Por Cristina Padiglione | Saiba mais
Cristina Padiglione, ou Padi, é paga para ver TV desde 1990, da Folha da Tarde ao Estadão, passando por Jornal da Tarde e Folha de S.Paulo

Produção independente nunca teve tanto espaço na Globo, que por anos fugiu de parcerias

Nova temporada de 'Cidade dos homens', com Laranjinha e Acerola crescidos, estreia dia 2

As duas séries que a Globo estreia em janeiro, “Cidade dos Homens” (dia 2) e “Treze Dias Longe do Sol” (dia 8), são da O2 Filmes. “Assédio”, primeira série para a nova plataforma de streaming do Grupo Globo, com direção de Amora Mautner, também tem sido feita com apoio logístico da O2, que ainda vem realizando para a Globo a 2ª temporada de “Os Experientes”, série indicada ao Emmy Internacional em 2016.

A parceria entre a emissora e a O2 não é recente, ao contrário, já existe há mais de uma década. Mas essa aliança não só tem gerado mais produtos, como a própria Globo tem buscado outras produtoras do mercado com mais frequência. “Carcereiros”, série produzida no ano passado, disponível no GloboPlay e ainda inédita na tela da emissora, tem coprodução da Gullane. “Sob Pressão”, aclamada por crítica e público, com 2ª temporada já em criação, é assinada com a Conspiração.

É possível dizer que a Globo nunca esteve tão aberta a coproduções com empresas de fora de casa, contrariando, finalmente, o modelo equivocado que ajudou a erguer na televisão brasileira. Se nos Estados Unidos a televisão cresceu alimentando produtoras independentes, até por força de uma legislação que visava a evitar a concentração financeira de uns poucos grupos, no Brasil a TV se fez sob o conceito de que só a produção dentro de casa assegurava a identidade do canal ao produto. É como se ninguém, fora da emissora, pudesse alcançar seu padrão de excelência.

Sem produzir para a TV, a maioria das produtoras (O2 e Conspiração estão no topo dessa lista) cresceu dependendo basicamente da publicidade, e a publicidade brasileira não demorou a ganhar destaque entre as melhores do mundo, da criação à produção,  veja que paradoxo. Para fazer o comercial que bancava o conteúdo das emissoras, as produtoras tinham um incontestável selo de qualidade. Mas, para fazer o conteúdo, não.

Uma vez questionei o Boni, um dos pilares responsáveis pela posição alcançada pela Globo, sobre isso. Perguntei: “A Globo não costumava trabalhar com produtoras de fora porque elas não atendiam o padrão da emissora ou porque era regra produzir tudo em casa?” “Porque não havia mesmo produtoras que pudessem fazer como a gente queria”, ele me respondeu.

Para essas empresas, a produção de conteúdo (séries, filmes, documentários e programas) começou a se tornar viável com a expansão da TV paga, ganhando fôlego de fato com a lei da TV paga. Sancionada em 2012, a lei 12.485 passou a exigir dos canais pagos 3h30 de produção nacional nos intervalos da faixa nobre (18h-0h), oferecendo, para isso, uma série de incentivos e verba específica destinada ao audiovisual nacional.

Com o enxugamento do quadro de funcionários da Globo, que agora amplia sua demanda de produção com uma nova plataforma de streaming, e a incontestável qualidade exibida por algumas produtoras, que entregam séries e filmes tão bons ou melhores do que as produções da emissora, essa saudável distribuição de investimentos e ideias foi tomando corpo. Em outros canais, como Record e Band, que por décadas tentaram seguir o modelo Globo de produzir tudo em casa, a abertura foi incentivada pela questão financeira mesmo, pautada nos cálculos da terceirização. O SBT ainda faz novela com recursos próprios, mas uma ou outra série (caso de “A Garota da Moto”, da Mixer, e dos realities de gastronomia) só são possíveis porque contam com parceria externa.

Esse é um modelo irreversível. Olhando para trás, nem é possível imaginar como o mercado televisivo passou tantos anos abrindo mão da produção independente.

A título de curiosidade, convém informar que a O2, nascida como Olhar Eletrônico, foi pioneira em oferecer conteúdo à TV, com uma proposta no mínimo vanguardista. Era um time capitaneado por Fernando Meirelles, Marcelo Machado, José Roberto (Beto) Salatini e Paulo Morelli, jovens recém-formados na Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo (FAU/USP) com a ambiciosa missão de “fazer a televisão do terceiro milênio”. Logo se juntaram a eles Marcelo Tas, Toniko Melo, Renato Barbieri e Dário Vizeu. Foi dessa trupe que nasceu Ernesto Varela, cínico repórter vivido por Tas, quando Goulart de Andrade convidou o grupo a participar de seu “Comando da Madrugada”, a princípio pela TV Gazeta, e depois na Manchete, Cultura e Abril Vídeo.

Marcelo Tas e Fernando Meirelles nos idos do Olhar Eletrônico

 

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Cristina Padiglione

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