Por Cristina Padiglione | Saiba mais
Cristina Padiglione, ou Padi, é paga para ver TV desde 1990, da Folha da Tarde ao Estadão, passando por Jornal da Tarde e Folha de S.Paulo

Eliane Giardini se emociona ao falar de Zana: ‘diretor bota a rede e diz: ‘pula!’

Eliane Giardini, entre o diretor Luiz Fernando Carvalho e o escritor Milton Hatoum

Foi com alguma surpresa que Eliane Giardini descobriu, aos 64 anos de idade, e pelo menos 40 de profissão, que é capaz de improvisar. Soube disso durante o intenso processo de preparação de elenco para a minissérie “Dois Irmãos”, como disse durante o debate que promoveu o lançamento de mais um Cadernos Globo, pela Globo Universidade (Assista a Esse Livro), na tarde desse domingo, no Teatro Eva Herz, Livraria Cultura do Conjunto Nacional, em São Paulo.

Eliane estava acompanhada do autor do livro, Milton Hatoum, do diretor da série, Luiz Fernando Carvalho, e de Maria Camargo, que adaptou o livro para o formato de minissérie em dez capítulos. Durante os ensaios, Eliane deveria se entregar a algum improviso que a aproximasse de Zana, a mãe dos gêmeos Yaqub e Omar, e mulher de Halim. E improvisar, conta, era algo que lhe parecia impossível até então.

“Improvisação, pra mim, sempre foi muito difícil de fazer. São muitos olhos em cima de você, você quer ser criativa, quer ser linda… Era uma coisa que me bloqueava. Mas a gente encontrou uma forma muito boa de fazer Ele (Luiz Fernando) me colocou vendas nos olhos. Pra mim foi a maior libertação da minha vida. Eu passei a não ter medo de improvisação nesse trabalho. Você vê que a vida nos reserva sempre muitas surpresas, muitas descobertas. Ali, naquele momento, com a venda nos olhos e com o Luiz onipresente, dando comandos –  ‘olha o teu filho’, ‘onde tá teu filho?’, ‘sente o cheiro dele’, ‘olha, é o assobio do Omar’, aí, com aquela música, músicas maravilhosas nas alturas, ali você se solta e começa a voar e a voar. E foi essa a sensação que eu tive desse trabalho todo. Principalmente depois da cena da morte do Halim, eu acho que era um pouco uma imagem que eu tinha na cabeça: que a partir daquele momento, o filme ficava preto, tudo se desbota: a rede desbota, a Zana desbota, e a partir dali, é o que mais ficou na cabeça, onde eu, Eliane, consegui um estado de êxtase e entrega muito incomum, pra mim mesma, sabe? De estar absolutamente entregue, com um sentimento de ter um diretor o mais amoroso possível, que te dá uma mão, que bota uma rede de segurança e te fala: ‘pula!’ (Engasga, engole o choro e se explica). Tô emocionada (aplausos).”

Nesse momento, a mediadora Bianca Ramoneda a socorreu: “Que bom que o Milton disse aqui no Caderno que a literatura vem do desequilíbrio, e que sem desequilíbrio não há literatura.”

“Exatamente”, respondeu a atriz. “É esse o lugar, é no desequilíbrio, no desamparo, é aí que a gente vai começar a encontrar o ouro, para além da exaustão, porque o resto tudo eu já vi.  Ele (Luiz Fernando) dizia isso pra mim. Ele me conhece muito! Quantas vezes ele dizia pra mim: ‘se fosse uma novela das 9 já estava bom, mas vamos aquecer isso”.

A plateia achou graça. Luiz Fernando arrematou: “Eu acho o trabalho da Eliane raríssimo. É muito difícil manter numa grande quantidade de dias, duas, três semanas, aquele estado emocional. É preciso um desprendimento do ego, muito grande, enraizar a personagem, de tal forma que você tenha a sensação de que ela não tenha a menor noção do que está fazendo, mas ao mesmo tempo, é uma atriz de um talento tão raro, tão purificado, e com tanta babagem na sua formação, e teve a coragem de abandonar essa formação, tudo isso foi jogado fora com uma coragem absurda. Isso é muito raro na televisão, em qualquer meio onde se privilegia essa consagração imediata. Ela estava trabalhando numa zona de risco. Me emocionou, me encheu de orgulho, por ter ficado lá (naquele estado de Zana). Algumas pessoas vinham ver a gravação e ela ficava naquele estado. Ela não saiu daquilo. Tinha momentos em que nós gravamos e ela não sabia que estava gravando. Ela ia buscar uma água, ela bebia água num estado! Virávamos todos para o outro lado, como se não estivéssmos vendo, e a câmera ficava voltada para ela. Meia hora depois, ela dizia: ‘você não gravou isso, não, né?’

 

Eliane defendeu Zana, durante o debate, com argumentos de Zana. Disse que ela cuidava mais de Omar do que de Yaqub (ambos vividos por Cauã Reymnond na terceira fase, com ela) porque Omar havia nascido com problemas no pulmão e era mais frágil.

Foi divertido vê-la ainda dizer que chegou a sentir ódio de Halim (Antonio Fagundes, também na fase em que ela foi Zana, a 3ª), porque “ele não fazia nada”, não tomava uma atitude em relação aos filhos. “Ele era louco por você”, rebateu Hatoum, o criador, bem a seu lado.

Para Hatoum, Eliane e Maria Camargo, a morte de Halim foi o momento mais forte da história. O diretor não quis escolher uma única cena. “Todas são difíceis”, sentenciou, como se fosse o pai que, ao contrário de Zana, não se sente no direito de tomar partido.

zanachorahalim

Na ocasião, muito se falou sobre a cena em que Zana, ainda interpretada por Juliana Paes, segura fortemente as mãos dos gêmeos (então vividos por Lorenzo e Enrico Rocha) no cais do porto onde só um deles, e justamente Yaqub, ferido pelo outro no rosto, acaba embarcando para o Líbano, como queria o pai, Halim, então na voz de Antonio Calloni.

“Foi a cena mais linda que eu vi quando li o roteiro. Mas aí fui ver e a Zana não era eu!”, lamentou, rindo, Eliane.

Juliana Paes, com Lorenzo e Enrico Rocha, na cena em que Zana poupa o Caçula de ir para o Líbano

Juliana Paes, com Lorenzo e Enrico Rocha, na cena em que Zana poupa o Caçula de ir para o Líbano

A sequência, que não faz parte do livro de Hatoum, foi uma imagem bem criada pela responsável pela adaptação, Maria Camargo, que passou dias atormentada com a indicação, na obra original de que a mãe persuadiu Halim a poupar Omar. “Mas persuadiu como?”, eu me perguntava. No momento da partida, Yaqub se solta da mão da mãe assim que o pai o chama para embarcar, enquanto o outro aperta a mão de Zana que, aflita, protege o Caçula. “Foi lindo”, reconhece Hatoum. “Eu poderia escrever uma página de despedida, mas, às vezes, na literatura, em duas linhas você se despede”, explica, justificando a diferença que uma adaptação para TV ou cinema pode ganhar em ocasiões como aquela. Para criar a cena do porto, Maria se lembrou de uma nota que leu em jornal sobre uma tsunami, em que uma mãe, presa às mãos dos dois filhos, percebe que ninguém conseguirá se salvar daquela forma. E então ela solta a mão do filho mais velho e acaba por fazer “a escolha de Sofia”, conta Maria, ficando com a caçula. “O menino sobreviveu. Foi encontrado no dia seguinte. E ela e a filha também sobreviveram. Mas então você pensa: como ficou a cabeça do que sobreviveu?”

Eliane imediatamente explica que Zana seguraria a mão de Omar, porque o outro, sabidamente mais forte, “vai saber se virar”. O diretor discorda: “Eu acho que é o contrário. O selvagem seria muito mais preparado pra isso”. No meio da discussão sobre quem é o frágil e o que fazer com os meninos, Bianca lembra a todos que “Milton, o autor, afinal, está ali, vendo todo mundo falar de seus personagens”, sem se manifestar.

EM NOME DO PAI

Ao responder a uma pergunta sobre como chegou ao estado de comoção exibido na tela para a morte de Halim, Eliane contou que não conseguia fazer a cena. Pediu para repetir algumas vezes, até que lhe veio a imagem do pai. “Meu pai sempre foi muito parecido com o Fagundes. A gente dizia muito isso em casa, a vida toda. E ele morreu muito jovem, com 47 anos, mas envelhecido, de cabelos todos brancos, por causa de um câncer feroz. Acabei pensando no meu pai e consegui, mas, até a hora de ver a cena no ar, achava que não tinha dado certo”, confessa.

 

 

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