Por Cristina Padiglione | Saiba mais
Cristina Padiglione, ou Padi, é paga para ver TV desde 1990, da Folha da Tarde ao Estadão, passando por Jornal da Tarde e Folha de S.Paulo

Doutor em telenovela fala sobre legado de ‘deusa da telenovela latina’

Delia Fiallo e Mauro Alencar no Congresso Mundial de Telenovela e Séries de Ficção, em Miami, 2012 / Acervo pessoal

Chamada como “deusa” ou “mãe” da “telenovela latina”, a cubana Delia Fiallo morreu no último dia 29, aos 96 anos, aparentemente de causas naturais, deixando um legado relevante para o continente e também para este pedaço gigantesco de terra onde se fala português e onde o amor pela novela está longe de se esgotar.

Figura essencial na criação do melodrama que ganhou fôlego na América Latina, com foco na Televisa, rede mexicana que produz o maior volume do mundo no gênero, Delia veio da radionovela, como lembra Mauro Alencar, doutor em teledrasmaturgia pela USP.

Quando menciono a Alencar que Glória Magadan, também cubana, era quem trazia histórias de sucesso de países vizinhos para serem adaptadas aqui, ainda nos primeiros anos da telenovela no Brasil, ele faz a devida ressalva: “Delia foi além”, e encontra no Brasil equivalência em Janete Clair e Ivani Ribeiro, nossas matriarcas de telefolhetins, igualmente oriundas do rádio.

Magadan, na verdade nascida Magdalena Iturrioz, era menos uma criadora e mais uma espécie de curadora de dramas e de suas necessidades de adaptação no Brasil.

Fiallo, autora de sucessos como “Esmeralda”, Lucecita”, “Kassandra” e “A que não Podia Amar” foi um ícone dessa espécie que se espalhou pela indústria da telenovela latina, normalmente emprestando a mulheres fortes o protagonismo absoluto de suas histórias.

“Todas essas gandes autoras e autores, mas sobretudo as mulheres, foram impulsionadas pela indústria de sabão em pó”, recorda. Empresas como a Colgate-Palmolive bancavam os salários das dramaturgas, contratadas diretamente pelo anunciante, assim como acontecia com autores como Walter George Durst, Benedito Ruy Barbosa e Walther Negrão no Brasil, e também com Janele Clair e Ivani Ribeiro.

“O legado dela foi a base do melodrama, do folhetim, sempre com uma visão altruísta ao final da história: o bem deveria prevalecer. Ela tinha uma visão muito ampla do leque humano”, cita Alencar, autor do livro “A Hollywood Brasileira — Panorama da Telenovela no Brasil”.

“O ponto central dela era a mulher: a maior parte dessas novelas traz nomes de mulheres. Lucecita me lembra um pouco a babá Nice (Susana Vieira em ‘Anjo Mau’, depois refeita com Glória Pires) e o Cassiano [Gabus Mendes, autor da trama] tinha um pouco essa linha, nos anos 70.

O crescimento de Fiallo passa por sua emigração de Cuba em direção a Miami. O bloqueio imposto à ilha de Fidel Castro, com quem a autora se desentendeu, não favorecia a expansão de seu trabalho pelos países vizinhos.

Como naquela época o financiamento dessas produções vinha diretamente da indústira anunciante e a única publicidade em Cuba era em prol do regime, jamais de consumo de bens, ela encontrou outros horizontes fora de seu país. Logo começaria a trabalhar para rádios e TVs do México e da Venezuela.

Alencar lembra que foram os dramaturgos homens que acabaram levando o personagem masculino para o centro da novela. Nomes como Dias Gomes, Jorge Andrade, Braulio Pedroso e Lauro César Muniz acabaram estendendo para a TV a habilidade que traziam de grandes obras do teatro.

“Já o meledrama  tem a mulher como eixo central, a grande mãe, a provedora do lar, da vida, que gera filhos, que encanta. Delia tinha essa percepção.”

Atriz e jornalista, Amanda Ospina é diretora e editora da revista TV MAS, sediada em Miami. Profissional que organizou 13 encontros mundiais da indústria da trelenovela e de séries de ficção, ela conheceu Delia de perto.

Convidada pelo TelePadi a dar um depoimento sobre a “deusa”, Amanda nos enviou longo relato sobre sua convivência com a dramaturga.

“Tive a honra e a felicidade de conhece-la pessoalmenteuve, quando, como atriz, fui coprotagonista de um curta-metragem de drama filmado em Miami e escrito por Marian Oquendo, amiga e quase irmã de Delia Fiallo.”

“Realizei meu sonho de criança, mas não imaginava que dez anos depois, já como diretora da TVMAS e criadora e organizadora do 1ª Cúpula Mundial da Indústria da Telenovela, com o convite especial que ela atendeu, nos tornaríamos tão próximas.”

“Suas telenovelas alcançaram milhões por três gerações, nas décadas de 70, 80 e 90. Na minha opinião, as obras de Delia Fiallo têm um carimbo particular na esturutra, narrativa, design de personagens e discussão dramática que vai do início ao fim em suas histórias. Ela sempre manteve a imaginação, sentido de observação e criatividade como culto do escrever bem e principalmente, sem trair a história ou os personagens.”

Ospina conta que Delia tinha o hábito de escolher os atores para os seus personagens, especialmente os protagonistas e antagonistas, e tinha uma sensibilidade incrível para selecionar seus vilões. E dizia aos atores: “Vocês têm liberdade para criar em suas interpretações, mas jamais mudem nem uma só palavra do que os personagens querem expressar através de minhas histórias em meus scripts”.

A jornalista ressalta ainda que as releituras de suas tramas não tiveram metade do êxito das versões originais. “Os produtores estão destruindo minhas histórias”, dizia a dramaturga.

“Ela soube aproveitar seus estudos e um doutorado em Filosofia e Letras para, de maneira responsável, emocionante e entretida, explorar temas quentes, que eram tabus em sua época, como a homossexualidade, as drogas, a infidelidade e o poder de superação da mulher, entre outras mensagens que tiveram impacto positivo na audiência.”

Boa parte da obra de Delia está na Televisa. Viúva desde 2019 do diretor de rádio Bernardo Pascual, com quem foi casada por 67 anos, a dramaturga deixou cinco filhos e 13 netos.

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Cristina Padiglione

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