Por Cristina Padiglione | Saiba mais
Cristina Padiglione, ou Padi, é paga para ver TV desde 1990, da Folha da Tarde ao Estadão, passando por Jornal da Tarde e Folha de S.Paulo

Em tempos de pandemia, ‘Sessão de Terapia’ tira monstros do armário

Selton Mello e Rodrigo Santoro se reencontram no set após anos sem contracenar Foto: Helena Barreto/Divulgação

A quinta temporada de “Sessão de Terapia” chega ao GloboPlay nesta sexta-feira (4), em tempos de pandemia, mas seu enredo não está à mercê da crise sanitária. As questões que levam os novos pacientes de Caio, papel exercido pelo diretor da série, Selton Mello, a procurá-lo em seu consultório, e que levam o próprio Caio a procurar um novo terapeuta –agora Davi, personagem que nos brinda com a presença de Rodrigo Santoro na franquia–, são permeadas pelo coronavírus, mas não são fruto dele.

“A pandemia permeia a série. Mesmo no caso da enfermeira [Lidia (Miwa Yanagizawa), que tem uma crise de estresse por atuar na linha de frente hospitalar], ela vem por essa situação, mas aqueles problemas já estavam ali”, diz Jaqueline Vargas, responsável pelo roteiro desde a 1ª temporada brasileira. “A pandemia a levou ao consultório, mas lá ela descobre outras questões, a pandemia foi só um gatilho. A situação agora é atípica, mas as questões dos pacientes são questões que já existiam neles.”

“A pandemia paira sobre a 5ª temporada, exatamente como a Jac disse”, endossa Selton Mello, também diretor desde a 1ª temporada e protagonista desde a 4ª safra, quando o Globoplay resolveu retomar a série coproduzida com o canal GNT, cinco anos após a 3ª temporada, que tinha Zécarlos Machado como terapeuta.

IMPORTADA, MAS NACIONAL

Ao lado de Jaqueline e Selton, Roberto D’Ávila, proprietário da produtora Moonshot Pictures, que trouxe a série para o Brasil, completa o trio de criadores do título em sua versão local. Originária de Israel, onde se chama “Be Tipul”, “Sessão de Terapia” é um formato importado que tinha apenas duas temporadas quando chegou aqui, em 2012. Mas até ali, os brasileiros conheciam uma outra versão, feita pela HBO americana e exibida por seu canal no Brasil, intitulada “In Treatment”, que só recentemente ganhou uma terceira temporada.

Os pacientes das duas primeiras safras nacionais eram adaptações dos personagens israelenses. A partir da terceira safra, eles passaram a ser livremente inventados por Jaqueline, que de tanto se dedicar ao tema, acabou virando aluna de psicanálise.

Segundo os três, muita gente que nunca fez terapia na vida encontra na série um incentivo para buscar tratamento e um alívio para o preconceito à prática, como se só quem sofresse algum desequilíbrio mental pudesse recorrer a um divã. Mas cuidar da cabeça deveria ser prerrogativa para todos.

“Eu recebi algumas mensagens de professores de faculdade, professores de psicologia, dizendo que  indicam a série como exemplos de terapeutas, de assuntos tratados”, conta Jaqueline. “A série é um modelo”, continua, “e esse é o maior elogio que a gente pode receber. Eu fiquei tão apaixonada por ‘Sessão de Terapia’ que eu fui estudar [psicanálise], e tive oportunidade de acompanhar na pandemia, nesse último ano, como é importante, como as pessoas sentem falta [da oportunidade de um tratamento psicológico]. Todo mundo tem um pouco de terapeuta com o outro, todo mundo tem a capacidade de falar, mas tem que ter a também a capacidade de escutar”.

BICHO DE SETE CABEÇAS

Nossa conversa aconteceu por videoconferência promovida pela Globo em formato de entrevista coletiva online. Como está na Espanha a serviço da concorrência, no caso, a Amazon Prime Vídeo, Rodrigo Santoro mandou um vídeo gravado sobre sua atuação em “Sessão de Terapia” e reforçou a importância de do tema.

“Falar de saúde mental nesse momento, é até redundante dizer, mas é de uma relevância absoluta. E de uma forma abrangente, não estereotipada a tudo o que diz respeito à saúde da nossa mente. Tem gente sofrendo com transtorno de ansiedade, depressão, é muito complexo”, disse o ator. “A gente não pode reduzir essa importância. Eu comecei essa pesquisa em ‘Bicho de Sete Cabeças’ (2001), foi meu primeiro contato com esse universo. E sempre me interessei muito por psicologia. Eu me sinto muito feliz e honrado de estar participando de algo que tenha essa relevância nesse momento.”

Amigo de Selton desde 1993, quando se conheceram na novela “Olho no Olho”, os dois seguiram caminhos distintos, mas contam ter alimentado sempre uma sincera torcida mútua, celebrando a chance do reencontro. E sua presença no set só foi possível graças à pandemia, já que Santoro se encontrava em uma longa pausa no Brasil, confinado com a família.

Já em abril, ele estava de volta aos trabalhos internacionais e grava agora na Espanha a série “Sem Limites”, com Álvaro Morte, o professor da aclamada série “La Casa de Papel”, da Netflix. Santoro revive no novo enredo o navegador Fernando de Magalhães na primeira volta ao mundo (nada mais oportuno diante da onda terraplanista), que completa 500 anos em 2022.

Davi, o terapeuta de Santoro, vai vasculhar as dores de Caio pela recente perda da mãe, mulher que o abandonou quando criança, e já vai aí um spoiler sobre as questões familiares do terapeuta que não conhecíamos ainda.

Tive a oportunidade de assistir ao primeiro episódio com os dois e o resultado é de um efeito eletrizante, e vamos considerar que estamos apenas diante de dois atores sentados um em frente ao outro em um espaço restrito, em uma antítese de pirotecnia. Os gestuais são contidos, quase nulos, cuidadosamente valorizados pelas câmeras. Eles mal se movimentam. Todo o foco está concentrado na força descomunal presente nos diálogos e na atuação de ambos, gerando impacto e reflexão na plateia. Impossível piscar.

Bravo.

Sobre o texto, o produtor Roberto D’Ávila chama atenção para o valor dos diálogos esculpidos por Jaqueline em um formato que não conta com outros recursos dramatúrgicos para manter o telespectador atento à tela. Todo o foco está concentrado nas falas entre os pares ali enquadrados.

SANGUE DO MEU SANGUE

Esse enredo trouxe ainda a Selton a chance de contracenar pela primeira vez com seu irmão real, Danton Mello, no papel de irmão na ficção. O personagem será alguém que ele desconhece até então e que terá a de encontrar em função da morte da mãe.

“Curiosamente, nenhum autor teve a ideia de nos fazer irmãos em alguma história, graças a Deus, porque agora vamos fazer nós mesmos. Foi muito emocionante o encontro desses irmãos de pais diferentes e o encontro meu com o Danton”, conta Selton. “Sempre compararam muito a gente desde a infância, a voz, as semelhanças, e até com isso a gente brincou. Foi lindo. Ter o Danton em cena foi uma honra.”

Também fui apresentada ao episódio que já nos traz Letícia Colin em outro personagem. Mal tivemos a chance de digerir seu gigantismo em “Onde Está o Meu Coração?”, série lançada no mês passado pelo mesmo GloboPlay, e já veremos a atriz novamente aqui como uma das pacientes de Caio. Ela é a estilista Manu, mãe recente que sofre com a culpa pelo estresse trazido por sua bebê e com todo o processo que cobra da mulher a perfeição na maternidade.

Letícia Colin arrebata de novo, agora como a estilista Manu, uma mãe em conflito. Foto: Helena Barreto/Divulgação

Tony, papel de Christian Malheiros, e Giovana, vivida por Luana Xavier, que é neta de Chica Xavier (1932-2020) completam o time de pacientes da vez.

O supervisor de Caio, papel que foi de Morena Baccarin na temporada passada, continua atendendo às sextas. Sofia, personagem de Morena, aparecerá por mensagem de vídeo gravada a Caio, quando lamenta pela morte de sua mãe, conta que não sabe se voltará ao Brasil e o indica a Davi (Santoro). “A Morena [que mora nos Estados Unidos] não poderia vir por causa da pandemia, mas, mesmo que pudesse, não poderia mais ser terapeuta do Caio porque os dois ultrapassaram a linha entre paciente e terapeuta”, lembra Selton, citando o romance dos dois.

Pela primeira vez em cinco temporadas, esta safra de 35 episódios foi gravada nos Estúdios Globo, no Rio. A Moonshot Pictures sempre gravou tudo em São Paulo, em estúdios ou locações, e segue agora um novo modelo de produções (e custos) imposto pelo Grupo Globo com seus parceiros. “Sessão de Terapia” é uma obra que une GloboPlay, Moonshot e canal GNT, onde a série é exibida um ano após a estreia no streaming.

O GloboPlay lança nesta sexta os 10 primeiros episódios, para depois liberar cinco novos capítulos a cada sexta, até completar o pacote todo. D’Ávila diz que mesmo tendo todos os episódios a disposição, nunca gostou de ver mais que dois seguidos, a fim de digerir as questões trazidas por cada personagem.

Certo está ele. Vale a pena consumir cada cena com tempo de atenção e reflexão, sem dividir o foco com zap ou outras redes, e sem pausa em uma mesma sessão. Eis aí um programa que não foi feito para ser dividido com outras telas e afazeres.

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Cristina Padiglione

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