Roda e avisa: centenário de Chacrinha vai do Bial ao ‘Bom Dia Brasil’, com revival do ‘Cassino’
O centenário de fato será no dia 30 de setembro, mas o tributo a Chacrinha, já iniciado pelo canal Viva, começa na Globo esta semana, a contar do Conversa com Bial de hoje, terça-feira. A efeméride chega ao Bom Dia Brasil, com reportagens amanhã e quinta, e inclui um revival do Cassino do Chacrinha com atuação quase mediúnica de Stepan Nercessian, já apresentado no Viva, agora na noite desta quarta-feira, logo após a novela A Força do Querer.
A homenagem produzida com júri de luxo (Regina Casé, Ana Maria Braga, Luciano Huck, Angélica, André Marques e Fernanda Lima) peca por alguma higienização do programa. A anarquia pilotada por Chacrinha naquele auditório, por onde voavam peças de bacalhau, abacaxis, abóboras, preservativos e o que mais desse na telha do Velho Guerreiro, é reconhecidamente seu grande valor. Mas, no fundo, e não tão no fundo assim, uma versão mais limpinha da antiga Discoteca do Chacrinha foi o que Boni tentou fazer, ao trazer Chacrinha de volta da Band, em 1982, para o Cassino do Chacrinha, nome que o programa teve até a morte do comunicador, em 1988. Dez anos antes, numa queda de braço entre Boni e Abelardo Barbosa, o apresentador deixou a emissora antes do fim de contrato e voltou a lhe fazer concorrência pela Tupi, de onde viera em 1967. Ainda em 1978, trocou a Tupi pela Band, antes de ser convidado por José Bonifácio de Oliveira Sobrinho a voltar.
Conforme consta no musical que nos revelou a faceta Velho Guerreiro de Stepan Nerecessian, mote inspirador dessa grande homenagem (musical escrito, aliás, por Pedro Bial), o Velho Guerreiro começou a entrar em atrito com Boni, em sua primeira passagem pela Globo, por atrasar a entrega do horário – o programa era ao vivo – e por ferir, de certa forma, o que Boni e Walter Clark já definiam como “padrão Globo de Qualidade”. Um ponto alto na briga entre os dois deu-se quando Chacrinha mandou buscar na porta da TV Tupi o mesmo pai-de-santo que vinha bombando no palco de Flávio Cavalcante, seu adversário direto.
Assim, aquele Abelardo Barbosa que voltou para a Globo em 82 já vinha ligeiramente enquadrado, mas em uma medida ainda bem mais livre do que o especial produzido agora. Reproduzir exatamente aquela atmosfera é algo impossível. Mesmo o público, hoje, já parece mais acanhado. O padrão das chacretes segue a linha menos esquálida da época, mas os figurinos seguem o pudor atual.
CONVERSA COM BIAL
Hoje, Boni fala diretamente de Nova York, via telão, sobre sua tumultuada e afetuosa relação com Chacrinha. Xingado pelo Velho Guerreiro no musical escrito por Bial, o ex-big boss da Globo não fez restrições ao texto do musical, e conta agora que Chacrinha tinha um temperamento bem difícil. “Abelardo era cínico, isolado, e não acreditava em ninguém. Nada a ver com o personagem que ele criou. A criatura era divertida, mas o criador era um chato de galocha”, brinca Boni, em entrevista por vídeo. “De qualquer forma, ele tinha uma sensibilidade grande e uma visão do comportamento da massa interessante. Chacrinha nasceu para a televisão: Abelardo sabia planejar o programa e Chacrinha desenrolava aquilo. Abelardo falava com o olho, conversava com o telespectador, não só com um auditório. Ele transpunha a tela e chegava nas pessoas, tudo com uma naturalidade grande e colorida”.
No estúdio, estarão o próprio Stepan, e Cláudio Manoel, que vem dirigindo um documentário sobre Abelardo Barbosa. Bial, que gravou um depoimento para o tributo Chacrinha, o Eterno Guerreiro (o especial tem também depoimentos de Fausto Silva e Serginho Groisman) adora falar de Chacrinha, seu grande referencial.
“É um dos meus assuntos prediletos”, diz Bial no Conversa. “Amo lembrar dessa história, porque me inspira sempre. O Chacrinha é meu santo padroeiro. Fui ao programa como plateia umas quatro vezes quando era estudante. Adorava ver como funcionava aquela loucura. Percebi que o que na televisão parecia bagunça, era muito rigoroso, organizado e funcional”, ele conta.
Stepan recomenda ao público que veja o especial. “Está imperdível”.
Também recomendo: além de ser divertido rever naquele cenário figuras como Sidney Magal, Ney Matogrosso, Roberto Carlos e Fábio Jr., o programa nos faz reparar como os auditórios atuais estão tão mais “higienizados”, no pior sentido. Citei aqui ainda outro dia, por ocasião da exibição no Viva, que o Altas Horas escapa dessa acusação, mas a plateia de Groisman é evidentemente menos atirada que as macacas de auditório do Chacrinha ou do Silvio Santos. Arrisco dizer que a histeria dos auditórios se arrefeceu e as plateias foram tomadas desse pudor que se confunde com boa educação.
Foi Fernanda Montenegro, conta Stepan, quem o recomendou para viver Chacrinha no musical de Bial. “A Fernanda sabe coisas que nem a gente sabe sobre a gente”, brinca.
Para Cláudio Manoel, assistir ao Cassino do Chacrinha era como ver uma festa de rua. “Abelardo era eclético: trazia de Alcione a Titãs. Era ligado, lançava moda. Ele é um acontecimento geológico na comunicação e no audiovisual do Brasil”, analisa o humorista.
Entrando no clima, Bial abre espaço para Byafra e Jane e Herondy, duas atrações dignas de serem referendadas pelo auditório de Chacrinha.
BOM DIA BRASIL
Nesta quarta, o Bom Dia Brasil leva ao ar uma primeira reportagem sobre Chacrinha, refazendo a trajetória do garoto que largou a faculdade de Medicina em Pernambuco para se tornar um fenômeno popular. De novo, Bial fala sobre seu ídolo, em uma edição que ouve também Luciano Huck, seu biógrafo, Denílson Monteiro, Roberto Carlos, Angélica e Leleco Barbosa, que dirigiu o programa do pai, mas não o pai. “Chacrinha era indirigível”, conta o filho.
Na quinta-feira,uma segunda matéria no noticiário matutino fala sobre os achados de Chacrinha para a música. Por seu palco passaram Gal Costa, Gilberto Gil, Manderlea, Magal e Gretchen, entre tantos outros, e muitos deles pela primeira vez diante das câmeras de uma TV, incluindo aí os anônimos, adoráveis calouros. Havia os que levavam o Troféu Abacaxi e os que iam “para o trono”.
Um desses atende por Fábio Jr. “Eu fui calouro dele. E depois, quando comecei a fazer sucesso, gravei um especial e ele era um dos convidados. O cara era um gigante”, conta o cantor Fábio Jr., que tem em sua casa um altar com imagens de Nossa Senhora de Fátima, São Jorge, Santo Antônio e…. Chacrinha. “Peço a benção dele aqui”, revela o cantor.
Entre os bordões e as rimas divertidas de cada programa, destacam-se para a eternidade dois lemas:
“Quem não se comunica se trumbica”
“Eu vim para confundir, não para explicar”