre a iniciativa de não produzir debates neste ano:

“Desde o início da pandemia, a Globo tem se esforçado ao máximo para esclarecer o público sobre como evitar o contágio pelo coronavírus. Como prestam um serviço essencial, seus jornalistas não pararam de trabalhar, mas seguem um rígido protocolo para evitar ao máximo que adoeçam.

No planejamento para cobrir as eleições municipais, acreditou-se que o país chegaria a outubro com taxas de contágio sob controle, o que, infelizmente, não ocorrerá. Há outro aspecto: o elevado número de candidatos a prefeito em quase todas as cidades, como Rio de Janeiro, São Paulo e Belo Horizonte, para citar apenas três, com dez ou mais candidatos. Isso impõe grandes desafios.

Para se ter uma ideia, com dez candidatos, considerando que cada um possa ser acompanhado de apenas dois assessores (no passado esse número era superior a dez), haveria 30 pessoas ligadas às campanhas no estúdio num debate de primeiro turno. Acrescentando a equipe da Globo minimamente necessária para realizar o evento com qualidade, esse número supera 200 pessoas, incluindo jornalistas, câmeras, produtores, profissionais da sala de controle técnico, tecnologia, comunicação, operações e segurança (num debate normal, com plateia e convidados, é o dobro disso). Não há protocolo sanitário que garanta a saúde aos profissionais da Globo e aos candidatos.

Além disso, a severidade da legislação eleitoral não permite que a Globo possa exigir que sejam cumpridas as medidas de precaução (realização de certo número de testes necessários anteriores ao debate, afastamento entre as campanhas no estúdio, respeito aos espaços delimitados pelos painéis de acrílico, posicionamento no estúdio, uso de máscara o tempo todo por assessores). Também não permite que o candidato seja impedido de participar do debate ou dele afastado caso não cumpra as medidas. Isso é grave. Recente ato oficial em Brasília mostrou que, mesmo medidas de precaução, como painéis de acrílico separando autoridades, uso de máscaras e presença limitada a um mínimo, não evitaram que um surto fosse atribuído ao evento.

A alternativa de fazer um debate de forma remota não é possível. Os candidatos precisam ser tratados de forma equânime e ter as mesmas condições, e o público precisa perceber isso. Um candidato pode injustamente ser acusado de estar com ponto eletrônico, de estar recebendo ajuda de assessores, por exemplo. A transmissão pode cair num momento importante do debate, e a Globo ser injustamente acusada de ser a culpada ou, da mesma forma, e também de forma injusta, o candidato ou sua campanha serem acusados de terem provocado a interrupção para fugir de um momento difícil.

Por tudo isso, a Globo decidiu que só fará debates no primeiro turno onde haja acordo entre os partidos para que apenas os quatro mais bem colocados candidatos na pesquisa eleitoral mais recente (Ibope ou DataFolha) participem dos debates. A Globo vai lutar por esse acordo. O debate de segundo turno permanece com a data prevista.

Da mesma forma, as entrevistas em estúdio com os candidatos também não serão feitas. A característica dessas entrevistas é terem tempos iguais para todos e mesmo grau de dificuldade. São feitas em muitos dias consecutivos, com os candidatos sentados próximos dos entrevistadores e dos câmeras. E os candidatos comparecem a elas com assessores. É impossível conhecer o nível de exposição de candidatos ao vírus durante uma campanha. Não se pode garantir como interagem com os eleitores nas ruas. Os estúdios da Globo são ambientes altamente controlados para evitar contágio de seus profissionais. O risco de submeter suas equipes ao coronavírus por dias seguidos de contatos com candidatos em permanente exposição às ruas é muito alto. Pelas mesmas razões elencadas sobre debates, não é possível realizá-las de maneira remota.”

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Cristina Padiglione

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