Por Cristina Padiglione | Saiba mais
Cristina Padiglione, ou Padi, é paga para ver TV desde 1990, da Folha da Tarde ao Estadão, passando por Jornal da Tarde e Folha de S.Paulo

Executiva da Netflix explica apetite brasileiro por reality shows

Cena da 1ª temporada de 'Casamento às Cegas', sucesso recente na interminável releitura de Namoro na TV / Divulgação

Em entrevista exclusiva a esta signatária, a diretora de Conteúdo de Não-Ficção da Netflix para o Brasil, Elisa Chalfon, faz um diagnóstico muito preciso sobre o apetite do brasileiro por reality shows e documentários que mergulhem em questões e personalidades do seu interesse.

Nesta terça-feira (23), em um evento batizado como “Mais Brasil na Tela”, a principal plataforma de streaming do mundo anunciou uma série de iniciativas no país, foco de grande número de consumidores e de gente que ama se enxergar na tela.

“Há um apetite enorme por esses formatos, há um grande interesse dos nossos  consumidores, comprovado com os últimos lançamentos, Brincando com Fogo Brasil e Casamento às Cegas,  que precisa estar no radar de todos nós da indústria pelo grande potencial dos formatos”, explica Chalfon, que conclui:

“É o que os brasileiros também querem assistir porque são retratos da realidade, contadas de maneiras distintas obviamente, que geram uma conexão imediata com o que as pessoas vivem. Não é apenas escapismo, é também identificação.”

Diretora do Casamento às Cegas, formato da Endemol, Cássia Dian endossa: “O reality é também um recorte da sociedade, há pessoas lá dentro da sociedade em que a gente vive, de determinadas áreas e meios, há discussões importantes para a sociedade, e a gente fez isso entretendo. Ouvi podcast falando sobreo machismo que aconteceu em uma relação no Casamento às Cegas, então a gente realmente conseguiu fazer com que determinadas discussões fossem parar nas rodinhas da mesa do bar, no vestiário da academia. É muito legal fazer as pessoas refletirem”, diz Dian.

Filmes e séries ainda são os conteúdos mais assistidos pela plateia da Netflix, até em função da oferta mais ampla desses formatos: “a indústria do entretenimento, não só aqui no Brasil, mas no mundo, desenvolve e produz mais séries e filmes, de diversos gêneros, do que documentários e realities”, confirma Chalfon, ressaltando a preocupação da plataforma com outras produções no Brasil.

“Colocamos nossos consumidores em primeiro lugar, ouvimos nossos assinantes para oferecer a melhor versão de cada história. Desde o lançamento de ‘3%’, em 2016, nosso primeiro conteúdo local, testamos e aprendemos muito, principalmente sobre as expectativas dos brasileiros. E o que aprendemos é que eles querem mais histórias autênticas brasileiras, que reflitam suas vidas, por meio de personagens e tramas com as quais se identificam e se relacionam.”

“Por isso, séries não roteirizadas, principalmente documentários e reality shows, que mostram a vida de pessoas reais, sejam elas conhecidas ou não, são formatos que os brasileiros gostam tanto, pois estabelecem uma conexão direta com suas histórias e uma reflexão natural sobre nossa sociedade. Prova disso é o sucesso de documentários como ‘AmarElo – É Tudo Pra Ontem’, ‘Pelé’, ‘Vai, Anitta’ e ‘Anitta: Made in Honório’ — que retratam a vida de figuras brasileiras que amamos; ou até mesmo histórias que marcaram a sociedade brasileira, como os documentários ‘Elize Matsunaga: Era Uma Vez um Crime’ e ‘João de Deus’; e de reality shows como Casamento às Cegas Brasil e Brincando com Fogo Brasil, que geraram muita conversa nas redes sociais.”

Diretora do Casamento às Cegas, produzido pela Endemol Shine Brasil, e que é certamente o maior sucesso da Netflix nesse campo em 2021, Cássia Dian reforça uma tese que norteia também os realities mais conhecidos da TV, a começar pelo Big Brother, também da Endemol: o Brasil tem um modo todo especial de adaptar formatos internacionais.

“A gente fez algumas adaptações da versão americana, somos muito livres para criar algo que se encaixe na audiência brasileira.” Por exemplo? “São pequenas coisas. Quando a gente foi fazer o casal Rodrigo e Day, havia a conexão dos dois com astrologia, e brasileiro ama astrologia, signos, então a gente consegue fazer esse tipo de brtincadeira, colocar isso na pauta.”

Embora seja um grande consumidor de reality shows, o Brasil não é exatamente um criador voraz do gênero, o que se explica por alguns traços da nossa indústria. “Sabemos que ainda há um longo caminho a percorrer; a indústria brasileira ainda é conservadora no que se refere ao desenvolvimento de conteúdos originais em reality show, parte pelo baixo risco dos formatos internacionais de sucesso, parte pelo pouco investimento em desenvolvimento de ideias originais no formato”, explica Chalfon.

Outra executiva experiente e hoje chefona da Netflix no Brasil, Elisabetta Zenatti, até bem pouco tempo atrás atuava no comando da produtora Floresta, onde já defendia, havia anos, a soma de esforços para tanto, como fator capaz de impulsionar o mercado do audiovisual no Brasil. Zenatti acumula entre os muitos méritos alcançados pela Floresta o “De Férias com o Ex”, principal reality da TV paga no Brasil, via MTV, e o “Lady Night”, com Tatá Werneck no Multishow, também aproveitado pela Globo.

Chalfon sustenta que o Brasil só passará a criar mais realities se “de fato investirmos em desenvolvimento e no fomento da nova geração de criadores”. Por essa premissa, entende-se que é necessário “testar novas ideias, elaborar dinâmicas, ouvir novas vozes e perspectivas”. “É preciso gerar mais impactos positivos em toda a cadeia. A genialidade está na excelência criativa, em encontrar os melhores talentos para desenvolver as melhores versões das histórias que os brasileiros querem assistir, que representem os muitos Brasis, a sua diversidade e a sua pluralidade.”

Isso vale não só para formatos originais, mas também à capacidade de adaptação dos moldes importados, como aconteceu em Casamento às Cegas Brasil e também em Brincando com Fogo Brasil, ambos com 2ª temporada garantida para 2022, “assim como Queer Eye Brasil que está por vir’. “Usamos a mesma dinâmica e/ou regras de competição, mas todo o resto é genuinamente brasileiro, na frente e atrás das câmeras, respeitando e reforçando nossa cultura, comportamento, paisagens – e é exatamente isso que fez com que tivessem tanto sucesso e gerassem tanta conversa. Estamos buscando esse equilíbrio entre conteúdos adaptados e originais brasileiro. “

DOCUMENTÁRIOS

Pergunto a Chalfon o que tem motivado o crescimento da produção de documentários, dos mais simples a alguns mais complexos, em um país que até bem pouco tempo se queixava da falta de exemplares do gênero. Ela não nos conta quantas sugestões recebidas pela Netflix são descartadas –“Essas informações são confidenciais”, argumenta. “Mas o que temos notado é que o aumento do consumo de documentários aqui no Brasil está diretamente ligado à oferta de histórias autênticas brasileiras neste formato, principalmente de histórias mais contemporâneas.”

Assim, de novo, como no caso dos reality shows, vale o poder de identificação com a plateia, o que também explica a ênfase desse evento de anúncios intitulado Mais Brasil na Tela, na manhã desta terça.

“O brasileiro viveu, ouviu, leu sobre um acontecimento pelo viés jornalístico e, com o documentário, está conhecendo uma versão diferente, como em ‘Elise Matsunaga: Era Uma Vez Um Crime’. Ou sabe que uma realidade ou um grupo de pessoas existe, que há uma cultura diferente da sua, mas com os quais nunca teve contato ou muito conhecimento — e aí vem ‘AmarElo: É Tudo Para Ontem’. Fazendo parte ou não desses cenários, o brasileiro consegue estabelecer uma conexão mais direta com essas histórias porque elas são brasileiras, porque trazem representatividade, porque refletem sobre a sociedade em que vivem.

Chalfon também abraça o considerável cardápio de shows de stand up oferecido pela Netflix. Mas o humor, afinal, no streaming, é mais livre que na TV aberta? “O que faz um stand-up é a conexão que o artista estabelece com o público. A energia e a relação direta com a plateia, que é fundamental.” A escolha desses espetáculos passa também pela “diversidade de vozes –do Pokas, com a quebrada paulista, ao Whindersson, no Piauí e a Bruna Louise, do Paraná, marcando o lugar da mulher nesse palco.”

“São todos comédia, mas cada um com suas nuances, seus traços, porque vêm de realidades distintas e de um olhar para o comportamento humano que também passa pela vivência de cada um. Assim como nossa audiência, que não tem um único perfil. Nesse sentido, é um formato flexível. Acredito que o conceito e a base de um stand-up são os mesmos, mas o streaming possibilita maior inovação e maior oferta de um mesmo tipo de conteúdo para o consumidor.”

MADE IN BRAZIL

A Netflix encerra 2021 com a série documental “É o Amor: Família Camargo”, com Zezé Di Camargo e a primogênita, Wanessa, e começa 2022 com Ideias à Venda, reality sobre empreendedorismo apresentado por Eliana –aliás, um exemplo de programa 100% brasileiro, da criação à produção.

Ainda sob o selo made in Brazil, a plataforma confirma, além das novas temporadas de Casamento às Cegas e Brincando com Fogo Brasil, o Iron Chef Brasil, sob o comando de Fernanda Souza, que promete explorar a diversidade da culinária nacional. E tem o Queer Eye Brasil, já em fase de produção, com Fred Nicácio, Guto Requena, Luca Scarpelli, Rica Benozzati e Yohan Nicolas.

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Cristina Padiglione

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