Por Cristina Padiglione | Saiba mais
Cristina Padiglione, ou Padi, é paga para ver TV desde 1990, da Folha da Tarde ao Estadão, passando por Jornal da Tarde e Folha de S.Paulo

Duvivier se sente o comediante do Titanic na volta do Greg News

Gregório Duvivier aborda a covardia na abertura desta 5ª temporada do programa. Foto: Divulgação

A missão de fazer rir em meio à tragédia dá a Gregório Duvivier a sensação de ser o humorista do Titanic, como ele já disse em sua mais recente crônica na Folha e como volta a nos falar nesta entrevista, por ocasião da estreia da nova temporada do Greg News na HBO.

Atento aos detalhes que se escondem por trás das cortinas de fumaça useiramente lançadas pelo atual governo, o Greg News, na HBO, é um alento para esses tempos de negação à ciência e de ódio à informação. Mesmo que os bolsonaristas não se deem ao trabalho de pensar (e daí de assistir ao semanal comandado por Gregório Duvivier), as edições ganham ouvidos para além da bolha contrária, provocando ou endossando movimentos úteis a mudanças positivas, como os protestos dos entregadores  via aplicativos, tema de uma das primeiras edições de 2020, no auge dos pedidos de delivery.

A partir desta sexta (9), após quatro meses de ausência, finalmente teremos o programa de volta, em seu horário de sempre, 23h, com disponibilização no YouTube já na manhã de sábado.

Esta é a 5ª temporada do Greg News, que terá a covardia como tema de estreia, e nada mais propício para ilustrar a situação em que o governo se encontra neste momento. Greg conversou com o blog por dez minutinhos cronometrados pela HBO na véspera desta estreia. Confira abaixo:

TelePadi – Você já gravou o programa que vai ao ar amanhã, estreia da 5ª temporada do Greg News?

Gregório Duvivier – Quinta temporada, cara. Sim, já gravei ontem, gravei na quarta, gravo sempre dois dias antes e já estou trabalhando no da semana que vem. O de amanhã (sexta) é sobre covardia.

TPQue é sobre?

Greg – Jair Bolsonaro.

Risos de entrevistado e entrevistadora

TP – É, deveria achar que é óbvio, mas é que covardia hoje, de certa forma, abrange os três poderes.

Greg – É, perfeito, no fundo você matou a charada. É sobre Bolsonaro, sobre a gestão que ele faz da pandemia, mostrando que ele está sendo corajoso com a vida alheia, com a vida dos outros, mas é também sobre a covardia das instituições, que não estão funcionando e que acabam muitas vezes se acovardando, em vez de cumprir suas funções.  O Celso Rocha de Barros, que eu adoro, tinha outro dia uma coluna falando: ‘Quem deve ser preso por Bolsonaro estar solto?‘ Para o Bolsonaro estar livre, solto, muitas instituições precisam não estar funcionando. Então, a gente fala muito disso, também, de como a gente foi colocado nesse estado letárgico e como ele brinca com isso, presidente, ameaçando prender um aqui, outro ali, processando um aqui, outro ali, e isso vai minando as instituições, que hoje em dia já estão super acovardadas.

TP – Vocês conseguem, no começo da temporada, ter uma ideia de todos os temas do ano? A gente já falou sobre isso antes: desde que este governo começou, não tem um dia igual ao outro, é sempre uma surpresa, e mesmo gravando dois dias antes, há o risco de as coisas mudarem, embora o programa não se paute por coisas efêmeras. Mas dá para fazer uma previsão de temas para a temporada toda?

Greg – Dá, a gente fica sempre nesse entre-lugar, a gente não quer fazer um programa que não dialogue com o que está acontecendo, e, ao mesmo tempo, a gente tem que fazer algo que não mude do dia pra noite porque a gente quer ter justamente um outro olhar sobre os temas, que não é o olhar das redes sociais e dos trending topics, a gente tenta, em geral, ter um olhar mais aprofundado. E evita temas que a gente sabe que vai mudar tudo até amanhã. A votação de hoje da Câmara dos Deputados a gente evita falar, não faz a cobertura do que está acontecendo agora na Câmara. Mas, no fundo, pra mim é um certo alívio, no sentido de que tudo muda o tempo todo nesse governo. Eles adoram ficar tirando e pondo ministro, aí tira, põe de volta, troca o comando do exército. Ficar cobrindo isso é muito exaustivo, pra gente e para o público. A gente evita falar sobre essas mudanças cosméticas e tenta falar sobre os problemas de fundo desse governo e do Brasil, de modo geral, que não mudam de quarta pra sexta, infelizmente.

TP – Vocês passaram o ano todo de 2020 gravando na casa da sua mãe, e agora vão para um pequeno estúdio. Acho que há uma dificuldade com a ausência de uma plateia que esboce uma reação ao que você está fazendo, não? Alguém vai estar ali pra te assistir e dar algum feedback nesse novo estúdio?

Greg – Exatamente, até o que eu falo no programa é que eu me sinto o comediante do “Titanic”. Não tem o violinista do “Titanic”, que fica tocando ali? Eu me sinto o comediante do “Titanic”.

TP – Eu li sua crônica na Folha, é exatamente isso, porque é um programa de humor que traz reflexão, mas também vai dando uma certa melancolia falar sobre os assuntos que a gente tem que abordar.

Greg – Exatamente, eu adoro humor com tristeza, o humor que eu mais gosto tem a ver com drama, mesmo, os humoristas que eu mais gosto são palhaços meio tristes. Agora, tristeza é uma coisa, tragédia, é outra. Na tragédia, o risco de o humor entrar atravessado e irritar as pessoas, em vez de confortá-las, é muito grande.

Agora tem um tipo especial de tragédia que a gente vive, que é uma tragédia sanitária. Então, não pode nem ter a proximidade e a aglomeração, que, em geral, é o que conforta as pessoas na tragédia. Tragédia, pelo menos, tá todo mundo junto se abraçando, e hoje em dia a gente não tem nem mais o direito a isso.

Tem uma assepsia que incomoda muito a todos, claro, mas no humor, especialmente, porque você não tem mais a resposta. Então, tem que criar mecanismos. O meu mecanismo é a minha irmã, que fica ali no canto, ela é que filma, ela é quem faz tudo, ela grava, ela faz som, faz tudo, faz até as fotos de divulgação, ela é que cortou o meu cabelo, e eu tô ali tentando fazer ela rir. Ela tá ali atrás da câmera, então ela é meu retorno.

Antes tinha minha mãe, esse ano não tem nem minha mãe, porque a pandemia ficou pior ainda, e nem minha mãe mais tá na plateia, porque ela ainda não foi vacinada. A gente está até pensando em fazer, mais pra frente, uma plateia só com vacinados, só senhores, com mais de 60. Eu tô vendo aí se tem um risco sanitário envolvido, tem que analisar primeiro se o vacinado já pode assistir a alguma coisa com certo distanciamento.

TP – Tem o “The Voice+”, agora vai ter o “Greg News+”

Greg – Adorei, já tem o nome

TP – Teve um programa em que você voltava de férias e fazia um compacto frenético de tudo o que ficou faltando abraçar no período de férias. Vai ser possível contemplar agora tudo o que ficou faltando nesse período? Qual é o esboço do semestre?

Greg – O que eu mais talvez tenha gostado do ano passado foram os nossos programas, eu diria, mais filosóficos. Programas que a gente pegou um tema e se aprofundou nele. Tem o “Leveza”,  que a gente fala de leveza, eu eu acabei cantando lá com a minha família o Tom Zé. Tem outro que eu adoro, que é o “Cuidado”. A gente terminou a temporada falando de “Família”. Eu gostei muito de a gente se aprofundar em conceitos que vão além da correria do dia a dia, que são uma chance de a gente parar e pensar um pouco sobre essas palavras que a gente usa o dia inteiro, como “cuidado”. Eu falo “cuidado” pra minha filha o dia inteiro, ouço “cuidado” também, a gente parou no “cuidado” pra falar da economia do “cuidado”, de como o “cuidado” é mal remunerado no Brasil, ele precisa ser contabilizado na economia.

A gente está também com esse exercício esse ano, de pegar palavras que se tornaram correntes no nosso dicionário e escarafunchá-las, destrinchá-las, então, estamos vendo quais são os conceitos que falam muito sobre a gente. A gente vai abrir com covardia, que é também uma maneira de falar de coragem.

Mais pra frente, a gente estava querendo falar de juventude: o que significa ser jovem hoje, com o mundo e o colapso ambiental. A gente quer falar também de Área VIP, de como o Brasil é uma grande área VIP, de carteirada. A gente vai falar, por exemplo, que o Bolsonaro transformou a coletiva de imprensa num cercadinho, ele botou área VIP até na relação com jornalistas, tem um chiqueirinho ali que ninguém consegue entrar, a não ser os fãs dele. Ele levou até para a relação com a imprensa esse conceito que é muito brasileiro de área VIP e cercadinho, mas isso serve também pra falar de vacina.

Vacina está cada vez mais restrita ao cercadinho. Então, é o mesmo tipo de relação, a relação da carteirada. Eu adoro quando a gente consegue tecer teorias que vão além do dia a dia e ajudam a gente a entender um pouco mais esse enigma que é o país que a gente vive.

TP – E daí porque o programa não fica datado quando a temporada termina, é possível ter um material que é atemporal.

Greg – Exatamente.

Abaixo, um link para o último episódio de 2020, sobre família.

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Cristina Padiglione

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