Por Cristina Padiglione | Saiba mais
Cristina Padiglione, ou Padi, é paga para ver TV desde 1990, da Folha da Tarde ao Estadão, passando por Jornal da Tarde e Folha de S.Paulo

Diretor de ‘2 Filhos de Francisco’, Breno Silveira conta que Zezé quis tirá-lo do filme

Diretor de “Dois Filhos de Francisco”, além de filmes como “Gonzaga – De Pai Para Filho” e das séries “Um Contra Todos” (FOX) e “Entre Irmãs” (Globo e Globo Filmes, com versão em longa-metragem), Breno Silveira deu uma aula e tanto no encerramento da 3ª edição do NETLabTV, nesta quarta, em São Paulo. Trata-se de um concurso de roteiros de projetos para a televisão promovido pelo Instituto NetClaro Embratel e pela Casa Redonda, especializada em roteiros.

Questionado sobre os caminhos tomados em suas obras, Breno driblou a cilada de ensinar cartilhas ou métodos. Disse que antes de mais nada, é preciso ter um bom personagem e, a partir dele, contar uma boa história. E iniciou sua palestra para uma plateia de aspirantes a roteiristas e profissionais do ramo contando sobre o rico processo de criação de seu primeiro filme, “Dois Filhos de Francisco”, que narra a trajetória da dupla Zezé Di Camargo e Luciano pelo olhar do pai dos cantores.

“O Zezé bateu na [produtora] Conspiração dizendo: ‘quero fazer um filme sobre a minha vida com a grife da Conspiração’. Todos os diretores fugiram dele, inclusive eu. Carioca, nem ligava pra música sertaneja, ninguém queria. A primeira música que eu cantei pra ele, pra mostrar que eu conhecia o repertório dele, era do Chitãozinho e Xororó. Mas eu falei: ‘a sua história é uma loucura, não dá pra fazer’.

Aí, a Patricia Andrade e a Carolina Kotscho, que até então não eram roteiristas, foram até a casa do Zezé escutar a história toda e voltaram dizendo: ‘Você tem que fazer a história dele, é drama puro e você sabe fazer drama’. Elas começaram a contar a história das fichas telefônicas do Seu Francisco, e no meio do nosso café, falaram: ‘quer ir lá conversar com o Zezé?’ E eu falei: ‘não, me bota com o pai deles’.

Fui até Goiânia, ele me botou num carro com ele e o chofer, foi comigo até a casinha onde os filhos nasceram, chorou, coisa e tal, e então eu liguei para o Zezé e falei que ia contar a história do pai dele. Ele falou: ‘Mas eu não vou cantar, não vou aparecer no filme?’ ‘Não, é a história do seu pai, aquele personagem me encantou’, disse.

Aí ele quis me tirar do filme, é um negócio que acabou dando certo por caminhos tortos. O engraçado é que cada um da família contava a história de um jeito e agora todos eles contam a história de acordo com o filme.”

Após o filme, conta, muita gente vinha lhe contar sua história, de graça, do nada. E foi uma dessas que ele levou até a FOX em 2014, quando Zico Goes acabara de assumir o comando das produções nacionais da programadora. Era a história de um advogado confundido com traficante que era preso como tal e se via forçado a agir como se fosse o super traficante na cadeia, onde, pouco tempo depois, chegaria o verdadeiro criminoso.

Zico Goes (à esq.), Aleksei Abid e Breno Silveira (à dir.) durante o NETLabTV

Zico ouviu tudo à beira de um café qualquer e logo foi perguntando a Breno: “E aí , vamos fazer?”. “Eu disse: ‘quando?’, e ele respondeu: ‘no meio do ano'”, contou Breno, que continua: “Isso é a coisa mais bonita que um diretor pode escutar. Ele pediu quatro meses para entregar o roteiro pronto.”

Zico confirma: “Eu tinha acabado de chegar à FOX, nem sabia com quem eu tinha que falar, e foi a primeira série dele e foi  minha primeira na FOX. Estreou em 2016. Foi uma intuição fodida porque esse cara me transmite uma confiança incrível.”

Resumo da ópera: na próxima semana, a FOX lança a 3ª temporada de “Um Contra Todos” e já engata uma quarta safra da série que hoje só perde em audiência no canal para “The Walking Dead”. O título é o segundo brasileiro da programadora que mais faz sucesso na América Latina (perdendo apenas para #MeChamaDeBruna, sobre Bruna Surfistinha. Vendo que a primeira temporada deu tão certo, Zico logo avisou Breno: “vamos para a segunda temporada?” E o diretor se assuntou. “Que segunda temporada? Acabou a história!”.

É que o relato real que havia inspirado a série havia se esgotado na primeira temporada. Agora, com mais duas safras, Breno teve de inventar um bom desdobramento para Cadu, o protagonista de Julinho Andrade, indicado ao Emmy.

Breno prosseguiu contando sobre processo de criação e todos os meandros que envolvem um roteiro, sempre valorizando dramas humanos, sem transformá-los em melodrama. Contou que freou o ímpeto de um câmera que quase ia fechando um close em Dira Paes na cena em que Dona Helena encontra o caixão com o filho morto, em “Dois Filhos de Francisco”. E que quando se viu com Marjorie Estiano e Nanda Costa no sertão, para filmar “Entre Irmãs”, sem conseguir lhes dar o retorno que ele normalmente dá a atores homens, pensou nas duas filhas e tratou cada atriz como se fosse uma delas para orientá-las em cena.

Os dramas humanos, ensinou, são universais e atemporais, o que “Entre Irmãs”, narrativa dos idos de Getúlio Vargas, ocorrida no Recife, também endossa. A história, que se passa no início do século passado,  foi a maior audiência da Globo na faixa horária após a novela entre 2017 e 2018, superando outras séries e até “BBB”, com 30,5 pontos de média no PNT (Painel Nacional de TV) do Kantar IBOPE Media, para seus quatro episódios. A média de participação da Globo no universo de televisores ligados no horário foi de 51,8% de participação entre os televisores ligados.

 

“A gente nunca sabe fazer roteiro, a gente vai investigando, tentando aqui e ali, reescrevendo. Eu tive que ir pra Globo pros caras me darem uma aula sobre gancho (suspense que encerra cada capítulo, a fim de trazer o espectador de volta no dia seguinte).

“A gente continua levando isso pra todos os personagens, não interessa se ele viveu o tempo todo na cadeia ou se é uma menina que veio do nordeste. Esse negócio de ‘aqui está o mal e aqui está o bem’ eu acho horroroso”.

Breno explicou sobretudo que não há fórmula para contar uma boa história. Mas é preciso saber ouvir e saber relatar. “Muita gente pode conhecer uma boa história, mas eu preciso de alguém que saiba contar essa história”, confirmou Zico, celebrando a longevidade de “Um Contra Todos”.

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