Por Cristina Padiglione | Saiba mais
Cristina Padiglione, ou Padi, é paga para ver TV desde 1990, da Folha da Tarde ao Estadão, passando por Jornal da Tarde e Folha de S.Paulo

Henry Sobel relembra morte de Herzog em quadro que pode ir além do ‘Altas Horas’

Henry Sobel em rara aparição pública nos últimos anos, veio dos EUA especialmente para o encontro com Serginho

Chamado por Serginho Groisman como “o meu rabino”, Henry Sobel veio dos Estados Unidos, onde mora há alguns anos, só para gravar uma conversa com o apresentador do “Altas Horas” para o “Linha do Tempo”, quadro que estreou há quatro semanas no programa das noites de sábado da Globo.

A conversa é de um afeto imensurável. Com o quipá do pai na cabeça, Groisman lembra que Sobel esteve ao seu lado na morte dele, e, anos mais tarde da mãe. Cita as referências que guardou de cada uma dessas situações, mas não limita o encontro a um registro entre amigos. Longe disso. Embora a proposta inicial do “Linha do Tempo” seja reencontrar figuras que marcaram sua trajetória e com quem cruzou por mais de uma ocasião ao longo da vida, Groisman oferece ao público uma rara chance de ampliar seu repertório diante da TV aberta.

Na noite deste sábado, quarta edição do “Linha do Tempo”, Groisman aproveita a conversa com Sobel, que raramente tem aparecido em público nos últimos anos, para relembrar a morte do jornalista Vladimir Herzog, em 1975, nos porões do DOI-Codi, o Destacamento de Operações de Informação, Centro de Operações de Defesa Interna, órgão de repressão aos opositores do regime ditatorial militar instaurado no Brasil em 1964. Ao rejeitar a tese de que o jornalista havia se suicidado, como tentaram fazer crer os agentes do DOI, o rabino decidiu que ele não deveria ser enterrado, como manda o judaísmo, em local reservado aos suicidas no cemitério judaico.

“Foi um ato político”, define Groisman a Sobel, que concorda, explicando que aos judeus não é dada a prerrogativa de acabar com a vida, mesmo que seja a sua. O rabino cita que os suicidas são discriminados no sepultamento, sem direito a um lugar no jazigo da família. Ao determinar que Herzog não fosse enterrado como suicida, Sobel desafiou a versão dos agentes da repressão, o que foi de uma coragem incontestável para a ocasião. “Eu vi as marcas no corpo dele, sabia que ele não havia se matado”, conta. Grande conciliador, o rabino enaltece sobretudo o discurso de D. Paulo Evaristo Arns durante o culto na Sé. A atitude dos religiosos incentivou a presença de muita gente no ato, tornando o culto um divisor de águas nas estratégias do governo militar para buscar mais discrição e cuidados na opressão que resultava em pessoas desaparecidas e torturadas.

É um relato emocionante e preciso, que merece ser visto, mesmo por quem já conhece muito de História, e, principalmente, por quem mal conhece detalhes daquela época.

E, mesmo sendo uma conversa entre velhos conhecidos, Serginho não deixa de mencionar o episódio que rendeu grande constrangimento a Sobel, em 2007, quando ele foi flagrado furtando gravatas de um aloja em Palm-Beach, em Miami.

Voo solo

O encontro entre alguém que transita à vontade entre figuras de grande relevância para a cultura e a história brasileira pode render mais do que os 13 minutos hoje editados para caberem no “Altas Horas”. As onze entrevistas já gravadas por Serginho podem ganhar uma versão solo, à parte do programa, com edições maiores, em outro espaço do grupo Globo, ainda a definir. Pode ser um canal pago, pode ser a nova plataforma de streaming da casa, ainda não há definição para tanto. Mas há a ideia.

Além de Sandy & Júnior, Ivete Sangalo, já exibidos, o pacote de encontros conta com a raríssima reunião de todos os titãs originais vivos – só Nando Reis teve de participar via Skype, pois estava viajando, mas até Arnaldo Antunes, o primeiro a sair da banda, esteve presente. Os músicos foram colegas de Serginho Groisman no Colégio Equipe, onde todos estudaram. Na verdade, o apresentador era de uma turma mais velha, mas passou mais dez anos frequentando a instituição para promover os históricos shows que realizou por lá, ainda nos idos da ditadura. Foi lá que Gilberto Gil cantou pela primeira vez a versão da canção “No, Woman no Cry” (“Não chores mais”).

Na conversa, o grupo fala bastante de Marcelo Fromer, morto em 2001, por atropelamento de uma moto.

O passado histórico que se traduz pela música também virá à tona com a presença de Caetano Veloso. Em outra edição, Serginho se reencontra com um grande ídolo e amigo, Casagrande, a quem visitou por mais de uma ocasião em clínicas de recuperação de drogas.

Tem Milton Nascimento, tem Paralamas do Sucesso, Samuel Rosa e tem Fausto Silva, um raríssimo entrevistado em qualquer plataforma ou tela, mesmo dento da Globo.

São histórias que o público não testemunhou, agora com a boa chance de serem relatadas por seus “atores” originais. No modo como estão distribuídas no “Altas Horas”, podem ser vistas como minidocumentários, ou minidocs, como a gente diz no jargão do audiovisual. De todo modo, temos aí um bom material para ser reeditado em versões maiores e mais generosas com um espectador carente de conteúdos relevantes.

 

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Cristina Padiglione

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