Por Cristina Padiglione | Saiba mais
Cristina Padiglione, ou Padi, é paga para ver TV desde 1990, da Folha da Tarde ao Estadão, passando por Jornal da Tarde e Folha de S.Paulo

Dilma comenta pela primeira vez filme sobre presídio onde ficou na ditadura

Dilma em depoimento ao documentário 'Torre das Donzelas' / Divulgação

O Canal Brasil exibe na madrugada desta terça para quarta-feira (31) o premiado filme “Torre das Donzelas”, como era chamada uma ala de celas femininas no alto do Presídio Tiradentes, em São Paulo, durante a ditadura militar. A exibição será precedida por uma conversa inédita entre a cineasta Suzanna Lira, que assina o documentário, e a repórter Maria Clara Senra com a mais ilustre das personagens citadas no longa, a ex-presidente Dilma Rousseff.

É a primeira vez que Dilma fala sobre “Torre das Donzelas”, que resgata a memória daqueles dias de cárcere com presas políticas.

“A nudez é muito pior para a mulher do que para o homem. Principalmente porque os torturadores eram só homens. Eu nunca tive uma torturadora mulher”, diz a ex-presidente no filme, trecho escolhido para abrir a conversa entre elas, que vai ao ar à 0h10. O filme entrará em cena à 0h30.

“Nós conseguimos criar um coletivo que ajudava cada uma de nós a viver sua experiência na prisão e nos fortalecia. A prisão é uma coisa interessante: é o controle do tempo e do espaço, como já dizia Foucault. O que nós conseguimos foi ampliar o espaço e sermos senhoras do nosso tempo”, diz a ex-presidente.

“Nós conseguimos portas abertas, o coletivo conseguiu negociar, foi uma negociação que não era com autoridade, era com as mulheres carcereiras. E ganhamos o tempo porque nós definíamos o que fazíamos no nosso tempo, nas 24h. Definimos também pela apropriação das nossas vidas: nós é que fazíamos a nossa comida. Resistir também significa entender a tortura, compreender como era e como foi. Porque tinha um processo dessa prisão.”

Dilma lembra ainda de uma frase: “Está escrito assim, lá em cima ‘Feliz do povo que não tem heróis’. Eu achei meio chocante. É do [Bertold] Brecht, essa frase. Mas realmente é feliz o povo que não tem heróis, no sentido de que não precisa de heróis. O povo que não precisa de heróis é um povo livre.”

A cineasta Susanna Lira com Dilma Rousseff / Acervo pessoal

Sim, parece distante, mas não faz muito tempo, já tivemos uma presidente que citava Foucault e Brecht.

Susanna refaz a trajetória do filme, que começou a ser rodado em 2011, quando Dilma estava no poder: “A gente estava com a Comissão da Verdade e a Comissão da Anistia bombando no país. E essa memória era algo que precisava ser lembrada e ser documentada para as próximas gerações. Ao passo que o filme foi andando, as coisas foram mudando muito. A gente gravou no estúdio no meio da defesa do impeachment da Dilma, do golpe que a Dilma sofreu. E aí a ideia do filme também foi mudando.”

O filme, que nasceu sob o propósito de ser um filme de memória, acabou por se tornar um “filme de resistência, de falar ‘vocês não podem negar o que aconteceu neste país'”, lembra a diretora. “Quando o filme foi exibido no Festival de Brasília, ele já era uma outra coisa também. Tudo o que foi construído, a história dessas mulheres, não foi em vão. Nada foi em vão. Não existe perda, só existe investimento em história”, comemora.

A repórter do Cinejornal do Canal Brasil questiona ainda sobre o desmanche da cultura no atual governo, ao que Dilma responde: “Como tudo, é um retrocesso, um processo de destruição. Mas tem um problema, uma má notícia para eles: eu acho que tem muita força na cultura pela indignação que produziu nos artistas. Eu acredito muito numa reação que vem agora pós-pandemia. Eu acredito que a cultura vai reagir, por mais restrições que eles tenham, por maiores que sejam as tentativas de sufocar”.

Para Susanna, a reação se explica pela própria natureza da arte: “O nosso papel como realizadores e como artistas é, sim, trazer pensamentos críticos e confrontos. Se este governo não sabe lidar com a gente, ele vai ter que aprender ou ele vai sair daí. Porque desde que a arte surge no mundo, ela surge com este papel.”

Ao comentar sobre outros filmes de que se tornou protagonista, como “O Processo” e “Democracia em Vertigem”, a ex-presidente afirma que “o cinema é uma mídia mais forte que qualquer outra porque ele te emociona mais fácil”. “Vendo filme eu choro, eu rio, eu participo. O cinema tem isso, é uma viagem. Então, quando eu vejo isso no cinema, eu vou te dizer o seguinte: é uma parte da história.”

 

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Cristina Padiglione

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