Por Cristina Padiglione | Saiba mais
Cristina Padiglione, ou Padi, é paga para ver TV desde 1990, da Folha da Tarde ao Estadão, passando por Jornal da Tarde e Folha de S.Paulo

Globo transforma aniversário da TV em autopromoção

Glória Maria entrevista Roberto Carlos, um ídolo nascido da TV, que não fala do passado na Record/Reprodução

A televisão brasileira está completando 70 anos, não 55, idade da Globo. Embora a maioria absoluta das grandes produções da TV no Brasil seja da Globo, e sei bem qual a dificuldade de premiar e encontrar boas ideias bem realizadas em outros canais, a emissora conseguiu desequilibrar ainda mais essa gangorra no Globo Repórter anunciado como um tributo aos 70 anos da TV no Brasil.

Dividido em duas partes, o programa teve a primeira delas exibida na noite desta sexta-feira (18), data da inauguração da Tupi.

Era de se esperar que a Globo valorizasse suas produções e não há mal nenhum nisso. Eu mesma sofri para elaborar uma lista de 70 programas que contemplasse tantas séries e novelas incríveis, sem esquecer o que fizeram antes e em outros canais.

O programa começou com a Tupi, claro, alvo desta efeméride, citou a Excelsior, emissora cassada pela ditadura militar, e apresentou flashes de figuras do SBT, como Silvio Santos, Hebe, Gugu Liberato e A Praça É Nossa. Citou a Manchete, outra rede que não existe mais, especialmente para falar de “Pantanal”, novela que ganhará remake na Globo.

Não fosse uma cena antológica de Ronald Golias com Hebe Camargo, nada teria sido visto da Record. A obra em questão é da gestão Machado de Carvalho, não de Edir Macedo, o inimigo da casa, que comprou a rede em 1990. As mais relevantes contribuições da Record para o legado da TV são da era Machado de Carvalho, mas nada da emissora, única ainda existente desde os anos 1950, foi mencionado.

Ninguém esperava um aplauso da Globo à Record, mas, cá pra nós, entrevistar Roberto Carlos para saber que ele assiste a novelas como “Salve Jorge” e não lembrar que ele, afinal, é um produto da TV, é brigar com a notícia. (*)

Nos anos 1960, Roberto foi alçado à fama por um programa chamado Jovem Guarda, que era da… Record. Bicho… Não é o que se espera de um programa jornalístico que se gaba de ter uma entrevista com o maior cantor do país.

Presidente do Grupo Globo, Jorge Nóbrega coroou o tom de autopromoção, que foi crescente ao longo da edição, a ponto de anunciarem as novidades do Globoplay. “‘Verdades Secretas 2’ vem aí”, anunciou Sandra Annenberg. E os 70 anos da TV com isso?

De novo, ninguém quer que a Globo mencione a Netflix ou esconda os seus méritos, que são muitos, mas  esse oba-oba promocional vai além dos méritos da casa e não cai bem a um programa jornalístico. Talvez tivesse sido mais honesto batizar a homenagem como um Video Show especial.

Vamos torcer para que a segunda edição em homenagem aos 70 anos da TV seja menos vexatória.

Por ora, Nelson Motta, que não tem compromisso com o jornalismo, mas tem com a história da música,  salvou pelo menos a omissão do Globo Repórter sobre o passado de Roberto: mencionou e mostrou no final do Jornal da Globo, logo em seguida, imagens de Roberto na Jovem Guarda e dos festivais da Record. Mas, a essa altura, já passava das 2h.

 

(*) A Globo me informou na segunda-feira (21) que Roberto falará, sim, sobre a Jovem Guarda, mas no segundo Globo Repórter em homenagem à televisão. Suspeitei que a entrevista dele tivesse seguimento no segundo programa e, quem sabe, ele falaria sobre o assunto. Mas não imaginei que deixariam o principal para depois. Como se diz no linguajar jornalístico, jogaram o ‘lead’ (premissa principal) para o pé do texto.

A Globo explica que a edição ficou assim definida pelo fato de o segundo programa contemplar musicais e esporte. Ainda assim, como é grande a chance de muita gente que viu o primeiro programa não assistir ao segundo, teria sido de bom tom avisar que ele falaria sobre Jovem Guarda na sexta-feira seguinte.

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Cristina Padiglione

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