Por Cristina Padiglione | Saiba mais
Cristina Padiglione, ou Padi, é paga para ver TV desde 1990, da Folha da Tarde ao Estadão, passando por Jornal da Tarde e Folha de S.Paulo

GloboNews faz autocrítica inédita sobre brancos discutindo racismo e escala só negros para jornal

Apresentador do Em Pauta, noticiário do horário nobre da Globonews, Marcelo Cosme abriu a edição desta quarta-feira (3) fazendo uma autocrítica inédita para um telejornal brasileiro, ao reconhecer que há algo de errado em um informativo que coloca um time de brancos para discutir o racismo do qual os negros são vítimas. O reconhecimento veio em função da cobertura branca sobre as manifestações antirracistas que contagiaram o mundo todo a partir da morte de George Floyd, negro asfixiado por um policial nos Estados Unidos, na semana passada.

Assim, a edição desta quarta foi apresentada por Heraldo Pereira, apresentador do Jornal das Dez, com um time de comentaristas negras. Cada uma relatou um episódio chocante do qual já foi vítima. E para não dizer que o Em Pauta fez uma edição excepcionalmente negra, Zileide Silva e Flávia Oliveira passam a fazer parte do time fixo de comentaristas do telejornal.

A falta de negros nas redações não é um problema exclusivo da Globo, como pode se constatar pela supremacia branca da TV de modo geral, mas é preciso dizer que esta lacuna existe também nas redações de jornais impressos e da mídia em geral. De certa forma, é um reflexo da vagarosa, quase nula, ascensão social e educacional oferecida aos negros no Brasil.

Cosme não se esquivou de mostrar na própria tela o esculacho tomado pelo Em Pauta nas redes sociais, onde uma imagem de jornalistas, todos brancos, foi legendada com o aviso: “Rapaziada, a pauta era o racismo”. “Nós entendemos o recado”, consentiu ele.

“No EmPauta de ontem, os jornalistas que dividiram comigo  a cobertura, de alto nível, eram todos brancos. Eu estaria mentindo se eu dissesse que foi uma acidente. A Globo tem a diversidade como um valor e se orgulha dos profissionais negros que tem, em frente às cameras e por trás delas, profissionais de altíssimo nível, que comandam, alguns, a apresentação de telejornais aqui na GloboNews e na TV Globo, e continuará buscando ampliar essa diversidade. Mas, por razões históricas e estruturais de nossa sociedade, também na Globo os colegas negros ainda não são tantos quanto o desejado.”

Ao longo da edição, Heraldo sublinhou em várias ocasiões o quão lhe era inédita aquela imagem de um painel todo composto por negras, todas falando por meio de videoconferência.

É um mea culpa histórico.

Cosme continuou: “Hoje, a GloboNews aceitou uma sugestão da nossa colega, Márcia Gonçalves, lá do Profissão Repórter, e convidou profissionais do mais alto gabarito, do nosso time, pra discutir um tema que eles conhecem muito bem porque o enfrentam em suas vidas: nosso decano, Heraldo Pereira, apresentador do Jornal das Dez na GloboNews, Maria Julia Coutinho, que apresenta o Jornal Hoje, minha amiga Zileide Silva, repórter em Brasília e ex-correspondente da Globo em Nova York, Aline Midlej, apresentadora do Edição das Dez da Manhã aqui na GloboNews, Flávia Oliveira, nossa comentarista de Economia, e também, Lilian Ribeiro, repórter e apresentadora da Globonews. Eles farão o Em Pauta de hoje.”

NA CNN BRASIL

A CNN Brasil também foi cobrada pela presença de negros no noticiário sobre George Floyd e suas consequências, com ênfase para a presença de William Waack no assunto. A ex-consulesa da França no Brasil, Alexandra Loras, citou durante entrevista ao vivo no canal que ele deveria contar com a presença de negros para abordar o tema, o que ganhou força nas redes sociais em razão do histórico que levou o jornalista a deixar a Globo, no final de 2017, após o vazamento de um vídeo em que ele dizia uma frase de cunho racista (“É coisa de preto”) nos bastidores de uma transmissão diretamente de Washington.

Waack já falou sobre seu ato falho em várias entrevistas, desculpou-se e nunca se esquivou de assumir que falou bobagem. Justamente por seu histórico, é melhor que ele participe ativamente da cobertura, sem se omitir, o que geraria outra leva de acusações sobre o jornalista.

Mas Loras tem razão em chamar a atenção para a ausência de negros na cobertura de modo geral. Em entrevista a Daniela Lima no canal, a ex-consulesa criticou a mídia em geral pela falta de espaço para especialistas negros na análise dos movimentos. “Hoje, a CNN e toda mídia brasileira têm o poder de convidar acadêmicos negros para conversar sobre essa temática”, ressaltou, ao falar sobre a importância de “dar essa pauta para as pessoas que sofrem na pele, que têm estudado este assunto, que são ativistas militantes dessa causa.”

RACISMO ESTRUTURAL

Ainda no meio de maio, antes do caso George Floyd, Glória Maria atraiu todos os olhares ao relatar episódios de racismo dos quais foi vítima, um deles ao lado do herdeiro do Grupo Globo José Roberto Marinho, com quem morou por algum tempo, no Country Club do Rio. Glória lembrou ainda de como era tratada pelo ex-presidente João Figueiredo, que a chamava de “negrinha”.

O racismo foi também pauta do BBB deste ano, por meio de vários diálogos encabeçados por Babu Santana dentro da casa. Vencida pela negra Thelma Assis, a 20ª edição do reality show foi muito pautada pelo assunto, na contramão da edição anterior, que teve uma vencedora acusada de racismo.

Leia mais sobre o assunto em:

‘Eu me sentia como macaco no zoológico’, diz Glória Maria sobre passeio com José Roberto Marinho

 

 

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Cristina Padiglione

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