Ex-chefão de direitos esportivos da Globo opera agora pela CBF e contraria interesses da emissora
Homem que costumava mandar até no comportamento dos jogadores da Seleção Brasileira fora de campo, Marcelo Campos Pinto, responsável por anos a fio pelos direitos de transmissão esportiva na Globo, sempre teve forte influência na Confederação Brasileira de Futebol (CBF). Agora, ironia do destino, é ele, em nome da CBF, quem encabeça a promoção de um novo modelo de negócios nessa área, modelo este que sempre ajudou a combater quando ostentava o crachá da Globo.
Os dias já não são mais assim na longa e feliz parceria da emissora com a CBF, o que se evidenciou com a confirmação de que a Globo, pela primeira vez em anos, não transmitirá jogos amistosos da seleção – as partidas contra a Austrália e a Argentina, nos dias 9 e 13 de junho, estarão apenas na tela da TV Brasil, onde a CBF comprou horário, e no Facebook, com transmissão direta, conforme plano comercial já oferecido ao mercado.
Pela nova concepção de negócios, a CBF pretende passar a operar os direitos de transmissão de partidas da seleção brasileira, sendo responsável por toda a captação dos jogos, inclusive com locutor de sua escolha. Os jogos de junho, por exemplo, ficarão a cargo da narração de Nivaldo Prieto, nome do cast da Fox Sports. O comprador dos jogos terá, quando muito, o direito de posicionar uma ou duas câmeras exclusivas no estádio. É o modelo que vigora nos campeonatos europeus, tão invejados entre nós pelas cifras e organização, pelo COI, o Comitê Olímpico Internacional, e pela Fifa, por exemplo.
O Grupo Globo até tentou adquirir os dois jogos pelas novas regras do negócio, mas não chegou a um acordo. Circula pelo mercado que a CBF teria pedido US $ 3 milhões pelas duas partidas, valor inviável de ser coberto apenas com anúncios. Normalmente, a Globo negocia as cotas do futebol em um pacote que inclui vários campeonatos, diluindo esse custo em uma série de eventos.
Procurada pelo TelePadi, a Globo se pronunciou por meio de nota enviada por sua assessoria de Comunicação: “A CBF tinha planos de negociar os direitos dos Amistosos e das Eliminatórias da Copa 2022 na forma de bid (leilão fechado). Recentemente decidiu vender os dois jogos amistosos de junho de forma avulsa e, embora não acreditemos que esta seja a melhor solução para todas as partes, tentamos negociar mas não chegamos num acordo. O Grupo Globo defende um mercado de concorrência e acredita que tem a melhor solução de visibilidade e envolvimento para os eventos da nossa seleção, tanto pela audiência quanto pela qualidade de transmissão e modelo econômico, mas respeitamos se a CBF pensa diferente.”
Se a Globo, que tem os custos mais caros de anúncios, não conseguiu entrar em acordo que lhe parecesse vantajoso, o caminho não poderia ser outro com as demais emissoras, a quem o menu também foi oferecido pela CBF. Sendo assim, a confederação comprou horário a um custo baixo, na TV Brasil, mas, devido às restrições com publicidade impostas pela TV pública federal, não poderá inserir anúncios nem captar patrocínio para uma transmissão que é sempre altamente atraente para o mercado (ainda mais no caso de Brasil X Argentina, um clássico de rivalidade).
Anunciantes interessados nesse cardápio já se enfileiram diante do Facebook, onde uma exibição ao vivo das partidas está aberta à comercialização de publicidade. Abaixo, alguns detalhes sobre o plano oferecido ao mercado.
Na semana passada, a Globo dispensou seu diretor de esportes, Renato Ribeiro, mas informa que o episódio nada tem a ver com o insucesso de um acordo com a CBF. Qual a relação entre a saída de Ribeiro e essa ausência excepcional da Globo na transmissão de amistosos da seleção?, questionou o blog: “Nenhuma relação. A função do Renato está associada aos conteúdos esportivos da Globo, do Sportv e do globoesporte.com, sem nenhuma relação com as negociações de direitos. A saída dele da Globo faz parte da evolução da reestruturação do Esporte da Globo, que vem ocorrendo desde outubro do ano passado, quando foi anunciada a criação da nova unidade de Esporte, sob o comando de Roberto Marinho Neto. Foi um movimento natural, consensual e planejado. Renato Ribeiro ajudou no processo de redesenho da área e deu uma importante contribuição para a sua consolidação, tendo estado à frente da cobertura de eventos importantes como a Copa do Mundo de 2014 e os Jogos Olímpicos de 2016. Na Globo há 31 anos, Renato encerra seu ciclo de sucesso na empresa no final de junho.”
Mas, ao informar que a função de Renato será interinamente exercida por Roberto Marinho Neto, filho do presidente do Grupo Globo, Roberto Irineu Marinho, cabe perguntar: se não havia ninguém já escalado para o cargo de Ribeiro, a ponto de ocupar sua vaga com um interino, a saída dele não se mostra tão planejada assim. Certo é que o nome de Ribeiro já sofria algum desgaste havia pelo menos dois anos.
A emissora, que tem os direitos de transmissão das Copas do Mundo de 2018 e 2022, ainda tem esperanças de recuperar essa bola com a mesma solidez de antes. “O futebol sempre foi um conteúdo importante para o brasileiro e, por isso, é estratégico para a Globo e o SporTV. Acreditamos que com compromissos de longo prazo conseguimos oferecer a melhor e mais completa experiência para o torcedor brasileiro, para as equipes, para os anunciantes e suas marcas. Foi pensando assim que adquirimos os direitos da Copa do Mundo até 2022 e que temos vários eventos e parcerias de longo prazo. Nós mantemos o nosso compromisso com o futebol e o nosso interesse em continuar trabalhando com a CBF na construção de acordos que sejam bons para todos.”
A ver. Marcelo Pinto foi dispensado pela Globo em 2015. É impressionante notar como um sistema pode sofrer alterações que se pretendem tão profundas em questão de meses, reformando um modelo que vigora há décadas. O fato é: a Globo já não tem sobre a CBF a mesma ingerência de antes.