Por Cristina Padiglione | Saiba mais
Cristina Padiglione, ou Padi, é paga para ver TV desde 1990, da Folha da Tarde ao Estadão, passando por Jornal da Tarde e Folha de S.Paulo

Globo, ViacomCBS, Netflix e YouTube buscam reparar atraso na diversidade

O ator Jonathan Azevedo, alvo de formação na Globo para funções de apresentador. Foto: @negblack no Instagram

Leio na coluna da minha estimada colega Patrícia Kogut, no jornal O Globo, que a Globo está investindo na formação de novos apresentadores. Kogut noticia a iniciativa a partir de Jonathan Azevedo, ator que ganhou fama como Sabiá em “A Força do Querer” e é alvo dessa turma agora em formação.

Não é uma escolha aleatória. A Globo tem vários profissionais em condições de exercer a função de apresentador ou apresentadora. O que lhe falta é elenco preto na tela, especialmente nesse papel.

Na área do entretenimento, já tentaram reparar a brancura total com duas grifes da casa, Lázaro Ramos e Taís Araújo –ele no comando de uma gincana que exibia problemas de formato em si, e não encantou o público, e ela, como apresentadora do “PopStar”. No canal GNT, a atriz comanda ainda a atual temporada do Super Bonita, produção da CineGroup.

Mas tanto Lázaro como Taís não têm a apresentação como prioridade, ocupados que estão com dramaturgia, atuando ou dirigindo. Lázaro também apresenta o Espelho, um dos melhores e mais longínquos programas da TV paga, pelo Canal Brasil, mas aquela é uma proposta bastante distinta dos produtos que interessam ao cardápio mercadológico da TV Globo.

O investimento em Jonathan Azevedo é mais uma iniciativa de uma emissora conectada com as demandas de consumo do nosso tempo. Mais do que uma ação aparentemente nobre, os interesses são comerciais. Já falamos aqui, em várias ocasiões ao longo do último ano, sobre políticas de incentivo para a ocupação do audiovisual brasileiro por rostos e criadores negros.

Nada disso caminha isoladamente e a TV serve a esse contexto de valorização da cultura e do DNA africano como causa e consequência. A tela espelha e é espelhada pelo que se passa fora dela, onde crescem iniciativas antirracistas e políticas de cotas para acelerar uma mobilidade social inexistente durante os séculos de escavidão, que caminha em slow motion há 130 anos.

Desde a minha primeira conversa com AD Júnior, que ao lado de Zizo Papa trouxe para o Brasil a marca Trace, dedicada a valorizar e difundir a cultura africana pelo mundo, passei a estudar essa movimentação de um mercado de consumo que enfim descobriu o potencial da massa preta para comprar.

Pesquisas da Trace, hoje presente no catálogo do GloboPlay e na TV paga, pelo canal Trace Brazuca, apontam que os pretos, ignorados por uma indústria que sempre subestimou sua capacidade de compra, não consumiam mais, antes de mais nada, porque não se viam representados nas propagandas nem na TV de modo geral.

Este é um cenário que mudou substancialmente em dois anos, como atestou o cineasta Fernando Meirelles, em conversa com este blog, há dois meses. Sócio da produtora O2 Filmes, uma das maiores empresas na produção de filmes publicitários, séries e longas-metragens, o diretor disse que a presença de negros na criação e diante das telas tem sido uma exigência dos players, como Globo, Netflix e HBO, além de clientes do mercado publicitário que pedem especificamente a presença de afrodescendentes em cena, em papéis e condições onde antes só havia espaço para brancos, como comerciais de banco e de cosméticos.

A Globo acaba de faturar um Leão de Ouro, principal prêmio do Festival de publicidade de Cannes, com o especial “Juntos a Magia Acontece”, protagonizado por um Papai Noel negro (Milton Gonçalves), produção encomendada pela Coca-Cola e a agência WMcCann.

A ViacomCBS, conglomerado que abraça canais como MTV, Nickelodeon, Comedy Central, Porta dos Fundos e a plataforma de streaming Pluto TV (que recentemente trouxe para o Brasil o canal BET -Black Entertainment Television), inaugurou uma sala de roteiristas negros para a criação de novas séries para os seus canais.

Recentemente, a ViacomCBS também contratou Maria Angela de Jesus, ex-HBO e ex-Netflix, rara profissional negra com larga experiência no comando e na encomenda de produções de dramaturgia de relevância na grande indústria audiovisual.

Na semana passada, o YouTube fechou mais um ciclo de inscrições para treinar e investir em influenciadores negros. E há poucas horas, noticiamos aqui a louvável ideia de Fábio Porchat em patrocinar três espetáculos inéditos de comédia, desde que metade de seu elenco seja negro.

Não faz muito tempo, ainda em 2017, a Globo foi cobrada –como nunca havia sido antes– pela falta de negros no protagonismo em “Segundo Sol”, novela que se passava na Bahia, onde pretos são maioria. De lá para cá, os processos para evitar novos incidentes como aquele estão acelerados na emissora, mas os demais canais abertos comerciais seguem seu rumo como se nada estivesse acontecendo nesse terreno.

Há duas semanas, a GloboNews abriu mão de Heraldo Pereira na apresentação dos Jornal das Dez, mas tratou de substituí-lo por Aline Midlej, também afrodescendente, levando o veterano de volta ao postode comentarista na TV aberta, pelo Bom Dia Brasil.

Ainda na TV aberta, a chegada de Maju Coutinho ao Jornal Hoje, há dois anos, foi outro fator de ganho na diversidade que antes faltava às bancadas –e que ainda faltam na reportagem, não só da Globo, como de todas as redações de jornalismo, da TV ao mundo impresso, passando pela internet.

A atual gestão da TV Cultura, que fez a besteira de extinguir o ótimo “Manos e Minas” em 2019, lançou em abril o Estação Livre, disposto a dar voz às mulheres pretas, e promete outras iniciativas de inclusão. A bancada de entrevistadores do Roda Viva tem ganhado mais negros desde 2018, e o centro do programa também intensificou a frequência de pretos no centro da roda nos dois últimos anos.

Assim seguimos, com muitas boas propostas acontecendo em quase todos os canais, ainda com certa apatia, como já disse, de SBT, Record, Band e RedeTV!

A presença nessa vitrine de pessoas criadas sob restrições, discriminação e preconceitos que são inimagináveis para a vivência dos brancos joga luz sobre dramas antes invisíveis nos enredos dramatúrgicos e no critério de relevância das notícias. É outro universo, de outros efeitos e resultados, que certamente ajudarão a tratar as feridas do racismo estrutural que tanto queremos combater.

 

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Cristina Padiglione

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